Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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26 de julho de 2018

A História do WASD

wasd

(publicado originalmente no Código Fonte)

Se você joga no computador, é quase certo que as teclas W, A, S e D do seu teclado estão gastas nesse momento. Pode olhar para baixo, se duvida do que eu estou dizendo.

A combinação de quatro teclas que controla por padrão o movimento de personagens em ambientes 3D está provavelmente mais entranhada no cérebro dos usuários que a tradicional postura de datilografia e perde apenas para o bom e velho Ctrl + Alt + Del em termos de popularidade.

Mas nem sempre foi assim.

Para entender como o WASD se tornaria praticamente universal, precisamos retornar um pouco no tempo.

No Princípio Eram as Setas

Antes da popularização do mouse na computação pessoal, a única forma de mover um cursor pela tela era através do teclado. É por esse motivo que até hoje os teclados ainda possuem as teclas de setas, apontando para baixo, para cima, para esquerda e para a direita.

Mesmo entre os primeiros computadores pessoais não havia exatamente uma unanimidade sobre as teclas de setas. Alguns Commodores iniciais tinham apenas duas setas e a tecla SHIFT mudava o eixo de direção. A forma do T invertido para as quatro setas só se tornaria um padrão a partir de 1982, com o lendário teclado LK201.

Enquanto isso, Steve Jobs, sempre Steve Jobs, pensava fora da caixa e decidiu extirpar as teclas de setas do Apple Macintosh para forçar o uso do mouse. O objetivo era romper paradigmas, condicionar o usuário a fazer as coisas do jeito Apple e, claro, vender mouses. A iniciativa pode ter ajudado a popularizar o mouse, mas Jobs acabou recuando e edições posteriores do seu computador pessoal passaram a incluir também as teclas de setas.

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Entretanto, Jobs estava certo e era apenas uma questão de tempo para o mouse enterrar as setas para sempre…

A Ascensão do Rato

Na medida em que avançava a computação pessoal nos lares, avançavam também os jogos eletrônicos criados para essa plataforma. Sua interface evoluía, assim como seus comandos.

Embora os primeiros títulos utilizassem as setas do teclado, coube a um jogo de Macintosh o mérito de explorar o potencial do mouse na mão direita. Com um teclado que não tinha as setas direcionais e a mão esquerda em desuso, Dark Castle, lançado em 1986 para a plataforma, utilizava a combinação WASD para movimentação.

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Entretanto, seu pioneirismo ainda demoraria uma década para conquistar aceitação. Mesmo títulos seminais para o gênero FPS, que exige um controle preciso de movimentação em um ambiente tridimensional, como Wolfenstein 3D (1992) e Doom (1993), ignoravam o mouse em detrimento do uso das teclas direcionais.

Enquanto esse último conquistava uma popularidade sem precedentes nos computadores pessoais, a vasta maioria dos jogadores movia seus personagens e seu campo de visão em apenas dois eixos, para frente e para trás, para a esquerda e para direita, usando as setas. A mão esquerda comandava escolha de armas e disparo de tiros e pouco além disso.

A própria limitação dos seus motores gráficos primordiais tornava fácil ignorar o mouse, um acessório que já havia se tornado quase universal no uso de PCs, mas não fez parte desse início dos jogos de tiro. Sem precisar mirar para baixo ou para cima, sem o eixo de Z sendo importante no cenário do jogo, as teclas eram suficientes.

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Mas uma nova geração de jogadores estava descobrindo uma funcionalidade matadora para o mouse: agilidade na resposta. Para quem dominava o uso do periférico nas partidas multiplayer de Doom, era a diferença entre matar e morrer. Com o mouse, eram possíveis movimentos muito mais rápidos e precisos, bastava se adaptar.

A Lenda de  Dennis "Thresh" Fong

O nome de  Dennis Fong pode não significar muita coisa para os jogadores de hoje em dia, mas no meio dos anos 90 ele era o Pelé da emergente cena dos esports, quando o termo nem mesmo havia sido cunhado ainda. Mais conhecido como "Thresh", o jogador fez História como um dos mais mortíferos em Quake, a ponto de ganhar uma Ferrari vermelha como prêmio diretamente das mãos de ninguém menos que John Carmack, fundador da id Software e um dos criadores do jogo.

Mas antes de tudo isso acontecer, aquele que viria a se tornar "Thresh" estava tomando uma surra em Doom do próprio irmão Lyle. Embora os dois fossem extremamente competitivos e suas habilidades fossem equilibradas, nos corredores de Marte, o irmão da lenda levava a melhor por conta de um diferencial: ele usava o mouse. Em 1993, Dennis Fong tomou a decisão de adotar a mesma estratégia e aquilo mudaria tudo na indústria.

Thresh_at_Comdex_in_1997

Em entrevista para a PC Gamer, que sustenta que ele foi fundamental para a adoção do WASD, Fong se gaba: "logo depois que eu fiz a troca, minha habilidade melhorou exponencialmente. Basicamente, a partir de então, eu nunca perdi".

E onde ficava a mão esquerda de "Thresh"? Inicialmente, ele lutou para encontrar a posição que julgava mais adequada. Tentou WADX, sem sucesso. Até que parou em WASD.

Ele não era o único experimentando. Crossfire tinha tentado ESDF e IJKL no distante ano de 1981. Em 1994, o FPS System Shock empregava o ASDX. DCAS era popular entre os jogadores de Marathon, no Macintosh, no mesmo ano. Fong revelou ter conhecido um jogador que usava ZXCV. Qualquer um destes combos poderia ter se tornado o padrão.

Entretanto, quando "Thresh" emergiu vitorioso contra "Entropy", em 1997, no antológico campeonato Red Annihilation de Quake, quem acompanhava a cena competitiva queria saber qual configuração ele usava, quais eram suas estratégias. Para muitos, sua influência determinaria a tendência que viria a seguir.

WASD Triunfa!

Fong se tornaria popular também dentro dos corredores da id Software, criadora de Wolfenstein 3D, Doom e Quake. Embora os jogos anteriores não tivessem o mouse como controle padrão de fábrica, isso mudaria com Quake 2. Mesmo que a continuação do clássico não adotasse ainda o WASD como a norma, "Thresh" seria determinante e batizaria uma configuração presente no jogo que ativaria automaticamente essa opção de controle: era o arquivo thresh.cfg.

Paralelamente, outras empresas de jogos estavam começando a adotar as mesma combinação de teclas como uma opção dentro de seus títulos, com ou sem a inspiração de Dennis Fong. Como se pode dizer, a WASD tinha "pegado".

Das fileiras da id Software e da cena modder de Quake surgiria a gigante Valve, a primeira desenvolvedora a tornar o WASD padrão em um jogo de tiro: o divisor de águas Half-Life se instalava em 1998 com suporte a essas teclas e o jogador não precisava configurar mais nada, se não quisesse. Um mês depois, Starsiege Tribes adotaria as mesma configuração e, no ano seguinte, seria a vez de Quake 3. Tínhamos um padrão na indústria.

half-life

Vinte anos depois, é difícil imaginar outra combinação melhor e fica a impressão de que sempre foi assim. Mas é tudo uma questão de costume.

Nem mesmo dentro do teto da Valve o padrão é aclamado: ninguém menos que Gabe Newell, fundador da empresa, revelou para a PC Gamer que sempre mapeia seus jogos para ESDF. Para uma parcela significativa de jogadores, a combinação até faz mais sentido, porque se aproxima da posição natural dos dedos na postura clássica de digitação. Já Dario Casali, criador de níveis daquele primeiro Half-Life lá atrás, se sente confortável usando ASXC (sim, uma sequência desalinhada), embora reconheça que soa estranho para todo mundo.

Para os demais jogadores de PC, WASD sempre irá entregar seu hobby:

wasd-meme

CHEFE: Você joga no escritório? EU: Não, nunca.

Ouvindo: Nine Inch Nails - Something I Can Never Have (live)

2 comentários:

Nulagem disse...

Muito interessante o texto, parabéns.

C. Aquino disse...

Já leu a história da mítica Ferrari vermelha? Eu tinha esquecido de colocar o link antes: http://blog.retinadesgastada.com.br/2011/09/gemind-ferrari-vermelha-de-carmack.html

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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