Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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10 de outubro de 2021

História Sem Pé Nem Cabeça

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Meu primeiro contato com Star Wars foi em uma sessão no colégio. Na ausência de uma professora, a direção improvisou todos os alunos na sala de vídeo com o VHS que eles tinham à mão. Era O Retorno de Jedi. Eu estava literalmente embarcando no final da saga. Como, até aquela idade, eu tinha permanecido incólume ao maior fenômeno da cultura pop do começo dos anos 80, é um mistério que minhas memórias não respondem. Ainda assim, o encanto foi instantâneo, mesmo sem conhecer nenhum daqueles personagens. Para mim, era fato dado que Darth Vader era pai de Luke Skywalker, não passei por qualquer revelação. Mesmo os deslocados Ewoks, para mim, faziam parte do cânone e parte desse deslumbre.

É importante ressaltar, entretanto, que corrigi minhas lacunas nos anos seguintes, assistindo a todos os filmes da trilogia na ordem correta. Essa trilogia marcante que, felizmente, nunca teve qualquer tipo de continuação ou derivado que pudesse potencialmente furtar o poder perene de seu núcleo narrativo.

Brincadeiras à parte, a verdade é que qualquer geração de entusiastas de ficção-científica hoje pode assistir a todos os filmes de Star Wars na ordem que quiser. Eles estão disponíveis em diferentes mídias, em diferentes serviços. O mesmo vale para o chamado Universo Cinematográfico da Marvel. Saindo do cinema, podemos mencionar o Senhor dos Anéis, cujos livros costumam vender em coleção fechada com os três volumes, ou toda a saga Duna, também fácil de achar em livrarias. Entrando no mundo dos jogos, quem tiver fôlego pode acompanhar todo o lore de Assassin's Creed e costurar as partes que se passam entre um parkour e outro. Ou acompanhar a ascensão e queda do Herói Sem Nome, desde sua origem humilde no primeiro Gothic até seu patético segundo plano em ArcaniA.

Todos esses universos, independente de suas qualidades textuais, tem uma espinha narrativa. Impérios surgem e são destruídos, heróis evoluem, conquistas são atingidas, derrotas são sofridas. Nós, leitores, espectadores, jogadores, somos convidados a viver essa vida paralela, sentir, vibrar, sofrer, tomar decisões, compartilhar a jornada. Faz parte da experiência.

Não em Destiny 2.

Amnésia Seletiva

Estava avaliando a possibilidade de jogar (e, consequentemente, ME jogar) em Destiny 2 desde que o jogo passou a ser gratuito. No mesmo período, estava absorto na impressionante atmosfera de Warframe. Na superfície, o título da Digital Extremes parece ser somente uma fantasia de poder ninjas futuristas em um cenário genérico. Entretanto, Warframe se abre como uma flor radiante quando você menos espera e se mostra uma narrativa de ficção-científica de qualidade inacreditável. O que foi feito ali em termos de enredo associado a jogabilidade é algo ímpar, uma reversão de expectativa tão bem executada que os jogadores veteranos guardam esse segredo a sete chaves. Não deixe que te contem sobre o Segundo Sonho. Jogue o Segundo Sonho.

Esse choque em Warframe rompeu preconceitos que eu tinha anteriormente com Destiny 2. Seria então o jogo da Bungie outro pungente universo de ficção-científica vasto aguardando minha mente indócil? O fato de haver uma gigantesca esfera alienígena flutuando sobre a Terra era um indicativo de que havia uma preocupação com seu lore. Seria Destiny 2 o próximo vício meu e de meu filho, entre um inevitável retorno a Warframe e outro? Imaginava que sim. Diante da possibilidade de centenas de horas dedicadas a Destiny 2, seguia adiando o momento de dar o primeiro passo.

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Essa semana, porém, descobri uma verdade aterradora sobre Destiny 2: é impossível acompanhar sua história. Ela não existe mais. Não apenas porque o primeiro Destiny nunca foi portado para PC. Eu estava ciente disso, mas acreditava que a continuação preencheria essa ausência de alguma forma, assim como não precisei do primeiro Guild Wars para apreciar Guild Wars 2.

Entretanto, Destiny 2 é pior. Muito pior. Por algum motivo que desafia a lógica, a Bungie removeu todas as campanhas iniciais do jogo. É impossível entender como tudo chegou até ali. O jogador novato que entrar em Destiny 2 agora será arremessado direto no meio de um conflito, sem entender patavinas do que está vendo, como eu em O Retorno de Jedi, porém sem qualquer possibilidade de correr atrás do que foi perdido.

O objetivo da Bungie talvez seja reduzir a quantidade de conteúdo gratuito disponível, uma tática extrema de empurrar os jogadores para expansões pagas. Soa como desprezo por sua própria jornada, um descaso com o trabalho de roteiristas que se esforçaram para construir um alicerce sobre o qual o conteúdo atual foi construído.

Estratégias similares são praticadas em toda a indústria, mas nunca de forma tão grosseira. Em Guild Wars 2, determinados eventos são únicos em seu mundo dinâmico e podem levar anos para serem repetidos. Porém, sua jornada pessoal segue intacta: é seu passaporte para investir emocionalmente nesse mundo, um tutorial gigante, se assim desejar. O mesmo se estabelece em Warframe, onde determinadas operações são incorporadas ao conteúdo opcional do jogo ou simplesmente ficam na geladeira. Porém, em Warframe, sua origem, suas provações, tudo aquilo que te apresenta para o universo, permanece acessível para todos os jogadores de forma gratuita.

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Destiny 2 não preserva seu próprio passado. Paisagens inteiras agora estão inacessíveis. Planetas que podiam ser visitados antes agora estão trancados. Algumas missões opcionais ou, melhor dizendo, algumas missões de grinding permanecem. Porém, todas as missões de história dos primeiros dois anos de Destiny 2 sumiram como poeira de estrelas. Essa restrição vale inclusive para os jogadores mais antigos, que efetivamente pagaram por esse conteúdo no lançamento.

Se a própria Bungie reduz sua grande criação (já que Halo não lhes pertence mais) a uma troca de tiros e a busca incessante por equipamentos melhores, por que eu deveria me importar?

Se uma empresa, em nome de uma possível lucratividade, corta na carne o que torna seu universo singular, por que eu deveria me importar?

Ouvindo: Screamer 2 - Track 03

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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