Retina Desgastada
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3 de maio de 2023

Jogando: Bramble: The Mountain King

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(publicado originalmente no Gamerview)

A Idade Média não é chamada de Idade das Trevas por acaso… com quase zero conhecimento científico, doenças levando pessoas sem explicação e crendices assaltando o cotidiano, a sociedade desenvolveu um folclore de puro horror. Esqueça as versões adocicadas de Grimm que chegaram até você pela Disney. O coração das trevas guarda pesadelos devastadores e Bramble: The Mountain King não tem o menor pudor de escancarar a porta desse porão.

Sem medo de estar exagerando, a obra da Dimfrost Studio é possivelmente o título mais perturbador, mais pesado e incômodo que já experimentei, uma jornada de agonia e sofrimento pelo lado mais sombrio dos contos de fada. É Limbo em três dimensões, é Little Nightmares elevado ao cubo, uma experiência que me deu intenso alívio de emergir do outro lado, são, mas não intacto.

Era Uma Vez Duas Crianças…

Olle acorda no meio da noite em sua casa e percebe que sua irmã mais velha não está na cama. Movido pela curiosidade, o pequeno e inocente Olle pula a janela e se embrenha na floresta próxima, onde encontra a menina desaparecida e uma estranha pedra brilhante, que parece ter propriedades mágicas. É o gatilho para essa dupla atravessar a barreira que separa o mundo físico do mundo oculto de Bramble: The Mountain King.

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A viagem se inicia de forma pueril e mágica. Somos brindados com cores exuberantes e cenários convidativos, uma dádiva concedida pelo bom uso do motor gráfico e pela dedicação de seus artífices, que lotaram cada mapa com miríades de detalhes. O resultado é um jogo tão belo que era impossível não parar e capturar uma nova tela a cada cinco minutos. Tanta beleza também exige processamento gráfico, mas minha obsoleta RTX 2060 deu conta do recado, sem nenhuma perda perceptível de performance.

Esse colírio para os olhos é complementado com situações inusitadas e personagens fofos pelo caminho. Tudo é festa e alegria, até a página 2. Daí pra frente, Bramble: The Mountain King vai puxar o jogador pela perna e arrastar para a escuridão, indiferente a seus gritos.

Proibido Para Menores

Não é spoiler: o jogo apresenta um alerta de temas fortes logo na sua abertura. A Dimfrost Studio não brinca em serviço, então prepare-se para ver violência extrema e gráfica, fartas quantidades de sangue e carne exposta, brutalidade contra animais, brutalidade contra crianças (inclusive bebês), suicídio, genocídio e horror psicológico de todos os tipos. Não é um título para qualquer um, exige estômago e um bom banho depois de determinadas sequências.

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Vi e fiz coisas que não devem ser mencionadas. Em respeito aos desavisados, as piores fotografias não serão publicadas. Descubra por sua conta e risco jogando Bramble: The Mountain King.

Entendo que essa seja justamente a proposta do jogo: chocar. Felizmente, não é o choque pelo choque, não existe uma gratuidade no que é exibido ou um prazer sádico nesses segmentos (que são quase a totalidade do jogo). A desenvolvedora amarra tudo isso em uma mensagem brutal, mas necessária.

Esse é um resgate histórico de contos e mitos nórdicos em sua versão original, sem séculos de suavização adquirida em outras adaptações. Essas eram histórias criadas para assustar, para impor o medo nas crianças para que elas se comportassem ou para perpetuar a sensação de insegurança de uma realidade oprimida e sufocante, sem perspectiva de melhora.

Ao mesmo tempo, o título toca em conceitos de paganismo e religiões primitivas, ainda que sem emitir juízo de valor. Ora as bruxas aparecem como abominações, ora aparecem como vítimas, ora como salvadoras e o nosso já não tão inocente assim Olle terá que realizar um ritual ou dois para seguir seu caminho. Curiosamente, o jogo se apropria da iconografia estabelecida pelo fenômeno cultural Blair Witch como easter-egg.

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Aqui e ali, Bramble: The Mountain King nos oferece momentos para respirar. Uma mão amiga pode ser estendida onde menos se espera. Porém, esses instantes fugazes de luz apenas acentuam os horrores que Olle irá ter que enfrentar nessa terra amaldiçoada.

Bramble: The Mountain King Quer Te Matar

De todos os monstros horrendos que irão perseguir Olle, o mais persistente é o ângulo de câmera. É fácil entender que o uso de uma câmera fixa, muitas vezes em posições inconvenientes, seja uma escolha tanto para aumentar o medo quanto para não precisar criar um ambiente 3D em 360º. É um recurso que foi utilizado com sucesso por dezenas de jogos de terror anteriormente. Entretanto, os controles de movimento não são implementados corretamente para acompanhar esses ângulos.

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Apesar de encontros assustadores e complexos contra criaturas gigantescas, a principal causa de minha morte foi ir na direção errada. O ângulo da câmera dá a entender que o botão direcional vai trazer o personagem para o caminho certo, mas na verdade o empurra para a morte. Pulos precisos foram errados diversas e diversas vezes por essa falha. É impossível se acostumar ou entender a lógica utilizada, levando a afogamentos, quedas em abismo, desmembramentos e todo tipo de mutilação horrível e desagradável.

Levando-se em consideração que praticamente tudo nesse mundo deseja a morte de Olle, a travessia só se torna mais exaustiva com esse problema. Em sua defesa, a Dimfrost Studio foi bastante generosa com seus checkpoints, colocando pontos de salvamento até mesmo entre as fases de luta contra chefes.

Com um ajuste mais preciso e consistente nos controles, Bramble: The Mountain King poderia ser considerado muito mais fácil do que ele está agora. Certamente, minhas 7 horas e meia na aventura poderiam ter sido reduzidas para 6 horas.

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O Horror, o Horror…

Para cada entidade encontrada nessa odisseia de dor, o jogo nos oferece detalhes de sua origem, trágica em sua maioria. É um ciclo de violência infindável, em que vítimas se tornam os próximos algozes. Nem mesmo Olle escapa dessa sina, em um momento que julgo controverso. Com as mãos agora também ensanguentadas, nosso protagonista jamais será o mesmo.

Em contrapartida, existem forças em andamento no jogo que são inerentemente malignas, assim como criaturas que são a mais pura bondade e gratidão.

Para complementar essa experiência, a Dimfrost Studio entrega uma trilha sonora de cair o queixo, formada basicamente por músicas clássicas e folclóricas, com o ocasional vocal feérico. É uma lástima que esse material não esteja disponível fora do jogo. P.S.: Semanas depois de escrever o texto original, a trilha sonora foi colocada à venda no Steam.

Bramble: The Mountain King angustia até sua épica conclusão. É um título que eu desejava completar com ardor, não necessariamente para ver o destino de Olle e sua irmã, mas para me libertar de suas amarras. Arrasto-me sem forças para longe dele e agradeço por ter nascido no século XX.

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Ouvindo: Throne of Anguish - March of the Heretic

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