Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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28 de novembro de 2018

(não) Jogando: Kursk

(publicado originalmente no Gamerview)

Em um momento que os olhos do mundo se voltam para a descoberta do submarino argentino naufragado ARA San Juan, há algo de mórbido em visitar o interior de outra embarcação similar. São duas tragédias muito parecidas que permanecem inexplicadas em suas causas e cujo resultado não abria espaço para qualquer tipo de esperança.

É ainda mais lamentável quando se percebe que Kursk não consegue capturar as verdadeiras dimensões do horror que se abateu sobre os seus 118 tripulantes, não resgata suas histórias de vida e tampouco funciona como um jogo decente.

Baseado em Fatos Reais

Há uma antiga controvérsia sobre a necessidade dos jogos eletrônicos abordarem assuntos do mundo real, principalmente conflitos militares e acidentes com perdas humanas como é o caso do naufrágio do K-141 Kursk. Como se a mídia fosse inerentemente dedicada à diversão dos jogadores e não pudesse ser revestida de um mínimo de validade, como o cinema, a literatura ou a música. Hollywood vem adaptando tragédias há décadas com resultados positivos e quase nenhuma acusação de exploração comercial. Entretanto, basta um jogo se aventurar por esse terreno para ser visto com desconfiança.

Despido de qualquer preconceito e acreditando firmemente que essa mídia pode e deve ser utilizada como ferramenta para adaptar grandes questões de nossa História, submergi com o Kursk disposto a ver o que a Jujubee havia conseguido fazer com sua premissa.

É óbvio que a desenvolvedora não agiu de má-fé aqui ou correu para extrair alguns centavos da espetacular catástrofe que sacudiu o povo russo. Dezoito anos se passaram desde a explosão que fez o submarino nuclear afundar no Mar de Barents e a ferida ainda está aberta, mas os criadores do jogo não faltam com o respeito em momento algum. Há elementos ficcionais adicionados à obra que se propõe como "o primeiro jogo eletrônico e documentário inspirado em eventos reais", mas sua sequência final é de arrepiar a medula, e o epílogo contextualiza muito bem os fatos.

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Entretanto, entre seu ponto de partida e seu ponto de chegada, Kursk falha miseravelmente na execução. É igualmente óbvio que a Jujubee não sabia muito bem o que fazer com seu cenário ou com as cartas que tinha na manga e arrasta a aventura por missões principais insuportavelmente monótonas dentro de um espaço confinado sufocante.

O Espião que Caminhava

Os quinze minutos iniciais do jogo que você viu acima são uma amostra completamente equivocada do que você irá encontrar depois. Esqueça a subtrama de ser um espião internacional infiltrado à bordo do Kursk para furtar dados sobre um torpedo super-avançado. Ainda que essa seja a mola motriz de tudo que você faz no submarino, o que você faz no submarino é apenas ir do ponto A ao ponto B, sem um único momento de suspense ou medo de ser apanhado.

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Esqueça também a eletrizante sequência onde você precisa solucionar um enigma rapidamente sob o risco de morrer: essa intensidade só será alcançada novamente no final de Kursk, após horas de insossas caminhadas. A criatividade vista na forma como os créditos são apresentados na estrada também é algo que não reaparecerá, em um jogo que não ousa mais em nenhuma outra parte.

Uma vez que você finalmente embarca no Kursk, seu destino está selado em mais de um sentido. Diga adeus à luz do Sol e abrace sua claustrofobia interior: por cerca de três horas, seu lar será uma série de corredores extremamente parecidos, separados por escotilhas a cada dez metros.

Essa arquitetura é responsável ao mesmo tempo por um dos maiores triunfos e um dos maiores obstáculos do jogo. O interior do Kursk está milimetricamente detalhado, com um nível de esmero que eu normalmente só encontrava em adventures de tela parada, mas não em um ambiente completamente 3D. Sem fotos reais do submarino original, não tenho como saber o grau de fidelidade alcançado, mas tudo transborda realismo no jogo: cada válvula, cada parafuso, cada quadro decorativo, cada cano de metal ajuda a nos transportar para dentro desse pesadelo potencial. É quase pornografia para engenheiros.

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Infelizmente, isso tem um preço e Kursk consome uma quantidade absurda de recursos. É visível a queda de frames dentro do submarino, onde você passará mais de 90% de sua aventura. Além disso, cada escotilha responsável por separar as diferentes seções do submarino é também uma tela de carregamento invisível, então é impossível andar mais de dez metros seguidos sem esperar de cinco a dez segundos para o acesso ao próximo compartimento terminar de abrir. Se você precisa subir ou descer escadas, temos outra animação que tenta disfarçar o carregamento do outro andar. Se você abre uma porta, qualquer porta, é brindado com outra animação de alguns segundos. Explorar o interior do Kursk se torna um exercício de paciência.

Com essa limitação técnica em mãos, o que faz a Jujubee para sua jogabilidade? A pior decisão possível. Ela torna o jogo uma sucessão de missões de "vá até X", "pegue Y", "entregue em Z", as infames "fetch quests" que já são uma praga em jogos de RPG. É difícil criar empatia com o destino do Kursk quando se gasta horas andando por corredores parecidos, atravessando sucessivas escotilhas e conversando com NPCs com uma animação facial perturbadora.

Para piorar uma situação que já era estressante, o personagem se move a passos de tartaruga e correr é incentivado o tempo todo com mensagens na tela lembrando qual é a tecla para ser apertada. É claro que correr não minimiza problema algum, em corredores estreitos, onde você precisa desviar da tripulação e fazer curvas até esbarrar na próxima escotilha, cinco segundos de corrida depois.

Quando a desenvolvedora foge da ideia de transformar seu espião em um garoto de recados, somos contemplados com jogabilidades ainda piores. Os mini-jogos de Arcade, por exemplo, podem ser uma tentativa de homenagear a década perdida na qual o título se passa, mas vincular o sucesso em um desses jogos ao avanço da história é um erro insuportável. Para continuar a missão principal e obter um item, o personagem principal é desafiado a superar o recorde de um dos tripulantes na máquina na sala de recreação. A brincadeira não faz sentido no contexto e ainda apresenta mecânicas que respondem ao controle de forma limitada.

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Nesse sentido, a curta duração de Kursk é uma vantagem: após tantas missões sem vigor de um lado para o outro da embarcação, eu estava, contrariando todas as minhas expectativas, ansioso pelo momento em que tudo daria errado à bordo.

Todos Morrem no Final

Não é spoiler algum revelar que uma explosão sacode o submarino e ele naufraga. Se a Jujubee até esse momento parecia estar enrolando para aumentar o tempo de jogo, agora ela está livre para colocar obstáculos reais e momentos de vida ou morte na frente de nosso espião. Resolve fazer isso com quicktime events inesperados e fatais, que levam a checkpoints muito afastados e mais quebram do que aumentam a imersão e o sentimento de perigo.

A verdadeira tragédia do Kursk acaba ocupando menos espaço em tela do que eu esperava, ainda que seja bastante intensa. Ver os ambientes que eu literalmente cansei de atravessar, destruídos pela catástrofe, é um choque de realidade, um banho de água fria e uma lembrança de que isso é mais do que um jogo qualquer, mas uma recriação de um momento aterrador real. A trilha sonora, até então discreta ou marcante nos menus, alcança seu ápice, jorrando grandiosidade e desespero.

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Aparentemente, há quatro finais diferentes no jogo, dependendo de algumas decisões nessa última fase. O final que ouso chamar de canônico é o mais fácil de se obter. Acredito que também seja o mais amargo, quando praticamente toda agência nos é tirada e pouco mais nos resta além de aguardar o inevitável. Um segundo final que descobri não era mais esperançoso ou menos angustiante.

Kursk não pretende oferecer respostas ou alimentar teorias de conspiração sobre o fim real do submarino (acredite, há muitas teorias, como sempre). Aqui e ali há sugestões de problemas de manutenção e você terá que pessoalmente consertar alguns circuitos ou equipamentos de pouca importância. A grande falha aqui talvez seja que a desenvolvedora na verdade tenha perdido a oportunidade de focar menos no submarino e mais em seus tripulantes, as verdadeiras vítimas de dezoito anos atrás, como um documentário faria.

Ouvindo: Lacrimas Profundere - Enchanted And In Silent Beauty

26 de novembro de 2018

Analisando: Portal

Segunda-feira, nova análise em vídeo no canal:

Como é possível que um subproduto da Valve de apenas seis horas de duração (em minhas mãos, pelo menos) possa ter conseguido o feito que Half-Life algum foi capaz? Uma mistura única de desafio, narrativa e humor negro.

Texto originalmente publicado em: http://blog.retinadesgastada.com.br/2011/01/cake-is-not-lie.html

Ouvindo: Capital Inicial - Helicópteros no Céu

25 de novembro de 2018

Jogando: LEGO DC Super-Villains

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(originalmente publicado no Gamerview)

Um jogo LEGO é tão previsível como arroz com passas nos jantares de fim de ano: muda muito pouca coisa, tem quem vai continuar comendo e amando e tem quem vai continuar torcendo o nariz. Felizmente, estou do lado daqueles que seguem amando – os jogos LEGO, não arroz com passas.

Sendo assim, estou aqui para dizer que LEGO DC Super-Villains é mais do mesmo com algumas diferenças, e isso é bom, apesar de tudo.

É Bom Ser Mau

Depois de três jogos dedicados ao Batman (e um elenco cada vez maior de coadjuvantes), a TT Games seguia devendo um título da DC com o escopo de Lego Marvel Super Heroes. Faltava trazer para a DC uma aventura épica que se alastrasse por diferentes cenários de seu universo ficcional e trouxesse uma legião de personagens de todos os tamanhos e poderes. A desenvolvedora poderia lançar um LEGO Batman IV: Todo Mundo Mesmo Dessa Vez ou simplesmente um LEGO DC Super-Heroes, que iria vender do mesmo jeito, porque fã é fã e jogo LEGO é jogo LEGO.

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Entretanto, a TT Games resolveu pensar um pouco fora da caixa dessa vez e escolheu dois caminhos que se cruzaram nesse novo jogo: mostrar a visão dos super-vilões, os colocando no centro dos holofotes, e ampliar muito a agência do jogador, permitindo que ele crie um protagonista do zero. O resultado é LEGO DC Super-Villains.

A trama mistura elementos do multiverso DC, trazendo os vilões do Sindicato do Crime da Terra 3 para a Terra principal. Os heróis tradicionais são colocados fora de cena e cabe aos vilões clássicos descobrirem o que está acontecendo, tentando deter essa nova ameaça. Afinal, o planeta é pequeno demais para tanto bandido e Coringa, Lex Luthor, Adão Negro, Flash Reverso e outros figurões não vão aceitar essa concorrência inesperada. É claro que há algumas reviravoltas no caminho, nada muito surpreendente, mas é um prazer inesperado conduzir uma história inteira no comando de vilões, algo que não acontecia desde a campanha alternativa do primeiro LEGO Batman, lançado há dez anos atrás.

A TT Games evita a controvérsia óbvia de colocar o jogador na pele de psicopatas confessos como Arlequina ou Espantalho, ou mesmo criaturas bestiais como Solomon Grundy ou Tubarão-Rei, usando a ferramenta mais garantida de qualquer jogo LEGO: um senso de humor que não tem medo de se passar por ridículo. Assim temos uma Arlequina que passeia de patins com desenvoltura e repete frases como "Quem disse que eu não ia conseguir? Bem, não vou mesmo, mas não gostei nada disso" ou um Tubarão-Rei que dança hula-hula porque sim.

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Desta forma, os supervilões que infernizam os heróis no cinema e nos quadrinhos aparecem em cena como bufões incompetentes com personalidades que beiram o infantil, que mal conseguem coordenar seus esforços em conjunto, brigam entre si ou se atrapalham sozinhos em seus objetivos. É uma escolha mais do que acertada e LEGO DC Super-Villains diverte bastante, principalmente por estar livre das amarras de precisar adaptar fielmente outras obras – uma obrigação que afetou negativamente outros títulos da franquia, como Lego Jurassic World ou Lego Marvel's Avengers.

Esse é o jogo LEGO com o maior volume de opções de customização que já vi e é possível criar um número astronômico de combinações de poderes, habilidades e aparências. O editor de personagens chega a ser cansativo, principalmente no início da aventura, quando tudo que você deseja é dar partida na história – felizmente, não é complexo e pode ser navegado tranquilamente por uma criança (meu filho agradece). Impressiona que seu personagem participe das cutscenes, que são geradas em tempo real com seu modelo. Apesar da dublagem caprichada do jogo em português, não espere ver o seu nome falado em momento algum (por razões óbvias), então, para todos os fins, ele é o Recruta.

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Da minha parte, temia que o novo personagem "Recruta" fosse roubar as cenas dos já estabelecidos grandes nomes da vilania do Universo DC. O jogo não apenas permite que você crie seu próprio personagem como também te obriga a fazer, onde ele será colocado em momentos-chave do enredo. Entretanto, na maior parte do tempo, o tal recruta sem fala fica em segundo plano e quem brilha mesmo são Lex Luthor, Coringa e companhia.

Pisando em um LEGO

Em termos de enredo, LEGO DC Super-Villains perde para seu primo LEGO Marvel Super-Heroes ou mesmo para o saudoso LEGO Batman 2. Não chega a fazer feio, mas tampouco traz momentos empolgantes, passada a novidade de se estar no comando de vilões quase todo o tempo. A TT Games parece tímida em explorar todas as possibilidades de cenários do Universo DC e mesmo locações icônicas recebem mapas minúsculos. Isso se reflete depois no mundo aberto, extremamente pequeno do lado de fora, principalmente quando comparado com a Nova York da Marvel, ainda que contenha muitas áreas internas.

Quem nunca jogou um jogo LEGO na vida perdeu uma boa década de títulos, mas pode começar tranquilamente por esse. As mecânicas são as mesmas de sempre: você controla diferentes personagens, um de cada vez, e cada um deles possui as habilidades necessárias para resolver puzzles simples no cenário. Em tela dividida, dois jogadores podem se alternar entre os personagens também. Há combate quase o tempo todo, mas ele é tranquilo e sem consequências maiores. Para os veteranos de LEGO, é perceptível que a TT Games vem tornando os títulos mais fáceis a cada encarnação e isso pode ser observado nos desafios e nas lutas.

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Qualquer veterano LEGO também tem uma pergunta na ponta da língua: "E os bugs?". Não seria um título LEGO sem a costumeira diversão e seus bugs – porém, enquanto LEGO DC Super-Villains entrega uma dose satisfatória daquele, o jogo exagera nesse. Por incrível que possa parecer, há bugs demais no título. Mais do que a média, pelo menos.

Em cerca de doze horas de jogo, passei por um CTD ("Crash to Desktop", quando o jogo fecha inesperadamente por completo e te devolve para a Área de Trabalho do Windows), diversos bugs de animação onde o personagem travava no cenário e um momento em que era impossível avançar na história porque um NPC não fez a parte dele. Durante uma das partidas, meu filho caiu "embaixo do mapa", mas conseguiu fugir trocando para um personagem voador. Não podemos esquecer do mais clássico: desde 2008, se eu sou o Player 1, o jogo mantém minhas configurações de teclado, se eu sou o Player 2, eu preciso configurar tudo de novo. São dez anos com o mesmo bug, TT Games!

São defeitos que depõem contra todo jogo LEGO que se preza. São previsíveis como o arroz com passas nos jantares de final de ano. No final das contas, em nome da diversão proporcionada, a gente releva, dá um tapinha nas costas de seus criadores e segue recomendando – LEGO DC Super-Villains, não arroz com passas.

Ouvindo: Kill Hannah - Don't Die Wondering

De Volta Para o Passado

"Demake" é o processo de reimaginar um jogo moderno com um estilo retrô. É o inverso dos tais remakes que abundam na indústria de jogos, quando uma desenvolvedora relança um título antigo com visual e tecnologia atuais.

A maioria dos demakes ficam confinados na imaginação dos fãs ou dos artistas que os concebem e raramente se tornam jogos de verdade. Um desses mestres dos demakes inventados que nunca verão a luz do dia é 2bitCrook, um artista dos poucos bits que criou um Tumblr específico para suas criações ou desconstruções digitais. gameboydemakes faz jus ao nome e reinventa jogos, pensando em como eles seriam se fossem lançados para Gameboy:

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Quando o Gameboy original foi lançado em 1989, meu Dynavision já estava guardado no armário havia muitos anos e eu me manteria em um hiato dos jogos eletrônicos que se estenderia até 1998. Embora não seja afetado por esse sintoma específico do vírus da nostalgia, não me importaria de explorar esses mundos concebidos por 2bitCrook.

Ouvindo: Amnesia - Basement Storage

22 de novembro de 2018

Jogando: Conan Exiles - Parte 2 (Surge o Senhor das Feras)

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Desde minhas impressões iniciais sobre Conan Exiles, muita água correu por esse rio que corta o mapa e muito sangue correu pela lâmina de minha espada. Boa parte do medo que perseguia minhas jornadas deu lugar a uma audácia que beira o barbarismo e lugares antes inexplorados aprenderam a temer minha chegada. Contrariando minha determinação inicial, escravizei outros humanos, NPCs desafortunados aprisionados nesse mesmo exílio, desafiei o perigo, adicionei mods e até me dediquei à fina arte de decorar minha modesta, mas selvagem, residência.

Entretanto, a maior alteração de todas foi realizada pela Funcom. Tive a felicidade de estar na época certa para desfrutar a atualização dos Pets, uma mudança que alterou radicalmente minha relação com o jogo. De um guerreiro solitário condenado à sobrevivência em um mundo injusto, tornei-me um senhor das feras, cercado de bestas aterradoras sob meu comando.

Não há como negar que o grande inimigo a ser derrubado aqui é Ark, o mamute solto entre os jogos de sobrevivência, e sua ménagerie inigualável. Em termos de variedade, certamente Conan Exiles ainda está muito longe de superar o rival, mas a implementação de um sistema de animais domesticados é um acréscimo mais do que bem-vindo.

Primeiro que esses animais possuem uma quantidade de pontos de vida vastamente superior a qualquer aliado humano que você possa recrutar no jogo. Com um aliado elegante e poderoso como uma pantera negra ao meu lado ou mesmo um titânico rinoceronte, quem ousaria se colocar em nosso caminho? Segundo que eles podem ser utilizados para transportar seus itens nas expedições, uma obsessão que carrego comigo desde o primeiro ano de Minecraft. Para que ter um mapa de proporções colossais se não é para colocar o pé na estrada, ver o que ele tem a oferecer e saquear o máximo possível até nem conseguir andar direito?

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Outra novidade inesperada foi que meu filho demonstrou um forte interesse no tal "jogo do Conan" tão logo aqueles animais todos que antes apenas vagavam por ali ganharam a possibilidade de se tornar nossos monstrinhos de estimação. Essa é a obsessão dele, desde nosso primeiro ano de Minecraft...

Conan Exiles segue sem um objetivo claro, mas a busca por novos animais e, principalmente, novos filhotes, nos levaram aos cantos mais distantes, indo literalmente do extremo oeste ao extremo leste do quilométrico mapa. Descobrimos bestas amedrontadoras, assombrações e outros perigos de gelar a espinha. Mas também descobrimos mercadores escondidos em cantos remotos, um culto à Mitra em um oásis, uma cidade inteira de exploradores neutros e... Conan, em pessoa, relaxando em um bar.

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Embora eu quisesse apenas testar todos os animais possíveis e permanecer com os mais eficientes, meu filho insistiu para colecionar todos. O que acabou influenciando a construção de um segundo estábulo e me obrigando a alterar a configuração do jogo, porque eu estava praticamente gastando metade do meu tempo em cada sessão apenas "caçando" humanos para dar de comida às minhas feras. Eu, que havia jurado não descer ao canibalismo no inicio de minha jornada, agora não via problema algum em despedaçar meus oponentes a golpes de machado para que meus pobres animais não passassem fome. Com a mudança nas configurações, não preciso me preocupar com tanta intensidade, mas a dieta permaneceu a mesma.

Com a insistência do guri, deixei ele solto em algumas sessões. Se antes ele acordava mais cedo do que eu para desfrutar de Fortnite ou Pokémon no meu PC, agora ele desperta para explorar terras que eu nem vi. Enquanto trouxer aço para meus baús, criaturas para nossos currais e carne humana para Baguera, Balu, Laracna, Diablo e o resto dos bichos, este acerto está valendo.

O garoto demonstra ainda mais audácia que o pai. A aranha gigante da qual eu fugi? Ele a matou com uma astuta mistura de ataques à distância usando o arco e flecha, um tigre suportando o dano maior do inimigo e golpes vorazes da espada de duas mãos. Os lobos que nos perseguiram semanas atrás? Ele invadiu seu território e saiu de lá com três filhotes que crescem saudáveis em nossa base.

Crom ficaria orgulhoso.

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Ouvindo: Inkubus Sukkubus - Take My Lust

20 de novembro de 2018

Excelsior! Stan Lee e os jogos eletrônicos

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(publicado originalmente no Gamerview)

"É o Stan Lee!", gritava meu filho de excitação a cada vez que encontrávamos o simpático velhinho em um jogo Lego da Marvel. Sempre envolvido nas mais inusitadas situações, era um imenso prazer ajudá-lo a sair dos apuros ou desbloquear seu personagem e passear no vasto quintal onde suas criações habitavam de uma forma quase palpável. "É o Stan Lee!" também se tornou uma frase comum para quem acompanha os filmes da Marvel nos cinemas, em momentos não menos divertidos.

"É o Stan Lee!" é uma frase que infelizmente não ouviremos mais em um lugar: no mundo real. Stanley Martin Lieber, ou Stan Lee, como se tornaria eternamente conhecido, deixou essa esfera terrestre aos 95 anos em uma segunda-feira triste de novembro.

O editor, escritor e criador foi responsável por uma revolução no universo das histórias em quadrinhos ao trazer os super-heróis para mais perto de nossas vidas com problemas mundanos, defeitos, mas sempre grandes responsabilidades. Sozinho, às vezes, mas geralmente muito bem acompanhado pelos talentos de Kirby, Ditko e outros, ele forjou uma legião de lendas: Homem-Aranha, Homem de Ferro, X-Men, Doutor Estranho, Quarteto Fantástico, Thor, Hulk e diversos mais. Ele pegou a quase obscura Atlas Comics e a transformou em uma maravilha, em uma Marvel.

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Enfrentou a Distinta Concorrência, a censura, às vezes a própria opinião pública para defender aquilo que acreditava: a força dos quadrinhos, a força do entretenimento. Sendo assim, é claro que Stan Lee tinha que marcar presença também nos jogos eletrônicos. Em outra época, em outras circunstâncias, tudo poderia ter sido muito diferente, como ele afirmou em 2009, em entrevista para o jornal The Guardian:

Se eu fosse jovem agora e quisesse fazer histórias, gostaria muito de entrar no negócio dos jogos eletrônicos porque é o mais emocionante. Videogames e filmes são as formas mais emocionantes de entretenimento. Mas um videogame de certa forma é mais imaginativo, tem mais variedade. Em um filme você fica no enredo, em um videogame você vai em um milhão de direções diferentes. Eu não tenho ideia de como eles podem fazer isso. É como um milagre

Stan Lee

Herói de bits

Se o destino colocou Stan Lee atrás de uma máquina de escrever e no comando de uma editora, isso não o manteve afastado dos jogos eletrônicos em definitiva. Sua estreia na indústria aconteceu pela dublagem, quando assumiu a voz do narrador em Spider-Man, lançado para Nintendo 64, PlayStation, Game Boy Color e Dreamcast em 2000. Ele repetiria o papel na continuação que sairia no ano seguinte, Spider-Man 2: Enter Electro, exclusivo do PlayStation.

Seriam necessários mais nove anos para que Stan Lee fosse finalmente digitalizado e fizesse uma aparição como um senador em Marvel Ultimate Alliance 2.  O criador de tantos heróis presentes no jogo elogiou o trabalho da Activision: "com toda honestidade, não estou envolvido com o desenvolvimento. A Activision merece 100% do crédito. Mas quando o jogo ficou pronto eles mostraram para mim e fiquei tão impressionado que disse a eles que da próxima vez que eles tivessem uma dessas convenções, seria melhor me terem por lá para que eu possa falar sobre isso".

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Daí pra frente ele tomou gosto. Stan Lee apareceria em todas as plataformas possíveis, seja em The Amazing Spider-Man (com superpoderes de aranha!), em The Amazing Spider-Man 2 ou em todos os jogos Lego baseados em personagens da Marvel, com poderes e habilidades cada vez maiores a cada título. Era tão prazeroso para ele quanto era para nós, como ele admitiu em uma entrevista para a Fortune, em 2015: "estou animado com isso. Quer dizer, estou emocionado. Anos atrás, eu nunca pensei que as pessoas fariam figuras de mim em versões diferentes, muito menos em videogames".

Quem acompanhou a história de Marvel’s Spider-Man viu a última aparição de Stan Lee em um jogo eletrônico, com ele ainda vivo. É uma cena rápida, mas imperdível e, como sempre, marcante, um gesto de carinho da Insomniac Games para o criador do herói aracnídeo. Nos resta esperar agora que a tradição não se perca e a face gentil e simpática continue viva, em bits e lembranças e que a frase "é o Stan Lee" não silencie.

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Herói fora da tela

Sua convicção plena de que o entretenimento tinha um papel na sociedade e que os jogos eletrônicos eram importantes não se resumiu a participações especiais. Em 2010, durante um dos períodos mais sombrios para a indústria nos Estados Unidos, ele levantou a voz. Quando havia uma ameaça real de censura sobre jogos considerados violentos e sua comercialização, Stan Lee se colocou ao lado dos jogos. O governo do estado da Califórnia, liderado pelo então governador Arnold Schwarzenegger, encarava a Entertainment Software Association nos tribunais e o resultado poderia mudar o destino de todo um segmento do entretenimento. E Stan Lee estava lá.

O homem que havia sobrevivido à perseguição anti-quadrinhos dos anos 50 e conviveu com o "selo de aprovação" nas capas de suas revistas por anos, publicou uma carta aberta contra a proposta de banimento e a favor do movimento ativista  Video Game Voters Network. É um registro histórico, que segue abaixo, na íntegra:

Prezada Video Game Voters Network,

Escrevo para incentivar os jogadores de todo o mundo a tomarem uma posição e defenderem tanto a Primeira Emenda como os direitos dos artistas de jogos de computador e de videojogos ao aderirem à VGVN (Video Game Voters Network). Minha memória sempre foi ruim e não está melhorando com a idade. Mas é boa o suficiente para lembrar uma época em que o governo estava tentando fazer com gibis o que alguns políticos querem fazer com videogames: censurá-los e proibir suas vendas. Foi uma má ideia há meio século e é uma ideia igualmente má agora. E você pode fazer algo sobre isso.

Eu criei o Homem-Aranha, o Homem de Ferro e o Hulk, os ancestrais virtuais dos personagens nos jogos de hoje. Na década de 1950, houve uma histeria nacional sobre o chamado "efeito perigoso" que as revistas em quadrinhos estavam tendo sobre a juventude de nossa nação.

Dizia-se que as revistas em quadrinhos contribuíam para a "delinquência juvenil". Um subcomitê do Senado investigou e decidiu que os EUA não podiam "arcar com o risco calculado de alimentar seus filhos, através de revistas em quadrinhos, uma dieta concentrada de crime, horror e violência". As revistas em quadrinhos foram queimadas. O Estado de Washington tornou crime vender gibis sem licença. E Los Angeles aprovou uma lei que dizia que era crime vender "quadrinhos do crime". Olhando para trás, o clamor foi – perdoe a expressão – cômico.

Quanto mais as coisas mudam, como dizem, mais elas permanecem as mesmas. Substitua videogames por histórias em quadrinhos e você terá uma repetição no século 21 sobre a loucura dos anos 50. Estados aprovaram leis que restringem a venda de videogames e no final deste ano a Suprema Corte vai ouvir um caso sobre uma dessas leis, esta passou na Califórnia. Por que isso importa? Porque se você restringir as vendas de videogames, estará desmembrando nossos direitos da Primeira Emenda à liberdade de expressão e abrindo as portas para restrições sobre livros e filmes.

A Suprema Corte deve considerar a lei inconstitucional, como os tribunais inferiores têm. Mas os políticos continuarão procurando maneiras de restringir os direitos dos jogadores e dos artistas de videogames e computadores, porque isso gera boas manchetes para dizer que estão "protegendo as crianças", mesmo que não estejam fazendo isso. Eles o fazem apesar do fato de que o setor já tem um notável sistema de classificação e todos os novos consoles têm controle dos pais – ambos ajudam a garantir que os pais controlem o que suas crianças jogam. Mas você pode ajudar a lutar contra os políticos.

O VGVN foi criado para que os jogadores expressem seus pontos de vista e digam aos líderes políticos que é tão ridículo se preocupar com videogames hoje quanto se preocupar com histórias em quadrinhos. Longe de ser perigoso, os videogames são cada vez mais poderosos contribuintes para o entretenimento, a economia, a educação e a sociedade de nossa nação.

Ao unir-se ao VGVN, você estará dizendo aos nossos líderes políticos que você se importa bastante com os jogos que você joga para usar sua voz e seu voto para ajudar aqueles que reconhecem as realidades e benefícios dos jogos e punir aqueles que tentam restringir seu acesso aos jogos e seus direitos. Por favor, junte-se e participe. Vai ser bom para a sua constituição.

Obrigado.

Stan Lee

Em junho de 2011, por sete votos a dois, a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou inconstitucional a proposta de lei do Estado da Califórnia: "o Ato não é compatível com a Primeira Emenda. Jogos eletrônicos estão qualificados para a proteção da Primeira Emenda. Como livros protegidos, peças, e filmes, eles comunicam ideias através de dispositivos literários familiares e características exclusivas ao seu meio".

Stan Lee estava certo. Excelsior!

Stan Lee

Stan Lee: 1922 – Eternamente

Ouvindo: Husker Du - Pink Turns to Blue

19 de novembro de 2018

Analisando: Freedom Fall

Segunda-feira, nova análise em vídeo no canal:

Neste conto de fadas às avessas, a princesa é a vilã, uma "doce" menina que entupiu o lugar de armadilhas mortais e desenhou mensagens por todas as paredes, estabelecendo um diálogo de grande humor negro.

Texto originalmente publicado em: http://blog.retinadesgastada.com.br/2013/07/jogando-freedom-fall.html

Ouvindo: Tomas Dvorak - Budoar

17 de novembro de 2018

Era Uma Vez no Oeste

Outlaws

Cowboys valentes e foras-da-lei voltaram à moda com o bem-sucedido Red Dead Redemption 2 da Rockstar Games. Enquanto o jogo não mostra sua cara suja nas terras do PC, um grupo de modders está interessado em revisitar um western muito mais charmoso: Outlaws.

O clássico da Lucas Arts está sendo adaptado para a Chrome Engine 4, utilizando recursos e elementos de Call of Juarez: Bound in Blood. O resultado não poderia estar mais distante do original:

Outlaws Return é o mais próximo de um resgate de um grande título que nós iremos ter e isso apenas enquanto os ferozes advogados da Disney não solicitarem o cancelamento do projeto. Para quem tem Call of Juarez: Bound in Blood, pode valer a conferida dos dois primeiros níveis já concluídos da adaptação.

Chame-me de saudosista, mas a arte gráfica retrô (até mesmo para os padrões de sua época) fazia parte do encanto original de Outlaws, complementado pelas cutscenes em animação 2D com linhas elegantes e estilizadas. Isso é algo que você não pode simplesmente substituir por mais polígonos e ambientes 3D. Definitivamente, a Lucas Arts não estava atrás de realismo fotográfico e usava a linguagem dos desenhos animados para contar uma saga bastante adulta.

Para quem nunca jogou o título original ou apenas sonha com um Red Dead Redemption no computador, é essencial conhecer essa pérola escondida: Outlaws está vendendo no Steam, com um desconto camarada pelos próximos dias.

Ouvindo: Kraftwerk - Kristallo

16 de novembro de 2018

(não) Jogando: Fluffy Horde

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(publicado originalmente no Gamerview)

Coelhinhos felpudos de olhinhos vermelhos que se reproduzem rapidamente são um dos maiores clichês da fofura, mas desde Monty Python e o Cálice Sagrado a gente sabe que as aparências enganam e que esses demônios de pelo macio podem devorar os desavisados. Fluffy Horde parte da premissa absurda da invasão de uma legião quase infinita de coelhos e entrega uma jogabilidade compatível com o nível de insanidade.

Ao longo de 100 exaustivos cenários, você terá que aprender que é dura a vida de um homem vestido de coelho nesse universo. E que princesas apenas querem se divertir.

Pela Horda… Não, Pera!

Fluffy Horde é fruto de uma salada multicultural: a desenvolvedora independente Turtle Juice é tecnicamente brasileira, mas conta com profissionais oriundos não só do Brasil como também da Síria, Ucrânia e Inglaterra. Essa mistura de influências está nítida na salada mista de gêneros que transborda no jogo. Temos pitadas de tower defense? Temos sim, senhor. Mas também estão presentes side-scrolling e principalmente puzzles, então não espere aquele jogo tradicional de posicionar unidades e esperar os inimigos virem.

Na prática, você será apresentado a 100 mapas extremamente curtos com desafios variados e sem qualquer sensação de continuidade que possa ser chamada de história. Algumas partidas podem ser encerradas literalmente em menos de um minuto. De qualquer forma, se você demorar mais de três minutos em alguma, é certo que os coelhos irão se multiplicar como, bem, como coelhos e você será derrotado.

Ora será necessário proteger uma área contra a horda felpuda, ora será necessário escoltar um personagem pelo cenário, ora será apenas necessário destruir todos os coelhos. Há um total de quatro chefes no jogo inteiro, para dar aquela apimentada na avalanche de mapas. Infelizmente, com poucas opções de unidades ou variações táticas do que você pode fazer, os cem mapas acabam cansando e o jogo não é recomendado para sessões longas.

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Quem espera um jogo de estratégia vai se decepcionar com Fluffy Horde. A vitória aqui não é obtida pela paciência ou administração firme de recursos, mas sim pela análise do que o mapa pede e o uso dos elementos que já estão espalhados. Na maioria dos casos, apenas uma abordagem exata pode levar à solução correta, o que aproxima o jogo dos quebra-cabeças. Isso é agravado pelo fato de suas mecânicas raramente serem explicadas a contento antes do início da partida, com novos e inusitados elementos sendo adicionados sem aviso. Tipo "como assim esses coelhos estão sendo multiplicados por dez quando passam por ali??".

O que temos aqui, então, é um título onde você provavelmente irá perder na primeira tentativa, apenas para entender como tudo funciona e decifrar o enigma para uma segunda investida. É a insanidade presente em sua atmosfera, aplicada em uma jogabilidade, que deixa o título mais próximo do inesperado de um The Gardens Between do que da tática ofensiva de um Mushroom Wars 2, para ficarmos em exemplos recentes.

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Temporada de Caça ao Coelho

Se a jogabilidade não é exatamente o que eu esperava, Fluffy Horde compensa pela simpatia. Usando uma arte em pixel caprichada, dá gosto de ver uma chuva de flechas pulverizando um tsunami de coelhos ou uma vaca recebendo uma chuva de leite que jorra de uma flor gigante (não faça perguntas, abrace o caos e aprecie). Quando catapultas estiverem jogando criaturinhas por todos os lados, sua princesa estiver sendo devorada viva e você for obrigado a repetir o mesmo nível pela décima vez, pelo menos você terá a certeza que será tudo bem desenhado, com aquele climão retrô que faz escorrer uma lágrima dos jogadores veteranos.

A arte se completa com uma dublagem (em inglês apenas) que também mira no humor, com uma princesa que teria vaga em um filme de patricinhas dos anos 90 e um ator fracassado vestido de coelho que sente orgulho em servir de isca. A música acompanha o tom de galhofa, embora dê nos nervos depois de um tempo. Mas quem foi que disse que você irá jogar Fluffy Horde por uma hora seguida?

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Para quem tem um amigo com o jogo na sua biblioteca, é possível preparar uma partida multiplayer, onde um de vocês assume o papel do xamã que comanda o exército dos coelhos e o outro controla a força dos humanos. Sem servidores externos, o modo depende de um dos lados se tornar o host, gerar um código e enviar esse código para o parceiro. É uma complicação que acabei não testando, na falta de conhecidos que também tivessem adquirido Fluffy Horde.

Entretanto, o resultado final é um jogo que vale a pena ser conhecido. Seja para quebrar a cabeça em alguns mapas, seja para relaxar depois da janta, em partidas rápidas e descompromissadas mas com risos garantidos. O preço de R$ 10 (ou R$ 8.50 no desconto de lançamento na Steam) também ajuda na decisão: mais barato que aqueles ovinhos de chocolate marotos com brinquedo dentro, com a vantagem de ter muito mais conteúdo e, certamente, muito mais surpresas.

Ouvindo: SEGA - Back 2 Back (Sonic Rush)

14 de novembro de 2018

Omnia Vincit Amor

Por dois anos, o alemão Jonas Manke trabalhou sozinho em seu sonho. O animador freelance tinha dez anos de experiência no mercado, trabalhando em títulos como State of Decay e filmes, mas queria algo mais. Queria criar um mundo.

OMNO é a soberba criação de sua mente e seu suor e o jogo agora está mais próximo da realidade do que nunca, com um Kickstarter bem-sucedido (mas ainda aberto a doações) e uma previsão de lançamento de setembro de 2019 no Steam.

Desenvolvido com a Unreal Engine, OMNO surpreende pelo design de suas criaturas e seu habitat, vasto e convidativo. Com uma jogabilidade que convida à exploração e promete muitos segredos e enigmas, é um título que chamou minha atenção e um mundo que eu gostaria de conhecer.

De acordo com Manke, todas as mecânicas estão completas e o mapa já está jogável, mas ainda faltam acertar os detalhes, adicionar elementos extras, criar mais personagens. Com sua meta no Kickstarter superada por longa margem e sua determinação, é praticamente certo que agora é apenas uma questão de tempo para se abrirem as portas de seu fascinante sonho.

Ouvindo: Oingo Boingo - Heard Somebody Cry

12 de novembro de 2018

Analisando: Fallout

Segunda-feira, nova análise em vídeo no canal:

O que era risível ou costumeiro em 1950, em Fallout, diante do horror do holocausto nuclear, recebe sua verdadeira face. Com o jogo é possível olhar para trás e ver quão cegos e ignorantes foram os donos do poder atômico, em seu otimismo irresponsável.

Texto originalmente publicado em: http://blog.retinadesgastada.com.br/2011/07/anos-dourados.html

Ouvindo: The Smiths - The boy with the thorn in his side

11 de novembro de 2018

Elon Musk: Filantropo, Milionário... Criador de Jogos?

Musk

Tony Stark da vida real ou Norman Osborn em potencial, gênio ou picareta, Elon Musk é uma das figuras mais conhecidas e controversas do mundo da tecnologia atualmente, seja por mandar um carro em direção à Marte, seja por fumar um cigarro de maconha ao vivo na internet ou comprar briga na Tailândia.

É claro que um indivíduo com tantas facetas deva ter algum lado que nem todos conhecem e uma parte de sua história de vida pouco divulgada é que Musk já trabalhou no desenvolvimento de jogos eletrônicos e pode-se dizer inclusive que sua imensa fortuna começou aí.

Aos 10 anos de idade, o jovem sul-africano foi levado aos Estados Unidos à passeio por seu pai, um engenheiro elétrico. A viagem cimentaria o fascínio do garoto pelos jogos: "eu lembro que foi uma experiência realmente incrível, porque todos os hotéis tinham fliperamas. Então, a primeira coisa que eu fazia, quando chegávamos a um novo hotel, era ir aos fliperamas". Essa descoberta despertou um interesse precoce por computação que nunca o abandonaria e ele se tornou um autodidata: "eu pensei que poderia fazer meus próprios jogos. Eu queria ver como os jogos funcionam. Eu queria criar um videogame. Isso é o que me levou a aprender como programar computadores".

Foram necessários apenas dois anos para ele, em 1983, fazer o seu primeiro negócio. Aos doze anos de idade, Elon Musk vendeu o código fonte do jogo Blastar para a revista de informática PC and Office Technology por quinhentos dólares, uma soma significativa para alguém da sua idade. Blastar acabaria sendo preservado para a posteridade por Tomas Lloret Llinares, um engenheiro de programa do Google, que converteu aquele código de décadas atrás para HTML 5. Hoje, é possível jogar Blastar diretamente do seu navegador.

Se passariam outros dez anos antes de Musk voltar ao mundo dos jogos. Em 1994, já morando nos Estados Unidos, o futuro magnata trabalhava de dia com ultra capacitores na Pinnacle Research Institute e de noite ainda fazia um bico como programador de baixo nível na desenvolvedora Rocket Science. Quem procurar com cuidado irá encontrar o nome de Elon Musk nos créditos de Cadillacs and Dinosaurs: The Second Cataclysm e Loadstar: The Legend of Tully Bodine, dois rail-shooters que usavam e abusavam de sequências em FMV para aproveitar a febre do armazenamento dos drives de CD-ROM e do Sega CD.

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Por uma dessas coincidências do destino, os três jogos apresentam temáticas que se tornariam marcantes na trajetória de Musk: espaço sideral, carangas possantes e um veículo rápido sobre trilhos. Entretanto o empreendedor largaria a indústria dos jogos pouco depois, para iniciar uma sucessão de negócios que o levariam mais longe e se manteria ligado ao passado apenas como um jogador fervoroso de títulos como Overwatch e Civilization.

Ouvindo: The Chemical Brothers - Don't Think| Out of Control | Setting Sun

10 de novembro de 2018

Turok Vive! (Mas Já?!)

Parece que outro ano mesmo Turok estava de volta aos quadrinhos e aqui está ele novamente.

Turok - Cover

Na verdade, a quinta encarnação do personagem histórico nos gibis aconteceu mesmo em 2017 e, ao que tudo indica, não foi para frente, pois ele está vindo para um novo reinício em Janeiro de 2019. Novo cenário, nova equipe criativa, nova origem, mas ele continua sendo um índio e continua enfrentando dinossauros.

Essa é a terceira investida da editora Dynamite Comics em quatro anos, de onde podemos concluir que eles não sabem muito bem o que fazer com a marca. Desta vez, o escritor veterano Ron Marz quer uma espécie de volta às tradições clássicas dos primeiros e distantes gibis de Turok e a história será ambientada nos anos 1880, quando o protagonista sai ao resgate de seu irmão Andar, capturado pelas forças da Cavalaria do invasor branco. Sua jornada irá levá-lo, junto de Andar, alguns soldados norte-americanos e até um caçador de recompensas no seu rastro, para uma terra desconhecida e misteriosa, esquecida pelo tempo e habitada por feras primitivas.

Marz já assinou vários personagens importantes no passado, como Lanterna Verde e Surfista Prateado, e promete uma saga que pode funcionar tanto como um ponto de partida para quem nunca leu uma história de Turok antes como também não descarta suas iterações anteriores. Ele garante que haverá boas surpresas para os leitores de longa data.

Turok 01Turok 02Turok 03

A arte dessa sexta encarnação de Turok ficou por conta de Roberto Castro, que já desenhou o último encontro entre Conan e Red Sonja, além de Flash Gordon e Vampirella. Obviamente, não há qualquer previsão para o lançamento dessa revista no Brasil.

Com tantos renascimentos de Turok nos quadrinhos nos últimos anos, volto a perguntar: onde está o seu retorno para os jogos eletrônicos?

Ouvindo: Faith No More - Smaller and Smaller

9 de novembro de 2018

Crônicas da Nemédia ou Um Guia de Conan Exiles Para Principiantes

Você começa o jogo pelado, com uma mão na frente e a outra atrás. Ou provavelmente não, porque a opção Sem Nudez é ativada por padrão, mas sabe-se lá no que você andou mexendo antes do jogo começar. Esse guia pretende tornar sua vida de exilado a mais tranquila possível, considerando que nove em cada dez seres vivos nesse jogo desejam sua morte.

É perfeitamente possível jogar Conan Exiles no modo Solo. Uma das vantagens é não precisar utilizar mais o recurso BattleEye, que é um sistema anti-trapaça obrigatório para quem irá jogar em servidores. Remover o BattleEye acelera um pouco o lento processo de carregamento do jogo. Você pode remover o BattleEye clicando com o botão direito do mouse no nome do jogo, em sua lista lateral na Biblioteca do Steam e escolhendo a opção Uninstall BattleEye. Se mudar de ideia e desejar testar a sorte no modo PvE ou PvP, o jogo oferece instantaneamente a chance de reinstalar o serviço.

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Agora que você está sozinho nesse mundão, é importante saber que você pode morrer de fome, sede ou ataques de inimigos.

A fome é relativamente fácil de combater nesse começo, desde que você não veja problema algum em comer insetos e larvas. Basta usar o botão de interação (normalmente E) em todo arbusto que encontrar pela frente e logo terá uma boa coleção de fibras vegetais, insetos e sementes. Se inseto não é sua praia, providencie logo uma fogueira, onde será possível adicionar as sementes e fazer uma sopinha bem básica.

Já que você fez uma fogueira, já pode cozinhar umas carnes. Evite comer carne crua. Cozinhar é rápido e evita o risco de intoxicação alimentar. Para tirar carne dos animais que você matar, desça o machado nos cadáveres até não sobrar nada. Pode ser uma picareta também e mais pra frente você terá facas especiais para resultados melhores e/ou mais rápidos.

Não há itens de cura ou regeneração automática nesse início do jogo, então comer e comer muito é sua forma de se curar. Mas não se entupa de alimento, seu bastardo glutão! Cada comida restaura sua vida por um intervalo de tempo, então espere acabar a restauração anterior antes de começar a próxima.

Sede é um problema grave e o um indicador amarelo vira um indicador vermelho muito rápido. Mas não se preocupe com o indicador vermelho, ele não irá durar muito tempo: você estará morto em segundos. Então, se estiver amarelo, corra para o rio mais próximo ou aprenda a fazer um cantil. Nesse início do jogo, é conveniente se manter próximo aos vários rios que o mapa oferece. Para beber água de um rio, basta entrar na água e apertar o botão de interação.

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Por último, temos combate como uma necessidade vital. Embora você até possa matar seus inimigos com o mesmo machado ou picareta que usa para coleta, uma arma dedicada é muito, muito mais eficiente. Conselhos válidos para qualquer jogo são essenciais aqui: evite lutar contra mais de um inimigo por vez, aprenda o momento de se esquivar, entenda as animações de ataque e as melhores formas de encadeá-las e não tenha vergonha de fugir. Se você tiver uma barra de fadiga cheia, conseguirá escapar de qualquer luta. O perigo é não saber para onde correr e terminar fugindo da frigideira para o fogo. No modo Solo, grandes inimigos são uma sentença de morte a menos que você esteja muito, muito bem equipado (ou com mods). Se uma criatura parece maior do que o normal, não encare.

Além de carne, os seus oponentes poderão render outros saques depois que você passar o machado ou qualquer outra ferramenta neles: ossos, couraça, cabeças. Guarde tudo, você nunca sabe o que irá precisar no futuro. Baús de madeira e armários serão fundamentais tão logo você aprenda a construir seu primeiro cafofo.

Tenha sempre um saco de dormir preparado. Ele é o seu ponto de ressurreição até você fabricar uma cama decente. Quando explorar um lugar novo e ameaçador, deixe um saco de dormir próximo. Em Conan Exiles, todos os seus itens ficam armazenados no seu cadáver em caso de morte e você terá que recuperá-los nu (ou de tanguinha), com metade da vida. É bem menos desagradável se você não precisar cruzar quilômetros nessas condições.

É possível desabilitar a perda de itens e ressuscitar com tudo equipado nas configurações de "servidor" do seu jogo solo. Embora essa limitação seja uma tradição de jogos de sobrevivência, Conan Exiles é assolado por um bug que pode tornar seu cadáver "invisível", impossibilitando o resgate do seu equipamento. Passei por essa situação três vezes antes de capitular. O corpo acaba reaparecendo depois que você reinicia o jogo por completo, mas é uma perda enorme de tempo e paciência.

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Se for alterar qualquer coisa nas configurações, atender o telefone ou ir ao banheiro, lembre-se de que o jogo não tem pausa, mesmo no modo Solo. Enquanto você está fazendo um sanduíche no mundo real, um crocodilo pode estar fazendo um sanduíche do seu personagem.

Nas configurações de servidor, eu também recomendo desabilitar a Hecatombe no modo solo. É uma mecânica interessante no papel, mas brutal na prática. Com a Hecatombe ativada, de tempos em tempos sua base sofrerá um ataque de forças hostis que vão tentar matar tudo que estiver lá e destruir suas construções até os alicerces. Em minha primeira e única Hecatombe fui forçado a encarar 8 invasores simultâneos, morri quatro vezes, ressuscitei em minha cama e os matei, mas não antes de eles destruírem o equivalente a uma hora de trabalho pesado de coleta de recursos.

De tempos em tempos acontece outro evento, uma tempestade de areia de proporções cataclísmicas que varre o mapa inteiro. Tente não ser pego no meio dela sem um abrigo. Na falta de uma construção ou cavernas, fique próximo a grandes rochas ou embaixo de arcos naturais para minimizar o dano recebido. Um ícone de "abrigo" aparece na tela se você estiver mais ou menos protegido.

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Golpes Rápidos

  • Ao contrário de muitos jogos de sobrevivência, o mapa é sempre o mesmo, não importa quantas vezes você reinicie o jogo.
  • Tudo no mapa tem respawn, incluindo inimigos humanos, criaturas, plantas e até rochas!
  • Esse mapa interativo pode ajudá-lo a localizar pontos interessantes.
  • Diferentes ferramentas podem extrair recursos diferentes do mesmo objeto. Experimente usar uma picareta em uma árvore.
  • Arcos não disparam sozinhos: você precisa arrastar e soltar as flechas para o mesmo slot onde o arco está para carregá-lo.
  • Você pode interagir com as paredes, portas e chão de sua casa usando a tecla de interação. É possível a partir daí deletar o objeto, se desejar.
  • Você não precisa jogar fora uma ferramenta ou arma quebrada. É possível repará-la, se você tiver os recursos necessários no seu inventário e é muito mais econômico do que fazer outra.
  • Existe um limite máximo de nível de 50. Ou seja, não será possível maximizar todos os seus atributos ou talentos, então escolha com cuidado que caminho de evolução quer seguir.
  • A barreira de energia que circunda a região é mortal. Basta um toque para matar.
  • O botão V habilita uma espécie de modo foto. A combinação Alt+Z desabilita a interface para captura de telas (um truque que eu claramente não sabia até agora).
Ouvindo: L7 - Bad Things

7 de novembro de 2018

Jogando: Thronebreaker: The Witcher Tales

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(publicado originalmente no Gamerview)

De imediato, quero deixar claro que não joguei até o final nenhum título da franquia The Witcher, embora tenha lido alguns livros. Pronto. Estou livre para esclarecer sua dúvida: Thronebreaker: The Witcher Tales se eleva em cima dos ombros de um universo já construído previamente ou se destaca por seus próprios méritos?

A resposta é que a CD Projekt Red tem literalmente nas mãos mais uma obra que vai sacudir o gênero ao qual pertence e que brilha, aliás, fulgura, em seu próprio trono. É um tributo a uma obra de fantasia, certamente, mas também é um sopro de vigor entre os card games.

Deus Salve a Rainha!

Em Thronebreaker: The Witcher Tales você assume o comando de Meve, Rainha dos reinos de Líria e Rívia, muitos anos antes da época de um certo Geralt. De personalidade forte, ela precisa tomar decisões duras e comandar as forças que possui contra as ameaças internas e externas que surgem em seu caminho, desde a ação de bandoleiros locais até a invasão em larga escala de um império inimigo, passando por confrontos com os monstros tão característicos da franquia. Entretanto, como já vimos anteriormente, nem todos os monstros tem formas assustadoras e o ser humano, principalmente aquele em quem você depositava sua confiança, pode se revelar o mais perigoso e traiçoeiro de todos.

A CD Projekt Red assume para si a tarefa de triunfar sobre um desafio quase impossível: como criar uma campanha sólida para um jogo de cartas? E a desenvolvedora polonesa consegue a façanha combinando uma narrativa épica que se escora em um texto rebuscado com uma dublagem impecável e um roteiro que apresenta todas as reviravoltas que você espera de uma corte medieval. Desenvolvido inicialmente como um modo de Gwent, Thronebreaker: The Witcher Tales ganhou peso e força para merecer um lançamento separado com dezenas de horas de conteúdo.

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No caminho de Meve irão aparecer diversos personagens carismáticos que poderão se juntar ou não ao seu grupo, incluindo alguns rostos e nomes que deverão ser familiares para os jogadores dos outros títulos do universo de The Witcher. Seus diálogos muito bem executados compensam a falta de uma animação em 3D desses encontros e eles transpiram personalidade. Mesmo em campo de batalha, frases soltas e interações deixam bastante claro quem está dizendo o quê e o jogador sente que está diante de algo mais do que estatísticas em um cartão ou uma arte detalhada.

A desenvolvedora acerta em cheio ao não tornar a história de Meve e sua luta em um simples pretexto para expor suas mecânicas de cartas ou tentar popularizar o Gwent no coração dos amantes de RPG. Há um clima de saga contada ao pé da lareira, de fato vivido, com a presença física de um narrador que nos conta em cada detalhe como foi essa jornada. As ações e, principalmente as decisões difíceis que a rainha irá tomar serão determinantes para que o jogador atinja um dos 20 finais possíveis após atravessar quase 75 missões diferentes.

Não Existe Mão Perfeita

Enquanto conduzimos Meve por esta ampla geografia  concebida décadas atrás por Andrzej Sapkowski, o jogo se comporta como um RPG isométrico convencional, onde é possível coletar recursos, conversar com NPCs e descobrir eventos. Quando ocorre a necessidade de uma batalha, ela é resolvida em uma disputa de cartas baseada nas regras do Gwent e o mesmo acontece com puzzles, que também são convertidos em um duelo com regras adaptadas.

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A curva de aprendizado inicial é cruel para quem não veio de Gwent, com as primeiras batalhas fáceis demais, onde o jogo basicamente conduz sua mão e lhe diz o que fazer, sem explicar muito das mecânicas subjacentes. A sutileza e a complexidade do jogo precisam ser aprendidas mesmo é nas derrotas que se sucedem, na base da tentativa e erro e na intuição do funcionamento de tantas regras que estão em constante conflito umas com as outras.

Para quem já jogou um card game anterior, seja o ancestral Magic the Gathering ou o mais recente Hearthstone, a lógica é a mesma: existem regras gerais, mas cada carta individualmente apresenta suas próprias exceções e a combinação de suas habilidades pode levar a uma vitória rápida ou a uma derrota árdua. A inteligência artificial de Thronebreaker cuida das minúcias automaticamente e em uma cascata de ações e reações na tela que pode parecer fulminante para os desavisados.

Para quem deseja curtir somente a história da jornada de Meve, o jogo traz a opção de pular as batalhas com uma vitória automática. Não é a melhor maneira de apreciar o magnífico trabalho gráfico de suas cartas, os efeitos de cada conflito, as falas pontuais dos personagens ou a euforia de finalmente entender como tudo se encaixa e obter um triunfo antes considerado inatingível. Ainda assim, é um ponto à favor da CD Projekt Red por compreender a diversidade de seu público e não deixar seu conto trancado atrás de uma barreira que pode ser enfadonha para alguns.

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A desenvolvedora polonesa poderia ter se dado por satisfeita com esse casamento entre o Gwent e uma história bem contada, mas ela vai além e claramente se diverte com as possibilidades de seu sistema de cartas. Demorei a entender que não existe a melhor forma de se jogar Thronebreaker ou o baralho “matador”, uma vez que os combates e os desafios colocados diante de Meve são propositalmente fora da caixa e que as ditas batalhas convencionais são a exceção aqui. O objetivo é obrigar o jogador a explorar seus limites, sair da sua zona de conforto, experimentar novas estratégias, até mesmo novas cartas.

Por cima disso, é acrescentada ainda uma camada estratégica, onde é possível gerenciar um acampamento, aprimorando a coleta de recursos, "fabricando" cartas adicionais, ajustando o baralho da melhor maneira possível para o imponderável logo à frente, evoluindo a própria rainha ou simplesmente sentar no barracão do rancho e conversar e conhecer melhor seus aliados mais importantes. Nem mesmo nesse canto do jogo a CD Projekt Red desperdiça a oportunidade de ampliar sua atmosfera.

Terra Desolada

Infelizmente, nem tudo são flores no caminho de Meve e não estou me referindo às guerras e às bestas: o próprio cenário, ainda que belo, relembrando uma ilustração de livro, não guarda muitas surpresas. Vagar por essas terras acaba se tornando repetitivo depois de um tempo, assim como a coleta quase mecânica de recursos, como ouro, madeira ou recrutas. O mapa não é tão aberto como parece ser a princípio, com várias áreas inatingíveis ou que só podem ser alcançadas por certas rotas. Além disso, carece de atividades que estimulem uma exploração maior, embora seja possível revisitar várias partes através do recurso de viagens rápidas.

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Entretanto, a impressão que fica é que Thronebreaker: The Witcher Tales poderia sobreviver sem um mapa a ser atravessado, até porque sua narrativa é linear. Não há quase nada para ser alterado nos cenários e, em muitos casos, as recompensas das missões opcionais não justificam o esforço empreendido.

A versão em Português do jogo peca em alguns erros de ortografia que não chegam a comprometer mas também não podem ser ignorados. Nada que uma correção não resolva mais tarde.

Mesmo com essas poucas falhas, é nítido que Thronebreaker: The Witcher Tales é mais um grande acerto de seus criadores e tem o potencial de ser um divisor de águas entre os card games, provando que, com talento e disposição, não existem desculpas para se fazer uma campanha atraente no gênero. Afinal, um baralhinho sempre combinou com um bom causo desde a era em que reis e rainhas decidiam destinos na ponta de espadas.

Ouvindo: Bigod 20 - Infidelity Groove

Retina Desgastada

Blog criado e mantido por C. Aquino

Outcast - A New Beginning