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18 de janeiro de 2024

Jogando: Might & Magic X - Legacy

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A franquia Might and Magic foi seminal para a evolução dos RPGs ocidentais e até mesmo para o surgimento dos JRPGs. É fácil se esquecer de sua relevância para o cenário quando temos um hiato de mais de dez anos desde o lançamento de seu último título. Mais fácil ainda quando esse mesmo último título foi assolado por uma quantidade absurda de bugs em seu lançamento, tornando-o quase injogável. Felizmente, o tempo (e o trabalho dos desenvolvedores) corrigiu 99% de seus problemas, ainda que a infâmia tenha grudado como uma marca maligna em cima de Might and Magic X - Legacy.

É uma injustiça. Might and Magic X - Legacy é um RPG extremamente sólido e cativante que me prendeu por mais de 50 horas em uma península castigada por conspirações políticas, criaturas assustadoras e um mal ancestral tramando das sombras. Dizer que ele é uma carta de amor aos títulos do passado seria ignorar que ele pertence àquele passado, que ele fundou aquele passado. Esse foi o canto do cisne de uma era e o começo de um longo período de trevas. Os RPGs nunca mais foram os mesmos, para o bem ou para o mal.

Might and Magic X - Legacy já era um dinossauro em 2013. Fallout 3 já tinha transportado outra franquia clássica para o mundo tridimensional. Ultima estava morto e enterrado por quatro anos. Diablo III dominava o cenário dos títulos de exploração de masmorras. Então, a Ubisoft tinha em mãos um título tão anacrônico, tão atrasado para o funeral de seu próprio gênero, que um ano antes Legend of Grimrock já estava praticando necromancia e trazendo os dungeon crawlers de volta. No entanto, ali estava Might and Magic se recusando a morrer.

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Havia muito pouca concessão ou inovação na fórmula. A movimentação acontece quadrado por quadrado, os combates são por turnos, cada curva feita é, na verdade, um deslocamento em 90º na grade do mapa. Você controla um time de personagens e as batalhas são intensas. Não há marcadores indicando direções, é necessário consultar constantemente a lista de missões e o jogador é simplesmente largado na vastidão, sem uma noção muito clara de onde é seguro ir e onde é morte certa. Páginas e páginas de lore são despejados, seja na forma de livros que podem ser encontrados ou em diálogos relativamente extensos com praticamente qualquer NPC. Assustador para alguns, um convite para a imersão para outros.

Quarteto Fantástico

Criei então meu time de quatro campeões. Nunca que eu iria utilizar o time padrão, por mais equilibrado que fosse, por maior que fosse o risco de criar um time ineficiente. Então, tive Karkaz, o espadachim humano, com domínio da técnica de uma arma em cada mão. Meu ancestral alter-ego em tantos RPGs, renascido em outro universo. Tive Velouria, a Elfa arqueira com domínio de magias da Terra, que acabava agindo com uma segunda cura do grupo. Tive Torvald, o Anão tanque, de armadura pesada, machado e escudo, o grande herói que me permitiu a vitória na derradeira batalha. E tive Sokhatai, a xamã Orc, com os diálogos mais brutais, as magias mais devastadoras, a árdua missão de manter todos vivos com curas e uma lança matadora quando o mana acabava. Depois de mais de 50 horas ouvindo suas vozes, seus gritos de guerra, seus comentários aleatórios, sentia uma afinidade que apenas as melhores sessões de RPG são capazes de proporcionar.

Com esse time, explorei a península, inseguro sobre os passos que deveria dar. De fato, cheguei a questionar sua eficiência, principalmente no começo, quando a curva de dificuldade é mais acentuada e nem todas as mecânicas estavam dominadas (cheguei a ficar com vários pontos de perícia parados na ficha, sem saber que podia investir). Do meio para frente, Might and Magic X - Legacy se torna quase um passeio, com os heróis capazes de encarar com sucesso a maior parte dos desafios que apareciam em sua frente.

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A reta final é um calvário. Por um lado, fico feliz que a Ubisoft não tenha investido em um ou mais inimigos extremamente poderosos como chefes finais. Por outro lado, a jornada foi cansativa. A conclusão é uma batalha campal para se recuperar o controle de uma cidade, seguida de uma descida para as profundezas da mesma cidade. O resultado é uma sucessão de horas e horas de confrontos, sem a possibilidade de comprar novos recursos, sem a possibilidade de vender itens de forma normal, sem muitas opções de descanso. É uma maratona de batalhas difíceis. Eu, um rato coletor, que costuma terminar RPGs com dezenas de poções intactas, vi minhas reservas se esvaziarem. Na última etapa, percebi que seria impossível vencer. Recuei para um save mais antigo, tentei outro caminho, refiz horas de jogabilidade.

E então veio a última batalha, aquelas que muitos jogadores no Steam relataram ser impenetrável. Fui dizimado na primeira tentativa. Na segunda tentativa, minhas duas magas tombaram no primeiro turno. Karkaz tombou no quarto. Apenas Torvald, o tanque, permaneceu. Um contra quatro inimigos extremamente perigosos. Ele podia ser paralisado a qualquer ataque, o que significaria a morte certa, mas passou em todos os testes de resistência contra magia. Matou o primeiro inimigo. Matou o segundo inimigo. Entre surras e jogadas de sorte, uma pausa para tomar poção. Matou o terceiro inimigo. E então matou o quarto inimigo. Sozinho. Foi projetado para ser um tanque, evoluiu para ser um tanque e cumpriu sua missão.

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Seria impossível narrar todos os pequenos momentos de emoção e vitória ao longo dessas dezenas de horas. A sobrevivência de Torvald fica como um manifesto, um exemplo de vários. Mas também é possível destacar a brilhante forma como os criadores do jogo realizaram um flashback desesperador no jogo. Inicialmente, temos contato com os fatos através de um diário. O relato é trágico. Porém, nada havia me preparado para o que aconteceu depois: com o meu grupo revivendo os passos exatos da ruína de um time igual. Se a vitória de Torvald é uma história só minha, oriunda da jogabilidade imersiva, esse flashback é um mérito completo de seus arquitetos, um dos melhores momentos de narrativa de qualquer RPG.

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Might and Magic X não é perfeito. Ainda há bugs, inclusive do tipo que me fez recarregar um save. Há missões que eu jamais seria capaz de completar sem um bom guia. Há missões que eu não completarei nem com o guia. Há problemas de design, há heranças de tempos mais confusos dos RPGs. Há uma quantidade absurda de backtracking, com poucas opções de viagem rápida. O tempo de carregamento das fases é incompreensível para um PC moderno com SSD.

Porém, Might and Magic X cativa com sua trilha sonora impactante, com seus personagens maiores que a vida (dentro e fora do seu time), com sua narração pontual, mas marcante. Foi o último suspiro de uma franquia, que seria explorada posteriormente em derivados cada vez mais genéricos e fora de seu gênero original (é um milagre que não haja um MOBA).

Com o terceiro Baldur's Gate conquistando o prêmio de Jogo do Ano, talvez seja um bom momento para a Ubisoft tentar um retorno digno para a franquia. Porém, se Might and Magic não avançar mais, sempre haverá para mim a opção de recuar: existem nove jogos antes desse...

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