Retina Desgastada
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4 de março de 2024

Jogando: Pacific Drive

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(publicado originalmente no Gamerview)

Em apenas duas vezes um jogo me deslumbrou com efeitos de tempestade. A primeira vez aconteceu com o distante Battlefield 4, talvez um pioneiro nesse nível de realismo. A segunda vez foi dias atrás, com Pacific Drive. Eu estava com meu carro entrando em uma região que nunca tinha ido antes, com alerta de tormenta. Era assustador. O vento rugia e levava chuva em diagonal. Fragmentos de folhas e galhos passavam na frente do meu para-brisa. Parecia o começo de um furacão. Eu estava genuinamente com medo, dentro do jogo, mas também fora dele.

Infelizmente, aquela grande quantidade de partículas se movendo ao mesmo tempo podia levar ao sacrifício de minha máquina. Não meu carro, mas meu PC, que liberava um vento de tépido para tórrido em minhas pernas. Seria Pacific Drive o jogo que causaria danos irreversíveis ao meu hardware? É lamentável, mas este é um excelente título, com proposta primorosa, prejudicado pela sina da péssima otimização.

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Queimando Óleo

Em minha prévia do jogo, comentei sobre o superaquecimento da GPU e suspeitei que pudesse haver problemas de otimização. Ainda que as falhas fossem insinuadas na versão de avaliação, não havia constatado nada grave que pudesse manchar a excelente primeira impressão do título. Infelizmente, um contato bem mais duradouro com a versão final me mostrou que a obra da Ironwood Studios tem falhas muito preocupantes.

Em toda minha trajetória pelo Gamerview (e até onde minha memória alcança, antes disso), Pacific Drive foi o primeiro título que não apenas travou, mas provocou uma reinicialização completa do computador. Ao retornar à vida, a BIOS do PC alertou que houve um superaquecimento da CPU. Isso acendeu uma luz de alerta em meu painel mental. Para um jogo que gira em torno de uma máquina sendo castigada por fenômenos inexplicáveis, a experiência foi longe demais. Com a ajuda de um software, monitorei picos de temperatura de 85º na GPU e 100ºC na CPU. Eu poderia ferver água em cima do processador.

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Obviamente, é o tópico principal em minha avaliação do jogo. Ninguém em sã consciência quer expor sua configuração ao risco de dano físico. Cada sessão de Pacific Drive a partir daquele susto foi marcada pela sensação real de estar brincando com o perigo. Cada tempestade repleta de partículas, cada efeito atmosférico mais intenso, cada brilho elétrico emergindo da Zona de Exclusão provocava um sobressalto em meu peito, diante da possibilidade de ser a fagulha que iria matar meu processador.

Obviamente, também, é o tipo de problema que pode e deve ser corrigido com uma atualização. Talvez, isso já tenha sido corrigido na versão de lançamento (recebi o jogo quase vinte dias antes). Por um lado, torço para que essa ameaça seja removida e desejo retornar para essa estrada. Por outro lado, Pacific Drive também tem problemas que estão profundamente enraizados em seu design.

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O Ciclo de Pacific Drive

Ainda em minha análise preliminar, eu afirmei que era difícil encaixar o jogo dentro de um gênero em específico. Durante minha segunda jornada, tive a epifania: estamos diante de um "extraction shooter", sem balas, mas com um carro. Em um "extraction shooter", o jogador entra em território de alta periculosidade atrás de recursos e tenta sair com o que puder, antes que seja tarde demais (vide The Cycle). O limite é sua ganância. Quanto mais tempo se permanece no território, maiores as chances de morrer e perder tudo.

E esse é o loop de Pacific Drive. Você pega seu carro, dirige até outro ponto da Zona de Exclusão. O mapa, seus recursos e ameaças são gerados proceduralmente. Você dirige um pouco, desce do carro, saqueia, volta pro carro, dirige mais um pouco. Anomalias de todo tipo ou as próprias condições da estrada vão desgastando seu carro. É necessário saber a hora de ativar a saída, que sempre é uma fuga alucinada com a realidade colapsando ao seu redor. Você volta para a garagem, melhora (ou, mais frequentemente, só conserta) seu carro, e parte outra vez. Repete.

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É o núcleo do jogo e é um núcleo bem repetitivo depois de algumas horas. Você vai ver os mesmos prédios, os mesmos laboratórios, as mesmas anomalias, executar as mesmas tarefas de novo e de novo.

A diferença estaria na história, na campanha que promete revelar os segredos da Zona de Exclusão e do veículo que você comanda. Ou, devo dizer, o veículo que te comanda… Infelizmente, a trama é vítima da regra limitante de salvamento do jogo: o único ponto em que se salva é na garagem, nunca na estrada.

O que nos leva ao "Grande Filtro". Uma dada missão logo no começo do jogo nos obriga a atravessar três regiões inteiras antes de ser concluída. É uma tarefa complexa, árdua. Principalmente porque você vai parar a todo tempo para recolher recursos para manter seu carro funcionando. Cada região leva entre 20 a 30 minutos para ser atravessada (vai depender do seu nível de "rato coletor"). Uma vez que você cumpra tudo que o jogo pede para ser feito, é hora de retornar para a garagem. Lembra que eu disse que a saída é sempre uma fuga alucinada? Cinco vezes eu consegui cumprir tudo que me era pedido, cinco vezes eu fracassei justamente na fuga praticamente impossível. Perdi de cinco a seis horas tentando vencer a mesma missão, a sanha de avançar o enredo.

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É insano que o jogo não permita salvar entre uma região e outra. Eu entendo que salvar dentro da região pode ser abusado por quem vai sempre tentar o melhor loot, mas não entendo por que o jogo não permite um salvamento automático ou manual no momento em que você troca de região. Forçar o jogador a completar de 60 a 90 minutos de sessão sem conseguir salvar é ignorar as necessidades do mundo real. Forçar o jogador a completar de 60 a 90 minutos de sessão, quando os momentos com maior chance de fracasso são justamente os cinco minutos finais, é brutal.

A Estrada Perdida

Com graves problemas de superaquecimento e um sistema de salvamento comprometedor, por que eu não conseguia largar Pacific Drive? Por que, mesmo agora, escrevendo essas linhas, dando essa nota baixa, meus instintos me dizem para voltar, para ligar o jogo, para fazer roleta russa com o processador, para jogar só mais uma região, só mais uma voltinha? Porque essa é a magia que a Ironwood destilou: um universo cativante, lotado de perguntas que minha mente deseja desvendar.

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Quando a tempestade rugia e eu temia o pior para minha CPU, eu me senti sem fôlego. Eu me senti ali, em uma estrada perdida de uma zona além da compreensão, um território onde a presença humana e a lógica não tem espaço. Eu e meu carro (e eu nem gosto de (e eu nem gosto de carro na vida real!). É o chamado do desconhecido. É uma atmosfera exótica que captura e tenta de todas as formas transcender seus defeitos. O calhambeque está na garagem agora… mas até quando?

Ouvindo: Tav Falco's Panther Burns - Jungle Rock

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