Retina Desgastada
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3 de março de 2023

Jogando: Clive 'N' Wrench

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(publicado originalmente no Gamerview)

Na virada dos anos 90 para o novo milênio, tudo tinha que ser 3D. Era a evolução inevitável dos jogos, ainda que a tecnologia ainda estivesse engatinhando. Os jogos de plataforma precisaram se adaptar e surgiram muitos mascotes populares nesse período que marcaram História, como Banjo-Kazooie, Ratchet & Clank ou mesmo o esquilo safado Conker. Clive 'N' Wrench é isso: um retorno no tempo para essa época, com gráficos duvidosos, modelos tridimensionais esquisitos, birutices, mas muita simpatia.

O título da britânica DinosaurBytes não mira em uma renovação do gênero (como o questionável Yooka-Laylee ou o excelente A Hat in Time). Muito pelo contrário. Esse jogo parece que caiu do caminhão, rolou para um arbusto e ali ficou esquecido por mais de duas décadas. A pergunta que se faz agora é: só a nostalgia segura a aventura de um coelho maluco e seu macaco de estimação perdidos através das eras?

Entrando Em Uma Fria

O jogo apresenta seu fiapo de história em uma animação inicial que deixaria o Dollynho feliz. É difícil concluir se o estúdio tem sérias limitações orçamentárias ou se a estética é proposital para evocar de volta o espírito de 1999. Um ditador/cientista maluco chamado Dr Daucus (não estou inventando!) roubou um dispositivo que permite viajar no tempo e quer alterar épocas diferentes da História.

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A coelha que criou o dispositivo então recruta o encostado do seu primo (Clive) e o seu macaco de estimação (Wrench) para entrarem em uma geladeira velha, que também serve como outra máquina do tempo. O objetivo do grupo é impedir o vilão… de alguma forma. Na maior parte do jogo, eu não sabia o que eu estava fazendo, além de coletar coisas.

É uma desculpa esfarrapada, mas funciona para dividir o jogo em 11 fases inspiradas em épocas variadas. Nossos aventureiros irão da Londres vitoriana até a era dos dinossauros, passando pelo Egito dos faraós e pelo Velho Oeste, além de um inexplicado mapa que consiste em uma casa gigante (saudades eternas de Tinykin). Um dos poucos pontos fortes de Clive 'N' Wrench está justamente nessa diversidade de níveis, que são gostosos de serem explorados, ainda que não sejam tão grandes quanto eu desejaria.

Nos mapas, a desenvolvedora espalhou alguns easter-eggs e piadinhas que incentivam a exploração. Há, inclusive, uma referência à protagonista de A Hat in Time em um cartaz de procurado, como uma ladra de ampulhetas que seria uma espécie de "macacos sem pelos", com obsessão por chapéus.

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Para quem não manja inglês ou não liga para piadas, o jogo ainda funciona como um Collectathon e encontrar todos os itens espalhados pelo cenário pode prolongar uma jogabilidade que será bem curta sem essa meta.

Caçadores da Câmera Perdida

É nas mecânicas que começa o tormento de quem simpatizou com os personagens de Clive 'N' Wrench. A recomendação é que seja utilizado um controle, mas posicionar a câmera ou realizar algumas manobras com o personagem não são nada naturais. Desisti e optei por teclado e mouse. O jogo se tornou mais suave, mas não perfeito.

Pra começo de conversa, não há qualquer explicação sobre quais botões no controle correspondem a quais teclas. Na tentativa e erro, descobri que a tecla Q faz o papel que seria do X no gamepad. Por outro lado, Y é Y mesmo, o que força a esticar o dedo mais do que seria saudável para as articulações em um teclado QWERTY. Absolutamente nada é customizável, vale acrescentar.

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Embora controlar a câmera com o mouse seja muito melhor, ela não apenas é lenta para ser direcionada como o jogo também insiste em mudar os ângulos nos momentos mais impróprios, das formas mais estranhas. Frequentemente, o campo de visão penetra em objetos sólidos ou atravessa para mostrar o que tem do outro lado. É possível também que a câmera mude de vetor por completo, saindo de uma visão próxima da terceira pessoa para uma visão superior de forma abrupta e sem aviso. Outra estranheza são objetos inteiros aparecendo atrasados na tela, repentinamente.

A minha sorte foi que Clive 'N' Wrench não exige precisão milimétrica nos pulos e tampouco é agressivo com sua sobrevivência. Morreu? Renasça em um dos vários pontos de salvamento espalhados pelo cenário. A câmera só se torna chata na batalha contra chefes e existe um chefe obrigatório em cada mundo, para desbloquear o mapa seguinte.

O salvamento, porém, não mantém suas alterações para o dia seguinte. O que você coletou permanece coletado, mas inimigos ressurgem e áreas que você conseguiu desbloquear apertando botões ou realizando tarefas terão que ser liberadas novamente na outra sessão. Na dúvida, tente fechar por completo um mapa antes de sair do jogo.

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Clive 'N' Wrench é Uma Peça de Museu

Infelizmente, o jogo sofre de outro defeito que salta aos olhos: a qualidade de seus modelos 3D. Os protagonistas são satisfatórios, ainda que pouco criativos. Quantos títulos protagonizados por coelhos antropomórficos existem por aí? Por outro lado, se você esperava que o macaco Wrench tivesse alguma utilidade ou personalidade, lamento informar que o pobre símio só tem duas funções no jogo: servir de porrete para bater nos inimigos e ser girado como uma hélice de helicóptero, para se manter no ar por um tempo maior.

O problema maior aparece fora do trio de protagonistas. Os vilões das ruas e alguns NPCs são motivo de vergonha alheia. A lhama presente em todos os mapas parece que fugiu de um pesadelo e, sem a descrição de que se trata de uma lhama, jamais seria capaz de identificar sua natureza.

A música do jogo também não ajuda, com melodias repetitivas e nada envolventes. Ainda que haja um cuidado de se apresentar faixas temáticas (como o jazz maroto que toca na fase da América dos anos 20), a qualidade está no mínimo do mínimo, até que começa a tocar novamente e novamente e se torna irritante. Os sons que simulam diálogos também tiram a vontade de interagir com os NPCs.

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Com tantos defeitos e tão poucas qualidades, por que ainda assim eu recomendaria Clive 'N' Wrench? O jogo atende uma necessidade nostálgica muito específica. É uma cápsula do tempo preservada com todo o charme, mas também todos os defeitos, de uma determinada era. O título estava em desenvolvimento desde 2011 e isso se reflete no resultado final, com algumas partes mais polidas e coesas do que outras. Na prática, a obra da DinosaurBytes está muito mais próxima de 1999 do que de 2023.

Se você já jogou todos os títulos daquela geração, sente sua falta, já jogou todas as atualizações famosas e ainda assim carece de mais uma dose, então Clive 'N' Wrench pode manter suas tremedeiras sossegadas por mais algumas horas. Ou talvez seja melhor pegar aquele cartucho velho de Banjo-Kazooie, assoprar a poeira e ver se ainda funciona, ou simplesmente tentar a sorte no Nintendo Switch Online.

Ouvindo: Dream Theater -  As I Am (Shibuya, Japan 4-24-2012)

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