Retina Desgastada
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1 de junho de 2023

Jogando: Far Cry 4

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Quem em sã consciência poderia imaginar que a franquia Far Cry se tornaria a série de jogos FPS a qual eu mais me dedicaria? Talvez o camarada @RaptorHawk que deu o pontapé inicial nessa jornada, me presenteando com um pacotão que incluía os três primeiros títulos (mais Blood Dragon). Ele é o culpado. De todos os jogos da marca já lançados, os únicos que ainda não experimentei são o sexto e o derivado Blood Dragon. De todos os jogos da marca já experimentados, o único que jamais terminarei é o primeiro Far Cry.

Agora que passei o atestado duvidoso de "especialista" na franquia, posso afirmar com certa propriedade que Far Cry 4 é, de longe, o mais fraco que passou por mim. Seria um sinal de cansaço de minha parte? Se foi cansaço, porque completei a campanha principal, fiz fortuna, acumulei armas e dediquei 32 horas a Kyrat e suas rusgas?

O Que Eu Estou Fazendo Aqui?

Talvez eu seja um jogador atípico da série, alguém que busca (talvez erroneamente) algum sentido na carnificina perpetrada por nossos protagonistas. Ainda não estou certo se a Ubisoft busca uma exaltação da violência em seus cenários ou se realiza uma crítica sutil aos ímpetos de seus jogadores. Em Far Cry 2, controlamos uma figura controversa que pode ou não sofrer de uma crise de identidade. Em Far Cry 3, nosso "herói" é um jovem ocidental deslumbrado que se empolga um pouco demais com a euforia de se tornar o guerreiro de um povo com tradições primitivas. Em Far Cry Primal (o melhor de todos, em minha humilde opinião), acompanhamos o nascimento da raça humana em um ambiente selvagem por definição. Em Far Cry 5, somos arrastados para um celeiro de fanatismo religioso no coração da América e testemunhamos eventos além da compreensão. Em Far Cry: New Dawn, somos a representação da lei em um mundo pós-apocalíptico.

Em maior ou menor grau, há uma sensação de pertencimento em todos os seus universos, há um propósito por trás de minhas motivações que vai além de tomar X postos avançados ou colecionar armas e caçar bichos. Em Far Cry 4, senti que a Ubisoft jogou a toalha e desistiu de dar algum sentido para sua trama. Controlamos Ajay Ghale, um jovem criado no Ocidente que retorna para sua terra natal, em Kyrat, com a missão de espalhar as cinzas de sua mãe. Esse significado é o foco da apresentação da trama, porém é brevemente mencionado umas duas vezes ao longo da história, antes de ser relembrado com zero impacto emocional na conclusão. Dependendo da decisão que você toma no último ato, as cinzas de sua mãe sequer completam seu destino. E, tenho por mim, que essa é a decisão mais coerente da trama: curta e grossa, bala na cabeça.

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Pagan Min chega na trama com a obrigação inglória de substituir o lendário Vaas no imaginário de vilania do jogador. O carismático Vaas foi desperdiçado em Far Cry 3. Pagan Min é nada mais do que uma voz no rádio durante boa parte do jogo. É quase impossível odiá-lo dada a sua ausência. Da mesma forma, é quase impossível fornecer a ele o benefício da dúvida ou mesmo uma faísca de empatia, como a Ubisoft aparentemente tentou, sem sucesso. Para mim, ele foi um bullet point para preencher no final do jogo, literalmente falando.

A história de Far Cry 4 me envolveu muito pouco e, pela primeira vez na franquia, atravessei seu mapa cumprindo apenas os objetivos, de forma mecânica, como a maioria dos jogadores deve fazer, provavelmente.

A imersão foi pro espaço na primeira hora. Convocado para ajudar uma comunidade sob ataque das forças reais, corri para chegar lá. Antes mesmo de entrar na zona de combate, parei para saquear o cadáver de uma vítima. Tirei do defunto "fotos de família". É curioso como existe um mercado para se vender isso depois. Estava evidente ali o grau de empatia que estava desenvolvendo com o povo de Kyrat. Terminado o conflito, salvo o vilarejo, sou solto novamente. No meu caminho, encontro uma mulher pranteando o corpo da mãe morta. O jogo mostra o defunto brilhando, sinal de que há saque disponível. Eu ousaria? Diante do desespero da filha em choro, agachei-me diante do cadáver e saqueei... um absorvente feminino. Ali, assinei meu contrato de desprendimento com Far Cry 4.

A Ubisoft tenta introduzir nesse jogo o conceito de decisões de impacto. A resistência contra Pagan Min, o movimento revolucionário Caminho Dourado, tem duas lideranças conflitantes. São dois personagens com visões antagônicas sobre como essa luta deve ser conduzida e sobre como deve ser o futuro de Kyrat após a vitória. É uma tentativa de crítica social, uma vez que as duas visões tem falhas gritantes de moral e ética. Como já tínhamos visto anteriormente em outros Far Cry, o sonho do oprimido e se tornar o novo opressor.

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Porém, as discrepâncias não são debatidas em momento algum. O que importa é tão somente o aspecto mecânico: dependendo do líder com o qual o jogador se alinha, algumas poucas missões serão ligeiramente diferentes. Não há impacto na história, não há impacto no epílogo (porque não há epílogo). São decisões quase que puramente cosméticas, para dar a ilusão de que você terá alguma voz no rumo da história.

Já Vi Isso, Já Fiz Aquilo... Mas Que Bonito!

Não há quase nenhuma novidade em relação ao que já foi feito em Far Cry 3. O que Far Cry 4 introduz de diferente foi executado muito melhor em títulos posteriores, até mesmo em seu derivado Primal. O arsenal inicial é tão limitado que precisei recorrer para um mod para ter acesso a silenciadores e miras telescópicas em todas as armas básicas. O sistema de armas de aluguel baseado em karma é sofrível, Shangri-Lá é um pesadelo que deixei de lado...

Cogitei abandonar o jogo no início. Estava deslocado da trama e com equipamento de baixa qualidade, fazendo missões que já tinha feito antes em Far Cry 3, porém em condições mais precárias. Por insistência de meu filho, que já tinha finalizado o título (suas sessões estão gravadas e estrearão em breve no canal do Retina Desgastada no YouTube), prossegui até pegar gosto pelo jogo.

Depois de tantas iterações, Far Cry virou um cozy game inesperado. Eu já sei como ele funciona, com o arsenal certo, ele se torna tranquilo, um passeio por paisagens exóticas. Far Cry 4 se tornou o título perfeito para o final do dia, depois de uma jornada cansativa de obrigações. Simplesmente entrar em Kyrat, explorar suas belas paisagens e dominar o campo de batalha. Estar lá já me satisfazia, não exatamente pelos méritos específicos do jogo, mas por sua natureza de mundo aberto e pela expertise adquirida depois de vários Far Cry. É algo parecido com o que Warframe pode oferecer às vezes: um universo para entrar, dar um rolê relaxante (que envolve um grande número de abates) e sair.

Se a Ubisoft merece algum elogio para Far Cry 4 é pela exuberância de seu cenário. A cultura indiana/tibetana tem algo de enigmática. Aproveitei a viagem por Kyrat para encher uma pasta de fotografias, que certamente ajudarão a manter o Instagram ativo.

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As cinzas da mãe de Ajay podem estar confinadas para sempre naquele jarro, mas agora estou livre. Pelo menos até o dia em que me animar a mergulhar no mundo digital de Far Cry 3: Blood Dragon...

Ouvindo: Frank Black - The Holiday Song

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