Retina Desgastada
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9 de maio de 2022

(não) Jogando: Sephonie

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(publicado originalmente no Gamerview)

Admito que tenho uma certa fraqueza por títulos independentes esquisitos e que foi essa "vulnerabilidade" que me levou a Sephonie. O que parecia ser uma charmosa aventura de exploração por cavernas mágicas se revelou um exercício de frustração sem sentido. Trailers podem ser enganosos, seja no disputado universo dos AAA, seja no cenário indie.

A criação de Melos Han-Tani e Marina Kittaka tenta ser muitas coisas ao mesmo tempo: um jogo de plataforma 3D com parkour, uma jornada de autoconhecimento, uma mensagem do futuro com tons ecológicos, um novo Tetris. Praticamente nenhum desses aspectos funciona corretamente e, juntos, não combinam.

Ilha da Fantasia

Um time multicultural de cientistas em um futuro não muito distante parte para decifrar o enigma de uma nova ilha que surgiu no oceano. As biólogas Amy, Ing-wen e Riyou acabam naufragando em suas praias e agora precisam penetrar nas entranhas da ilha de Sephonie em busca de respostas, ao mesmo tempo em que descobrem novas e fantásticas espécies.

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Uma ilha misteriosa com criaturas exóticas que podem ser colecionadas, com gráficos com poucos polígonos e cara de jogo de gerações passadas? Esta é uma trilha que já percorri em Beasts of Maravilla Island. E aqui surge a primeira grande frustração de Sephonie. Ali, tínhamos uma nada criativa (mas funcional) clonagem de Pokémon Snap e usávamos nossa câmera para catalogar as criaturas. Aqui, nós "ligamos nossa mente" ou algo assim com os seres bizarros, através de um mini-jogo de… Tetris.

Fiquei realmente perplexo com essa escolha de design. E, por incrível que pareça, os desenvolvedores Melos Han-Tani e Marina Kittaka trazem novidades para o aparentemente exaurido "gênero" de Tetris. A grade apresenta formas variadas, precisamos combinar cores, há pontos de vida em jogo, determinadas áreas apresentam buffs ou obstáculos e há diferentes formas de se concluir. A impressão que fica é que Sephonie poderia ter sido um interessante jogo de Tetris se não estivesse tão fora de lugar na narrativa e se fosse realmente desafiador, uma vez que é impossível perder.

O choque inicial é substituído logo em seguida por outro: as mecânicas de parkour são horrendas. Sephonie apresenta o que talvez seja o pior e menos confiável sistema de wallrunning que já experimentei. Some-se a isso uma configuração de controles extremamente obtusa. Por mais que você consiga customizar os comandos (e, acredite, você vai querer alterar quase todos), o resultado final continua insatisfatório.

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Aqui, um mesmo botão controla o impulso para frente, o caminhar na parede e a corrida (sem controle) para frente. É preciso doutrinar a mente para que tudo funcione direito. Não por acaso, o jogo traz constantes dicas do que ativa o quê, mesmo depois de já termos adentrado bastante na aventura. Se você precisa manter anotações constantes sobre suas mecânicas, talvez seja porque elas nunca foram claras o bastante.

Ponderando Sobre Tudo em Sephonie

Ainda assim insisti. Tão logo entramos no sistema de cavernas que é o palco principal de Sephonie, o que era um incômodo vai se tornando um problema. Para quem deseja manter o fluxo do parkour e conseguir dominar suas mecânicas, será frustrado pela necessidade de gastar vários minutos aqui e ali jogando Tetris, quero dizer, "criando ligações com as criaturas".

Porém, muito provavelmente, o jogador se verá primeiro lutando contra os controles para conseguir navegar pelo labirinto vertical e horizontal que são os níveis, que não trazem qualquer indicação da direção para onde se deve ir. As texturas limitadas não ajudam a distinguir adequadamente o cenário. O único alívio é que os checkpoints são generosos, porque as quedas no vazio serão inevitáveis.

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Quando atingimos determinada etapa nas cavernas, o jogo nos contempla com uma longa sequência em que as cientistas compartilham pensamentos e memórias sobre o conceito de… peixe. É indescritível. O que se segue é uma verborragia pretensiosa que busca criar uma conectividade entre nós humanos e o universo que nos cerca, através das memórias. De alguma forma, esse é o tema central de Sephonie. Não Tetris, não parkour: extensos e nada naturais diálogos sobre a natureza das coisas.

Tal dissonância entre mecânicas e proposta também não é inédita para mim: tenho lembranças dos erros de Solo e A Fold Apart. Como disse, tenho um fraco por jogos estranhos. Esse aqui não se decide entre ser uma aventura, um Tetris ou um filme experimental expositivo demais sobre suas temáticas.

Onde Eu Estava Com a Cabeça?

Melos Han-Tani assume a composição da trilha sonora e não há o que discutir sobre seu talento. As músicas de Sephonie criam uma ambiência agradável e relaxante que sustenta a imersão, muito mais que seus gráficos datados ou seus diálogos sofríveis.

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O surgimento de habilidades que melhoram a navegação demora demais e chega a conta-gotas. Muitos jogadores nem chegarão até lá antes de desistir. Em certa medida, Sephonie acaba lembrando um Tony Hawk esquisitão, sem skate, com colecionáveis espalhados e a eterna pergunta: "ok, como eu chego ali?". Infelizmente, em nenhum momento consegue ser tão fluido quanto o pior Tony Hawk. Se você busca um jogo "de skate" insano, cheio de conceitos estranhos e com gráficos retrô, talvez você tenha melhor sorte no gratuito Griptape Backbone.

Em Sephonie, Melos Han-Tani e Marina Kittaka queriam criar uma "história profunda e emocional sobre os laços estreitos de um trio, as prioridades das nações e a delicada conexão entre humanos e natureza", como diz a descrição no Steam. É uma meta ousada e, como toda meta ousada, é atingida por poucos. Seus conceitos são interessantes, mas faltou sutileza e sobraram explicações que beiram o didatismo. No final, tudo sucumbe diante de péssimas escolhas mecânicas.

Ouvindo: R.E.M. - Feeling Gravitys Pull (The Athens Demos)

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