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11 de abril de 2021

MOR-TAL KOM-BAT!

mortal-kombat-2021

Com a proximidade da nova adaptação cinematográfica de Mortal Kombat, cresce a expectativa dos fãs. Nos anos 90, Paul W. S. Anderson fez o que pode ser considerado seu único filme razoavelmente bom, ao capturar a essência de um jogo que era basicamente pancadaria e levar isso para as telas com o mínimo de respeito (ainda que com orçamento baixo). Nos anos seguintes, o mesmo diretor veria seu orçamento subir na razão inversa de seu respeito pelo material original.

Quase trinta anos depois, o lore de Mortal Kombat se tornou muito mais rico do que era no passado. Se você reunir as cutscenes dos últimos dois jogos, teremos longa-metragens muito mais interessantes do que 95% das adaptações que Hollywood entrega. Esse aprofundamento da franquia resolve metade do trabalho dos roteiristas de um novo filme, bastando fazer um recorte do que já foi feito e transpondo os conflitos épicos dos jogos para as telas. Será necessário um tipo muito especial de falta de talento para perder essa janela de oportunidade.

Não que se espere a melhor adaptação cinematográfica já feita com esse novo filme de Mortal Kombat. Ainda que isso seja possível. O filme original manteve esse título por anos, apesar de seus inúmeros defeitos. O caminho já está aberto.

Estragaram a Música

Porém, Hollywood tem uma quase maldição de estragar o que já estava praticamente garantido. Se, por um lado, o novo filme reconhece que a música tema original se tornou uma espécie de símbolo cultural, a necessidade de "atualização" da faixa se provou um erro catastrófico.

Benjamin Wallfisch, compositor de SHAZAM, se juntou com o produtor musical Tom Norris (responsável por trabalhos consagrados com Lady Gaga e Skrillex) para lançar uma nova versão de "Techno Syndrome". Apesar de serem artistas de talento incontestável em seus respectivos universos, é evidente, pelo menos para mim, que eles não entenderam a faixa original.

Remasterizada, com o áudio retrabalhado e as batidas modificadas, "Techno Syndrome" se torna palatável para uma pista de dança e ganha uma atmosfera mais ritmada. Em troca, ela perde justamente aquilo que a fazia o hino involuntário de Mortal Kombat: sua fúria. Se antes era impossível ouvir a faixa e não sentir a adrenalina subindo, a nova versão dá, na melhor das hipóteses, vontade de bater o pezinho. Com boa vontade, seria possível se jogar na pista com o som, mas sem nenhum espírito maligno da violência se infiltrando em nossos ouvidos.

Tecnicamente, o resultado final pode ser considerado impecável. Os dois maestros entendem de seu ofício. Porém, não entendem de Mortal Kombat.

Ironicamente, o trailer tarja vermelha do filme contém, no seu final, alguns acordes de uma versão muito superior de "Techno Syndrome", que faz jus ao legado da franquia. Buscar uma abordagem mais grandiloquente para a música deveria ter sido o caminho mais adequado, até mesmo com orquestra. Porém, os produtores preferiram buscar um som pasteurizado, inofensivo para se ouvir no sistema de som de um supermercado.

Acharam o Cara que Grita

Um dos pontos altos da faixa original é o homem gritando a plenos pulmões "MOR-TAL KOM-BAT" como se sua vida dependesse disso. A música também contém falas dos jogos (e do filme, em algumas versões). Porém, o grito não foi tirado do jogo, mas de um comercial lançado no ano anterior.

Apesar de Mortal Kombat já ser um sucesso nos arcades, em 1993 a produtora Acclaim levou o jogo simultaneamente para o NES, Sega Genesis, Game Boy e Game Gear, no que ficou conhecido como o "Mortal Kombat Day". Coisas do marketing. Para destacar esse momento, a produtora encomendou um comercial para a TV, em que uma multidão invade a cidade querendo o jogo, alguns deles simplesmente berrando o nome para os céus.

Aos 54 segundos do comercial, Kyle Wyatt dá o grito que o colocaria na cultura pop. Décadas se passaram e o site Slate conseguiu localizar o responsável, recuperar essa história e entrevistá-lo.

Wyatt tinha acabado de se mudar para Nova York para perseguir uma carreira de ator. O comercial foi um de seus primeiros trabalhos e ele fazia parte de uma multidão de figurantes, contratados sem muito critério. Ninguém sabia exatamente o que estava gravando, era mais um trabalho como muitos outros que ele se lembra de ter feito nesse início.

Kyle WyattSim, fizemos no centro de Wall Street. Fomos até lá e começamos a receber instruções desse cara. E ele começou a nos colocar em grupos e dizer: "Quando eu grito‘ Três, dois, um ’, você corre e grita e dobra a esquina." E então eu acho que em um ponto várias pessoas foram retiradas para fazer parte do grupo principal. Eu era um desses caras, e o cara disse: “Ei, cara, quando você resolver esse negócio aqui, todo mundo vai meio que girar em volta de você e você gritar do alto de seus pulmões, 'Mortal Kombat! ”E eu fiz isso várias vezes. Não sei quantas vezes ouvimos “Voltar para um. Voltar para um”, o que significa voltar para a posição um para as reinicializações. E ele disse: “Ei, venha aqui, venha aqui. Eu quero te fazer uma pergunta." E eu estou pensando naquele momento, tipo, Oh, sim, ele está se interessando por mim. Ele provavelmente vai me colocar na câmera. Vou ter um pouco de tempo de cena aqui. E ele diz: “Eu quero que você apenas grite isso com toda a sua força, como se estivesse convocando os demônios mais sombrios do seu corpo”. E eu fiz essa tomada, e é a que me lembro. Acho que fizemos isso três ou quatro vezes, mas a que eles mostram foi a que eu fiz melhor.

O som foi captado ali mesmo, sem cabine de som, sem estúdio. O grito seria ajustado depois para entrar na música, mas originalmente é o grito gutural de Wyatt. Ele não fazia a menor ideia do que "Mortal Kombat" significava e ainda assim fez o melhor trabalho possível.

Demorou mais de um ano para ele perceber o que tinha feito. Na época, era um frila, um trabalho de uma tarde, receber o pagamento e partir pra outro, emendando um trampo no próximo para pagar o aluguel. Ele não recebe royalties pelo uso do berro. Hoje ele se arrepende, mas não havia como saber o rumo que aquele trabalho rápido teria.

Hoje, Kyle Wyatt tem 52 anos e três filhos, um com 13 anos, outro com 12 e um menor com 5 e todos acham o máximo que seu pai seja a voz por trás do berro. Eles contam vantagem com os amigos: "esse aí é o meu pai".

No final da entrevista pelo telefone, o repórter pede para que Wyatt repita o grito. Ele faz. Infelizmente, nós leitores não podemos ouvir, mas o jornalista garante que o ator ainda tem o fôlego do passado.

Ouvindo: Manowar - Lady Marmelade

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