Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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17 de março de 2024

Eu Li: Clementine - Book Two

Clementine - Book Two

É possível corrigir o curso no meio da viagem? A cartunista e ilustradora Tillie Walden aparentemente sabe como. Não escondi de ninguém minha decepção com o primeiro capítulo dessa trilogia, em parte por não enxergar a necessidade de dar continuidade para a jornada de Clementine, tão brilhantemente finalizada em The Walking Dead: The Final Season. Porém, a outra parte de minha reclamação estava no ritmo que a autora colocava na narrativa, na sua clara inabilidade de compreender o universo ficcional da franquia, por mais que ela fosse capacitada em compreender a natureza humana e suas introspecções.

Pelo que pude apurar, não estava sozinho em minhas opiniões. Walden recebeu pesadas críticas, muitas dessas mais pesadas do que realmente podiam ser e motivadas por preconceitos diversos. Para surpresa de ninguém, a insatisfação se inflama na internet e se transforma em perseguição rancorosa. Porém, que sina poderia ter essa trilogia senão provocar desafetos? Estávamos saindo de uma mídia em que o consumidor tem pleno controle do rumo da narrativa, com infinitas Clementines customizadas ao gosto de cada jogador, e entrando em território em que uma única autora define o futuro da personagem que todos aprenderam a amar. Não tinha como Tillie Walden não criar mágoas.

Dito isso, é evidente que alguma parte das críticas realmente afetou a autora. É sensível a melhora no segundo capítulo de sua trama, ainda que boa parte do público provavelmente não irá dar uma segunda chance para o projeto. Ou teria eu superado o impacto inicial e aceitado que Clementine agora tem uma nova tutora, cuidando de seu crescimento?

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Clementine - Book Two nos apresenta a protagonista e suas amigas diante de um novo desafio e um novo cenário: se adaptar a uma comunidade de sobreviventes em uma ilha no meio do oceano. Os conflitos internos entre elas, tão marcantes no primeiro livro, foram amenizados. Esse segundo capítulo é mais focado nos problemas externos desta vez, ainda que o emocional siga marcando sua presença. Em outras palavras, há mais mistério, mais tragédia e mais ação do que no livro anterior, com uma gama maior de coadjuvantes em embates.

Por outro lado, a trama acaba caindo na fórmula apresentada em literalmente todos os jogos da franquia: protagonistas encontram um novo lugar para chamar de lar, vivem felizes por um curto espaço de tempo, descobrem que o paraíso tem seus assuntos mal resolvidos, o caos se instala, pessoas morrem.

Tillie Walden foi inteligente em seguir o grande esquema ou simplesmente se rendeu ao lugar comum? Felizmente, esse clichê é bem entregue. O momento em que você descobre que vai dar ruim (de novo) é assustador.

Clementine - Book Two 04

Walden deixa sua marca mesmo é nas relações humanas. Há diversos momentos de profunda sensibilidade na obra, mais marcantes do que a própria catástrofe. Se faz necessário construir personagens significativos para que suas mortes causem impacto e a autora entrega. Da mesma forma, Clementine aceita que a felicidade entre em seu coração e entende que esperar que o mundo fique seguro para amar é uma estratégia condenada ao fracasso. Se joga e vai, que é melhor. Não existe momento ideal para buscar o que se deseja. Da minha parte, se Clementine está feliz, eu estou feliz.

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Pela segunda vez, Walden envereda por um epílogo excessivamente longo após a narrativa atingir seu clímax óbvio. Porém, acerta ao consumar uma cena poética com Clementine.

Não imaginava escrever essas linhas, dois anos atrás, mas estou ansioso agora para ver como irá se concluir essa nova odisseia de minha menina.

Ouvindo: Xandria - Fire of Universe

15 de março de 2024

Dicas para Starsand ou Como Amar Seu Camelo

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Nem me recordo qual foi a última vez que publiquei dicas para algum jogo e não sei explicar o que me levou a me desenterrar da areia e fazer isso especificamente para Starsand, um titulo com apelo para uma fração minúscula de uma audiência igualmente pequena. Entretanto... vamos supor que o Google pode funcionar como uma bússola para os desamparados desse deserto.

O Melhor Amigo do Homem no Deserto

A chave para sobreviver em Starsand é conquistar o mapa, conhecê-lo como a palma da mão e calcular corretamente os recursos necessários entre cada viagem. O jogo fica imensamente mais fácil tão logo você dome um camelo. O animal oferece mobilidade muito mais rápida do que sua pernas, com muito menos cansaço. Para domar um camelo, tudo que você precisa é oferecer duas frutas para o animal. Será possível então nomeá-lo e manter a posse.

Infelizmente, o camelo é mais uma boca para se alimentar e ele só se alimenta de frutas (é um herbívoro, lembra?). Porém, com a mobilidade conquistada, será bastante fácil se locomover entre os diferentes oásis e coletar um bom estoque de frutas para manter vocês dois saciados. Um camelo faminto não apenas deixa de ser seu, como ele simplesmente desaparece, com todas as melhorias que você implementou nele (bolsas, sela e tendinha contra o Sol). Então, mantenha seu camelo alimentado.

É possível ter mais de um camelo ao mesmo tempo. Você irá montar em um deles e dar ordem para os outros te seguirem. É tentador ter uma caravana carregando seus muitos pertences, porém não recomendo. O único camelo confiável é aquele em que você está montado. Mandar seguir nem sempre funciona. Camelos perdidos desaparecem nas dunas.

Starsand, em seu terço final, vai separar você de seu camelo por um período de tempo que pode se estender por muitos dias. É possível deixar um estoque de frutas em um comedouro, mas é melhor se preparar para perder o animal e tudo que ele estiver carregando.

Dicas Avulsas

Fornalhas e fogueiras são lentas, estupidamente lentas. E elas geram um calor desconfortável. Minha recomendação é deixar para usar as duas estruturas na noite gélida do deserto, enquanto você derruba árvores próximas. É melhor do que simplesmente dormir.

Otimizar a noite é uma vantagem: os monstros aparecem e reaparecem depois de X dias, então faça essas 24 horas renderem.

Por razões óbvias, não derrube árvores frutíferas. Se você tem um bom estoque de odres de água (recomendo pelo menos 2), pode dispensar os cocos e derrubar os coqueiros. O mesmo vale para as tamareiras. Palmeiras são liberadas para derrubar.

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Easter-egg da equipe de desenvolvimento

Uma vez que o espaço de inventário é limitado, carregue sempre toras e folhagens. Se houver necessidade, largue uma tora no chão e converta em galhos. Se houver necessidade, largue folhagens, converta em fibras, que serão convertidas em cordas.

Construir uma casa não é obrigatório de forma alguma. Estabelecer uma rede de cabanas em oásis e ruínas é uma mão na roda para poder salvar quando quiser.

Colecionar besouros é completamente opcional e não contribui em nada para vencer o jogo. Sim, é possível vencer Starsand.

Todas as armadilhas são opcionais. As lacraias gigantes se escondem na terra, mas não surgem em pedras ou na água. Use esses terrenos para fugir, ganhar fôlego e atacar de longe, sempre de longe. Lanças são melhores que flechas, tenha pelo menos cinco delas. De ferro, de preferência.

Existe um bug conhecido no jogo, quando um vasilhame de água se esvazia, ele pode nunca mais ser enchido. Não é a regra, mas eu vi acontecer. Se acontecer com você, carregue o último jogo salvo, porque não tem volta.

Existe uma wiki. Está bastante incompleta, mas pode ajudar.

Existem mods. Não testei nenhum, mas é importante saber que é possível modificar aspectos do jogo.

Não tenha vergonha de escolher o uso da bússola ao começar um novo jogo. Caso contrário, a única forma de se orientar será posicionando ponteiros físicos  no mundo e esses ponteiros são sempre destruídos na primeira tempestade de areia (se ficar perdidaço, consulte o mapa completo).

Reta Final

Tudo que você planejou anteriormente é inútil na reta final. Se você construiu uma base, você vai passar um período muito longo longe dela. Se você estocou itens, você vai passar sem eles. Se você tinha um camelo, ele provavelmente vai se cansar de esperar sua volta.

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Itens essenciais para levar na mochila na reta final: pólvora, água, comida e broto de folha (aquela erva de formato "jamaicano" que tem no jogo). Transporte o máximo que conseguir tão logo você tenha que fazer um pulo gigante (você vai entender o momento, mas não estou falando do pulo no escuro dentro da pirâmide). Não está preparado ainda? Não pule. Volte. Estoque esses itens em sua mochila e avance.

Nas cavernas, cuidado onde pisa...

Não é necessário destruir os ovos. Na verdade, é tentar o suicídio, mas vai em frente se quiser desbloquear uma Conquista.

Depois que você vencer o chefe final, tome muito cuidado no retorno. Em um certo corredor, pode estar acumulada uma quantidade surreal de monstros. Salve antes, salve sempre, vá devagar, recue se necessário.

Ouvindo: REM - Losing My Religion (live)

13 de março de 2024

Jogando: Nightingale (Primeiras Impressões)

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(publicado originalmente no Gamerview)

O mercado dos jogos eletrônicos é bastante competitivo. Dados do SteamDB apontam que mais de 14 mil títulos foram lançados no Steam, em 2023. Desse total, 1256 foram jogos de sobrevivência. É matar ou morrer, é uma briga de foice em que as desenvolvedoras tem poucas chances de se destacar na multidão. E, se você está achando que já leu essa abertura em algum lugar, é porque eu estou repetindo parte do parágrafo inicial de minha prévia de Serum.

Não vou pedir desculpas pelo truque, porque ele é fundamental para apontar qual é a grande diferença de Nightingale (esse jogo tão difícil de soletrar…). O fato é que o título desenvolvido pela Inflexion Games é uma explosão de criatividade. Se todos os títulos de sobrevivência são extremamente parecidos em suas mecânicas, é o contexto que os separa e Nightingale tem a audácia de misturar estética steampunk com cenários alienígenas e elementos folclóricos dos povos saxônicos. Parabéns a todos os envolvidos, esse era um jogo que eu já queria explorar desde sua concepção e cuja entrega não me decepcionou.

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Shakespeare Ficaria Orgulhoso

Em Nightingale, somos um "dimensioneiro", um viajante entre diferentes realidades tentando retornar ao que sobrou da Terra. Em algum ponto da Era Vitoriana, a raça humana descobriu os portais, descobriu os povos das fadas e saiu por aí em uma tentativa óbvia de colonizar novos mundos. Infelizmente, esbarramos na Névoa, uma força sombria que tudo consome. A civilização foi dispersa e reza a lenda que Nightingale é o nome do último refúgio, a última cidade humana. É para lá que o jogador deve ir, saltando entre múltiplas dimensões, sendo guiado por uma figura enigmática batizada de Puck, o mesmo nome do elfo brincalhão do clássico "Sonho de uma Noite de Verão", de William Shakespeare.

Não estamos falando aqui dos elfos "tolkienianos", de orelhas pontudas, mestres no arco, elegantes e nobres. O jogo revisita os mitos que serviram de inspiração para Tolkien, em sua forma original, com uma pitada de teatralidade. O povo das fadas, o povo faérico, tem uma relação ancestral com o Homem e ruínas de sua glória emergem por toda parte, repletas de deslumbramento e perguntas. Fazer acordos com os faéricos sempre traz um risco, mas há perigos maiores entre as dimensões.

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A Inflexion Games cria um contexto complexo, repleto de enigmas, mas também repleto de histórias paralelas e explicações em um códex que ajudam a entender a vastidão que se apresenta. Nightingale não é apenas um jogo vasto em termos de espaço físico, mas também um jogo vasto em termos de imaginação, e não seria incorreto afirmar que seus desenvolvedores criaram não um mundo, mas um universo inteiro de mundos.

Mochilando em Nightingale

Para tentar compreender como as viagens funcionam, o melhor paralelo acaba sendo No Man's Sky. Nightingale tem infinitas dimensões, geradas proceduralmente. Cada uma delas é uma ilha de proporções gigantescas, com diferentes biomas que você pode escolher ao configurar o portal de transição. É como viajar entre planetas, extrair seus recursos, construir estruturas e deixar para trás uma rede de caminhos (felizmente, viagem rápida entre seus refúgios é uma opção para o jogador).

Meu senso de exploração passou por uma overdose sensorial com a quantidade de segredos para decifrar em um único mundo. A possibilidade de que eles sejam infinitos é quase aterradora. Vencer os variados desafios de ruínas desbloqueia novas receitas de equipamentos ou itens de construção, o que adiciona um elemento de prêmio aleatório à experiência.

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A necessidade de avançar na campanha para escrever a prévia me impediu de fazer uma varredura total na região. São naufrágios, prédios incompreensíveis, ossadas de criaturas colossais, masmorras… até mesmo pequenos elementos adicionam mistério ao jogo, sejam estátuas que choram ou uma entidade fantasmagórica da altura de um prédio de dois andares passando pela mata.

O combate em Nightingale é suave e fácil de dominar, mesmo no começo, quando suas armas são feitas de pedra. Dominar a esquiva e o ataque à distância solucionaram todos os conflitos para mim. É evidente que o jogo não quer ser desafiador nesse sentido, porém, tampouco me senti passeando pelo cenário. Vislumbrei uma boa variedade de criaturas, hostis ou não, assim como uma boa variedade de inimigos macabros.

É nas mecânicas de sobrevivência e fabricação de itens que o jogo acaba derrapando com um pouco mais de força. O fluxo de itens em Nightingale é longo e complicado: fabrique o recurso X na bancada 1, leve o recurso X para a bancada 2 para produzir o item Y, para completar o trabalho na bancada 3. Há um excesso de bancadas e receitas, até mais do que encontrei em Conan Exiles, que já parecia cansativo de vez em quando. Além disso, o menor traço de fome já reduz a vida máxima do personagem, que precisa comer de dez em dez minutos. Da mesma forma, o menor traço de cansaço já reduz a estamina máxima, o que pode ser letal em combates.

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Colírio Para Minhas Retinas

Visualmente, Nightingale é quase impecável. Seu único pecado seria o fato de ser exigente em termos de recursos da máquina. A otimização poderia ser muito melhor e me vi obrigado a reduzir diversos parâmetros para evitar engasgos. Ainda assim, no modo Balanceado do DLSS, o jogo é belo, dolorosamente belo, como não via em um jogo de sobrevivência havia muito tempo. A trilha sonora sutil, mas marcante, completa a experiência de imersão.

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Evidentemente, há muita coisa técnica para ser melhorada no jogo. Ele está merecidamente em Acesso Antecipado, não se trata de uma obra acabada. Um bug me obrigou a literalmente recomeçar o tutorial com outro personagem. Outro bug removia os ícones dos itens em minha barra de acesso rápido. Não sei se compreendi erroneamente a função de minha Recruta ou se ela simplesmente sumia com os itens que eu dava para ela carregar. Passei por um travamento feio que forçou o reboot do PC.

Porém, em sua proposta, Nightingale é um sonho que se torna realidade: um convite para regiões mágicas infinitas, com um Norte possível, com estilo único e a promessa de aventuras inimagináveis.

Ouvindo: Solar Fields - Sol

9 de março de 2024

Jogando: Starsand

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Desde tempos bíblicos, a imensidão dos desertos e seu Sol escaldante povoam o imaginário como um desafio intransponível. É de se estranhar que existam tão poucos jogos de sobrevivência ambientados em um dos cenários mais infernais conhecidos pelo homem e tantos jogos do mesmo gênero ambientados na boa e velha floresta tradicional, repleta de riachos e abundante de recursos. O fato é que o mar de dunas é tão desesperador em sua amplitude e ausência de marcos que o jogador médio tende a olhar para aquilo e afirmar que "não tem nada". Pois é. O ponto alto alto de Starsand é justamente esse: o vazio, quilômetros e quilômetros de areia em todas as direções.

O título da Tunnel Vision nos coloca no lugar de um corredor de maratona, que disputava uma prova através do deserto. Parece uma premissa insana, mas é real: existe uma corrida que se estende por múltiplos dias, atravessa 250km e cruza parte do Saara. Infelizmente, no jogo, a situação piora: após, uma tempestade de areia avassaladora, o protagonista se perde completamente. Entretanto, nada está tão ruim que não possa piorar outra vez. Além de perdido no meio das dunas, nosso protagonista descobre também que existem duas luas no céu noturno. Não estamos mais na Terra.

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A partir daí, Starsand se torna um título de múltiplas camadas. É necessário sobreviver ao calor insuportável do dia, aguentar o frio da noite, se manter hidratado e saciar a fome. Porém, também é necessário decifrar esse enigma, explorar ruínas de uma antiga civilização, erguer estruturas que ajudam a aumentar as chances de sobrevivência e tentar encontrar um caminho de volta para casa. E então os monstros surgem.

Há perigos e ameaças em Starsand, mas nada realmente supera a sensação de escolher uma direção e caminhar para o horizonte homogêneo, sem saber se irá encontrar a próxima fonte de água, sombra ou comida. Para muitos, esses momentos podem parecer tediosos. É areia atrás de areia atrás de areia, sobe duna, desce duna, nada acontece... exceto a angústia, exceto o Sol queimando e sua vida indo embora por insolação.

Eram os Deuses Astronautas

Em cima de todo esse trama de sobreviver em ambiente tão hostil, a Tunnel Vision insere uma narrativa de ficção científica. Nas ruínas espalhadas pelo mapa, descobrimos artefatos que nos contam a trágica história desse mundo, sobre o povo que aqui vivia, sobre a vinda das criaturas que consumiram tudo e sobre a chegada de salvadores das estrelas. Testemunhamos a ascensão e a queda de uma civilização, que saiu de uma sociedade tribal e ergueu prédios monumentais, até sucumbir diante de uma ameaça igualmente colossal.

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Para um Explorador como eu, foi bastante recompensador emergir no topo de uma duna e visualizar uma nova ruína próxima, absorver os detalhes e encontrar uma nova peça do quebra-cabeça. Starsand ainda apresenta puzzles que implementam muito bem as mecânicas de sobrevivência: para passar de determinado ponto, você precisa construir determinado item e, para construir o tal item, você precisa encontrar o diagrama e os recursos necessários. Outros enigmas exigem um pouco mais de massa cinzenta ou um pouco mais de habilidade para saltar ou lutar.

Infelizmente, a magia de Starsand se desfaz em dois pontos. O primeiro deles é um ponto quase obrigatório em todo jogo de sobrevivência, aquele momento em que o jogador finalmente domina seu ambiente. Com um camelo domesticado, as distâncias encurtam bastante. Com todos os marcos mapeados, o território se torna familiar. Com a vestimenta certa, frio e calor se tornam irrelevantes. Conhecendo a localização de todas as fontes de água e comida, sobreviver fica fácil.

Se essa evolução é natural, a Tunnel Vision abusa da amizade no último terço do jogo. Uma nova área é desbloqueada e ela foge do tema desértico. Somos apresentados a um labirinto de ravinas e cânions que exigem pulos arriscados para ser cruzado. Um jogo que antes era de sobrevivência primitiva agora adiciona tecnologia avançada e elementos de ação e plataforma. As novidades seriam mais agradáveis se o ritmo do jogo não nos obrigasse a passar muitas e muitas horas nesse região garimpando recursos rigorosamente contados para a batalha final.

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Outro pequeno defeito do jogo é ter um único ponto de salvamento. É perfeitamente possível que o jogador condene a si mesmo, salvando em uma situação sem saída. Mais de uma vez, temi ter feito isso, apenas para conseguir contornar a enrascada por um fio.

Starsand tem uma conclusão, que entra de cabeça na ficção científica. Não tenho absoluta certeza de que curti o resultado final de uma jornada de 27 horas, mas certamente curti a travessia desse deserto.

Ouvindo: PJ Harvey - The Mountain

6 de março de 2024

Na Faixa: Small Radios Big Televisions

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Contra a vontade de seu criador, a produtora WarnerBrothers Discovery decidiu remover o jogo Small Radios Big Televisions de todas as lojas digitais. Por enquanto, o título ainda está disponível no Steam, porém esse cenário pode se alterar nos próximos dias.

Por vontade própria, a desenvolvedora liberou o download do jogo em seu site oficial. Não precisa registro, não precisa de nada. É só baixar o zipadão e instalar.

Small Radios Big Televisions é uma experiência sensorial única, ainda que curta, que vale a pena ser desfrutada.

Ouvindo: Epoxies - You Kill Me

4 de março de 2024

Jogando: Pacific Drive

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(publicado originalmente no Gamerview)

Em apenas duas vezes um jogo me deslumbrou com efeitos de tempestade. A primeira vez aconteceu com o distante Battlefield 4, talvez um pioneiro nesse nível de realismo. A segunda vez foi dias atrás, com Pacific Drive. Eu estava com meu carro entrando em uma região que nunca tinha ido antes, com alerta de tormenta. Era assustador. O vento rugia e levava chuva em diagonal. Fragmentos de folhas e galhos passavam na frente do meu para-brisa. Parecia o começo de um furacão. Eu estava genuinamente com medo, dentro do jogo, mas também fora dele.

Infelizmente, aquela grande quantidade de partículas se movendo ao mesmo tempo podia levar ao sacrifício de minha máquina. Não meu carro, mas meu PC, que liberava um vento de tépido para tórrido em minhas pernas. Seria Pacific Drive o jogo que causaria danos irreversíveis ao meu hardware? É lamentável, mas este é um excelente título, com proposta primorosa, prejudicado pela sina da péssima otimização.

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Queimando Óleo

Em minha prévia do jogo, comentei sobre o superaquecimento da GPU e suspeitei que pudesse haver problemas de otimização. Ainda que as falhas fossem insinuadas na versão de avaliação, não havia constatado nada grave que pudesse manchar a excelente primeira impressão do título. Infelizmente, um contato bem mais duradouro com a versão final me mostrou que a obra da Ironwood Studios tem falhas muito preocupantes.

Em toda minha trajetória pelo Gamerview (e até onde minha memória alcança, antes disso), Pacific Drive foi o primeiro título que não apenas travou, mas provocou uma reinicialização completa do computador. Ao retornar à vida, a BIOS do PC alertou que houve um superaquecimento da CPU. Isso acendeu uma luz de alerta em meu painel mental. Para um jogo que gira em torno de uma máquina sendo castigada por fenômenos inexplicáveis, a experiência foi longe demais. Com a ajuda de um software, monitorei picos de temperatura de 85º na GPU e 100ºC na CPU. Eu poderia ferver água em cima do processador.

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Obviamente, é o tópico principal em minha avaliação do jogo. Ninguém em sã consciência quer expor sua configuração ao risco de dano físico. Cada sessão de Pacific Drive a partir daquele susto foi marcada pela sensação real de estar brincando com o perigo. Cada tempestade repleta de partículas, cada efeito atmosférico mais intenso, cada brilho elétrico emergindo da Zona de Exclusão provocava um sobressalto em meu peito, diante da possibilidade de ser a fagulha que iria matar meu processador.

Obviamente, também, é o tipo de problema que pode e deve ser corrigido com uma atualização. Talvez, isso já tenha sido corrigido na versão de lançamento (recebi o jogo quase vinte dias antes). Por um lado, torço para que essa ameaça seja removida e desejo retornar para essa estrada. Por outro lado, Pacific Drive também tem problemas que estão profundamente enraizados em seu design.

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O Ciclo de Pacific Drive

Ainda em minha análise preliminar, eu afirmei que era difícil encaixar o jogo dentro de um gênero em específico. Durante minha segunda jornada, tive a epifania: estamos diante de um "extraction shooter", sem balas, mas com um carro. Em um "extraction shooter", o jogador entra em território de alta periculosidade atrás de recursos e tenta sair com o que puder, antes que seja tarde demais (vide The Cycle). O limite é sua ganância. Quanto mais tempo se permanece no território, maiores as chances de morrer e perder tudo.

E esse é o loop de Pacific Drive. Você pega seu carro, dirige até outro ponto da Zona de Exclusão. O mapa, seus recursos e ameaças são gerados proceduralmente. Você dirige um pouco, desce do carro, saqueia, volta pro carro, dirige mais um pouco. Anomalias de todo tipo ou as próprias condições da estrada vão desgastando seu carro. É necessário saber a hora de ativar a saída, que sempre é uma fuga alucinada com a realidade colapsando ao seu redor. Você volta para a garagem, melhora (ou, mais frequentemente, só conserta) seu carro, e parte outra vez. Repete.

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É o núcleo do jogo e é um núcleo bem repetitivo depois de algumas horas. Você vai ver os mesmos prédios, os mesmos laboratórios, as mesmas anomalias, executar as mesmas tarefas de novo e de novo.

A diferença estaria na história, na campanha que promete revelar os segredos da Zona de Exclusão e do veículo que você comanda. Ou, devo dizer, o veículo que te comanda… Infelizmente, a trama é vítima da regra limitante de salvamento do jogo: o único ponto em que se salva é na garagem, nunca na estrada.

O que nos leva ao "Grande Filtro". Uma dada missão logo no começo do jogo nos obriga a atravessar três regiões inteiras antes de ser concluída. É uma tarefa complexa, árdua. Principalmente porque você vai parar a todo tempo para recolher recursos para manter seu carro funcionando. Cada região leva entre 20 a 30 minutos para ser atravessada (vai depender do seu nível de "rato coletor"). Uma vez que você cumpra tudo que o jogo pede para ser feito, é hora de retornar para a garagem. Lembra que eu disse que a saída é sempre uma fuga alucinada? Cinco vezes eu consegui cumprir tudo que me era pedido, cinco vezes eu fracassei justamente na fuga praticamente impossível. Perdi de cinco a seis horas tentando vencer a mesma missão, a sanha de avançar o enredo.

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É insano que o jogo não permita salvar entre uma região e outra. Eu entendo que salvar dentro da região pode ser abusado por quem vai sempre tentar o melhor loot, mas não entendo por que o jogo não permite um salvamento automático ou manual no momento em que você troca de região. Forçar o jogador a completar de 60 a 90 minutos de sessão sem conseguir salvar é ignorar as necessidades do mundo real. Forçar o jogador a completar de 60 a 90 minutos de sessão, quando os momentos com maior chance de fracasso são justamente os cinco minutos finais, é brutal.

A Estrada Perdida

Com graves problemas de superaquecimento e um sistema de salvamento comprometedor, por que eu não conseguia largar Pacific Drive? Por que, mesmo agora, escrevendo essas linhas, dando essa nota baixa, meus instintos me dizem para voltar, para ligar o jogo, para fazer roleta russa com o processador, para jogar só mais uma região, só mais uma voltinha? Porque essa é a magia que a Ironwood destilou: um universo cativante, lotado de perguntas que minha mente deseja desvendar.

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Quando a tempestade rugia e eu temia o pior para minha CPU, eu me senti sem fôlego. Eu me senti ali, em uma estrada perdida de uma zona além da compreensão, um território onde a presença humana e a lógica não tem espaço. Eu e meu carro (e eu nem gosto de (e eu nem gosto de carro na vida real!). É o chamado do desconhecido. É uma atmosfera exótica que captura e tenta de todas as formas transcender seus defeitos. O calhambeque está na garagem agora… mas até quando?

Ouvindo: Tav Falco's Panther Burns - Jungle Rock

24 de fevereiro de 2024

Jogando: Rise of Insanity

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Coincidência ou não, acabei jogando dois jogos com "insanidade" no título. Enquanto em Wall of Insanity os problemas eram resolvidos na bala, Rise of Insanity é uma daquelas experiências em que você apenas ocupa o assento do carona em uma jornada sem freio para a desgraça. Felizmente ou infelizmente, essa é uma experiência curta, que consegui concluir em menos de duas horas (e estará totalmente documentada no canal do Retina Desgastada no YouTube em breve).

O jogo da Red Limb Studio é extremamente similar a Layers of Fear, lançado dois anos antes. As semelhanças acabam depondo contra Rise of Insanity. Se você curtiu Layers of Fear, vai encontrar as mesmas mecânicas aqui, com interatividade mínima, os mesmos tipos de sustos, os mesmos ambientes se distorcendo enquanto seu protagonista mergulha em direção à completa loucura. É como uma versão condensada e menos brilhante daquele. Em contrapartida, se você não curtiu Layers of Fear, não há nada em Rise of Insanity que valha a pena ser descoberto.

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Talvez por sua curtíssima duração, a reviravolta da trama se torna bastante óbvia logo nos minutos iniciais. Essa perspectiva enfraquece o impacto de muitos sustos, o que pode ser uma vantagem para quem, como eu, ainda guarda cicatrizes de jogos de horror mais perturbadores, mas deseja retornar ao gênero em seu próprio ritmo.

Apesar de ser bastante derivativo, seria injusto dizer que Rise of Insanity é ruim. Em sua proposta, ele é muito bem executado, bem acima de várias produções amadoras em seu mercado. Os gráficos dão conta do recado, gerando vários momentos plasticamente belos ou intrigantes. Além disso, a trilha sonora envolve (ainda que não seja marcante), a história cumpre seu papel e há um ou dois puzzles que podem exigir um pouco mais de massa cinzenta.

Ouvindo: Beatallica - Helvester Of Skelter

Retina Desgastada

Blog criado e mantido por C. Aquino

Wall of Insanity