Retina Desgastada
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28 de julho de 2018

Jogando: Contagion

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O apocalipse zumbi é um fenômeno cultural desde que George Romero inventou as regras do gênero em 1968, no seminal A Noite dos Mortos-Vivos. A brutalidade das criaturas sem emoção, o choque de enfrentar entes queridos, a lei do cão que coloca os vivos contra os vivos, os instintos de sobrevivência à flor da pele e a constante luta por um momento de sossego. Esse momento de sossego pode ser um santuário ou uma fuga, a ilusão de normalidade em um planeta que não nos pertence mais.

O que me leva à pergunta: por quê um pai arrastaria seu filho para um cenário desses?

Porque os zumbis são um fenômeno cultural, o novo Judas pendurado no poste, o inimigo que pode ser destroçado sem questionamentos ou pena, o inimigo sem ambiguidades ou conflitos morais. O único inimigo da ficção que temos certeza (ou 99% de certeza) de que não irá emergir no mundo real, que não passa de uma brincadeira, seja um convite ao arrepio na série Resident Evil ou uma grande farra na franquia Dead Rising.

Há anos, meu filho observava de longe minhas andanças por Killing Floor, Dead Island, Left 4 Dead, a distância segura para sua idade, sem envolvimentos maiores. Chegando aos onze anos, acreditei que seria um bom momento tanto para satisfazer aquela curiosidade inata como também abrir o leque das experiência compartilhadas.

Mas não iria simplesmente largá-lo solto no fim do mundo, com criaturas putrefatas em seus calcanhares. E Contagion parecia a melhor escolha: uma travessia em tela dividida, uma aventura a dois para tranquilizar os nervos e buscar a vitória.

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Contagion é um título quase amador em sua execução e ambicioso em sua proposta: apresentar o levante dos mortos longe do glamour do herói devastador que trucida legiões, sem o exagero das criaturas especiais, sem o ritmo frenético de outros títulos. Apenas vastos mapas a serem explorados, poucas pistas do que fazer e uma horda que pressiona constantemente. Como se tivesse vergonha de ser um jogo de ação e ousasse ser um jogo de sobrevivência.

O amadorismo de seus criadores aparece em bugs aqui e ali ou no incrivelmente longo período de carregamento dos mapas. Alguns zumbis encaram a parede, outros escalam o nada bem na minha frente, como se houvesse uma escada invisível que apenas eles podem ver. Armas largadas podem desaparecer sugadas por algum vórtex dimensional. A ausência de qualquer tipo de tutorial também incomoda no inicio. Não há uma tentativa de enredo, além de pedaços de universo espalhados sem muito critério. Não há cutscenes. São poucos os modelos de criaturas e elas acabam por se tornar repetitivas.

Entretanto, se falta polimento em Contagion, sobra atmosfera. Os cenários não são apenas habilmente construídos, mas também detalhadamente desconstruídos. Os efeitos do apocalipse são palpáveis, há cenas de violência por toda parte, reflexos de uma tentativa de resistência antes de você chegar e a sensação de derrocada da Humanidade é plena em todos os cantos. Não há como negar que a imersão é o maior trunfo do jogo, algo que mal se percebe na correria de um Left 4 Dead ou na celebração da violência de um Killing Floor. Contagion não tenta passar medo e sustos não existem, mas o desespero permeia nossa jornada.

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Existem diferentes modos de jogo em Contagion e, embora tenhamos experimentado todos, foi Escape que, ironicamente, nos prendeu. É um modo onde somos jogados em um mapa de proporções colossais e precisamos cumprir objetivos até obter o tão desejado resgate, a escapatória desse pesadelo urbano. Mensagens que chegam pelo celular dos personagens informam o que precisa ser feito: seja encontrar uma chave, ligar um gerador ou cortar as correntes que travam uma porta. Alguns objetivos podem variar de uma partida para outra, mas os mapas tem basicamente a mesma sequência de tarefas, com itens espalhados aleatoriamente pelo cenário, assim como os zumbis.

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Colaborando como um time, avançando palmo a palmo, cobrindo a retaguarda um do outro, nos especializando nessa ou naquela arma favorita, progredimos em diferentes mapas. E morremos. E morremos. E morremos. Porque Contagion é um título que não está ali para divertir, mas para oferecer um gosto do cansaço, um gosto da impossibilidade de sobreviver nas condições apresentadas. Frustrado e prevendo o pedido para que o jogo fosse removido, busquei uma solução na internet e encontrei na forma de um mod que torna mais fácil as partidas locais. E, ainda assim, sofremos até o primeiro triunfo, o primeiro resgate no telhado de um prédio, depois de uma hora e vinte de partida onde os zumbis poderiam virar a maré a qualquer instante com um ataque inesperado de horda.

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Contagion é o oposto do casual nesse modo: mesmo conhecendo praticamente todo o mapa, sabendo dos pontos mais perigosos, correndo para realizar as tarefas, uma partida não dura menos que 50 minutos. Voltei em uma sala infestada de gases tóxicos para trucidar zumbis e resgatar meu filho encurralado, terminei um mapa sozinho e lamentando sua morte, morri por um erro meu apenas para ver o garoto falhar logo depois sem a mesma confiança sozinho. Foram muitos os momentos de sufoco, de recuos estratégicos, de granadas arremessadas com precisão cirúrgica, de ataques silenciosos calculados, de gritos de alegria para cada kit médico encontrado. Mas cada vitória proporcionava um sentimento ímpar de realização coletiva, uma explosão de júbilo ecoando no quarto.

Completamos o último mapa depois de três tentativas anteriores que haviam culminado em fracasso. Por decisão unânime, optamos por não jogar os mapas de Escape que são totalmente ambientados em lugares fechados. O sistema de proteção de portas e janelas com tábuas de madeira parece algo ineficaz e o mapa não tem aquela mesma tensão suave de explorar uma cidade assolada. A claustrofobia cobra um preço pesado demais para nós demais e pulamos esses mapas. O modo Extraction, que também permite exploração, mas exige que você resgate NPCs em diferentes situações, é ainda mais demorado e também optamos por não seguir esse caminho. Flatline é um modo experimental contra ondas de zumbis infinitas e carece de movimento. Panic transforma um dos jogadores em zumbi enquanto os demais precisam sobreviver e talvez seja divertido em um grupo grande, mas não em dupla.

Entre uma vitória (ou derrota) e outra, jogávamos Hunted, onde pai e filho se caçavam em mapas um pouco menores, com zumbis no meio. Para nivelar as habilidades (e o fato do botão de recarregamento de arma do controle não estar funcionando), eu tinha uma limitação de quais armas poderia utilizar enquanto o guri poderia usar o que quisesse. Em um destes embates, obtive a conquista de acertar um jogador a mais de 150 metros de distância com um rifle sniper, o que rapidamente levou à proibição desse tipo de arma para mim...

Mais de trinta horas depois, chegou o dia de nós dois deixarmos Contagion para trás. Não sem antes uma partida de despedida onde meu filho poderia testar o controle novo e finalmente recarregar suas próprias armas sem depender de passá-las para mim e receber de volta. E, mesmo com o mod ativado, mesmo em um mapa que já conhecíamos e já tínhamos vencido, a derrota nos atingiu no final. Tombei cercado por um número enorme de criaturas que me impedia os movimentos. Meu filho habilmente conduziu a horda escada acima, reduzindo seu número a golpes de machado, já sem munição. Com apenas três mortos-vivos e um fiapo de vida entre ele e uma possível vitória, Contagiou sorriu pela última vez e mostrou que o apocalipse zumbi não é para ser subestimado. Perdemos.

Ouvindo: MadWorld - Ride!!

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