Retina Desgastada
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10 de maio de 2023

Jogando: Ravenlok

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(publicado originalmente no Gamerview)

A vida às vezes planta situações inusitadas no caminho das pessoas. Sair das trevas profundas de um Bramble: The Mountain King e adentrar no espaço multicolorido de Ravenlok foi ir do Inferno ao Jardim do Éden no espaço de apenas alguns dias. É impossível conceber dois títulos mais equidistantes sobre o mesmo tema: uma criança é transportada para um mundo mágico.

Aqui, a desenvolvedora Cococucumber cria um título que encanta visualmente, um oásis para vistas castigadas. O estúdio segura em nossas mãos e nos oferece os combates mais fáceis que já experimentei em um RPG, dentro dos limites de minha memória. Infelizmente, esse talvez seja seu ponto mais fraco, ao não trazer desafio algum ou qualquer sopro de genialidade, se limitando a repetir elementos já vistos muitas vezes antes.

Era Uma Vez Uma Criança…

Em Ravenlok, controlamos uma menina sem nome. Logo no início, você pode escolher o nome da garota e o chapéu que o cachorro dela irá usar. Nada disso faz diferença. O nome só será lembrado outra vez no final e o cachorro vai tomar chá de sumiço em dez minutos. A criança está se mudando com os pais para a antiga fazenda da avó. Através de um longo e tedioso tutorial, somos apresentados a uma das mecânicas do jogo: procurar objetos minúsculos em um cenário gigante e levá-los para outro lugar.

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Não é uma boa primeira impressão. Felizmente, ao encontrar um espelho antigo no celeiro, nossa protagonista atravessa para o mundo mágico onde o jogo realmente começa. Dali pra frente, a pequena heroína será chamada somente de Ravenlok, conforme foi profetizado.

Nunca mais veremos o cachorro. Na verdade, nunca mais veremos ninguém desse começo. Ainda que o jogo traga de volta a jovem para o mundo real, não há um epílogo. Havia diversos objetos estranhos no celeiro, lembranças da avó, que eu gostaria de dar uma olhada, depois que eu entendi que a velha senhora muito provavelmente se aventurou pelo mesmo reino mágico. O jogo não permite. Os créditos são a protagonista fazendo a viagem de volta e então tudo termina.

Infelizmente, o quesito história não é o forte de Ravenlok. A Cococucumber remixa elementos já vistos em diversas narrativas manjadas, bebendo bastante em Alice no País das Maravilhas. Temos coelhos antropomórficos em profusão, temos uma certa obsessão por relógios, temos espelhos que funcionam como portais, temos até uma área inteira inspirada em uma festa de chá, com direito a um personagem de chapéu meio doido. O castelo da vilã é baseado em cartas do baralho. A própria vilã é uma versão ligeiramente mais sinistra da Dona Carochinha.

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É como se uma IA tivesses consumido muito Lewis Carroll e gerado uma "identidade" para esse jogo. É um salto para trás, se compararmos com outros títulos da desenvolvedora, mais diferenciados, como Riverbond ou Echo Generation.

Se falta criatividade a esse mundo, ele esbanja simpatia. O universo de Ravenlok pega carona em ideias já testadas à exaustão, porém as executa novamente com eficiência. Aqui e ali, se veem lampejos de iniciativa própria, porém são raros. Estranhamente, isso não tira o brilho do título e acredito que uma criança ou aqueles que ainda guardam uma criança no coração, se sentirão acolhidos nesse cenário.

Esse encantamento é obtido pelos gráficos voxelizados, que lembram pixels, mas em 3D. Além disso, a Cococucumber usa e abusa das cores, a ponto de doer a vista em alguns momentos. Cada região tem uma identidade visual bem definida e o teatro de máscaras se tornou meu espaço favorito.

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Personagens simpáticos também ajudam demais em desfazer a impressão de que você está jogando algo requentado. São muitos NPCs que você irá encontrar pelo caminho, alguns com missões, mas todos com algum tipo de fofura. Não espere diálogos rebuscados ou mesmo vozes (substituída por um som irritante, que eu reduzi no volume, assim como a trilha sonora extremamente alta), ainda assim suas pequenas vidas são curiosas, seja a do Panda leão de chácara que é gente boa ou o Rato gourmet ou o Caranguejo vaidoso.

Ravenlok Não Quer Te Matar

De imediato, nossa jovem é informada de que irá precisar de uma espada e um escudo para sobreviver nesse mundo. A rainha maligna corrompeu tudo que toca e o reino se tornou um lugar perigoso. Porém, Ravenlok está predestinada a quebrar essa tirania.

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O que poderia se tornar um RPG de ação, um Dark Souls infantil, se torna um passeio no parque. O combate é muito fluido, a movimentação de câmera é o oposto do que tínhamos em Bramble, não há um único segmento de plataforma. O jogo oferece uma boa gama de opções para derrotar seus inimigos e uma evolução de estatísticas da personagem que são grandes saltos.

Se não ficou claro, é praticamente impossível morrer, ainda que haja um bom número de lutas. Basta sacudir a espada, marretar os botões dos poderes sempre que eles são liberados e 90% das batalhas serão vencidas com dano próximo de zero. O excesso de confiança me levou a morrer cinco vezes para o segundo .chefe, quando eu tomei vergonha na cara e resolvi aprender a usar a esquiva. Daí até o final do jogo, morri apenas mais uma vez, para outro chefe, novamente por excesso de confiança, ao entrar na luta sem poções de cura. A batalha final? Sopa no mel.

Em determinado ponto, o jogo pede que o jogador seja furtivo para desativar quatro botões. Por um segundo, imaginei que haveria algo mais complicado para variar. Não há. Os oponentes são absolutamente míopes, incapazes de enxergar a protagonista, a menos que ela esteja a dois metros da frente deles. Deixei-me apanhar e a consequência foi simplesmente ser levado de volta para o ponto inicial, porém com o progresso mantido.

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Não estou querendo me gabar. E aqui cabe outra informação importante: não sou jogador hardcore. Passo longe de "soulslike". Se Ravenlok pareceu extremamente livre de desafio para mim, para outro patamar de jogador é bem possível que ele seja considerado chato. Não há qualquer opção de nível de dificuldade. Recomendaria, mais uma vez, para uma criança, ou aqueles que ainda tem uma criança no coração…

… exceto pelos puzzles. Não são muitos e, de fato, não travei em nenhum deles, mas diversos enigmas eu vejo que seriam bem complexos para uma criança. Um em particular tem uma pegadinha cruel que eu não acredito que os desenvolvedores cometeram.

A Fofura, a Fofura...

Ravenlok pode ser terminado em seis horas. Possivelmente menos, porque eu tomei o cuidado de tirar fotos, ler todos os diálogos, voltava sempre para o mesmo lugar para subir meus status. É curtíssimo para o padrão de um RPG e a reta final passa demais a impressão de ser uma correria sem conteúdo. Meia hora depois que eu finalmente consegui desbloquear a porta do castelo… a rainha estava morta. Esperava mais umas duas horas passando por corredores, câmaras, escadarias e outras áreas, no mínimo.

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Também não há espaço para exploração. Existem poucos cantinhos para serem olhados. Toda sua jornada é bastante linear, ainda que o jogo te faça pegar um item no Ponto A e levar de volta no Ponto B, constantemente. Ainda assim, a sensação que fica não é a de mergulhar em um reino de fadas, mas ser puxado de um lado para o outro.

Para quem estava vindo de Bramble: The Mountain King, Ravenlok foi, sem sombra de dúvidas, um grande baque. Um baque bom, um jogo confortável para relaxar e atravessar sem qualquer tipo de frustração. Se você busca esse tipo de experiência ou tem crianças pequenas, não há como não recomendar o trabalho da Cococucumber. Para quem busca algo mais substancial ou criativo, talvez seja melhor ir atrás de outros espelhos, outros portais.

Ouvindo: Imperactive Reaction - Redemption

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