Retina Desgastada
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6 de fevereiro de 2019

Jogando: Clutch

O cheiro de gasolina invade minhas narinas, desce queimando laringe abaixo e incendeia meus pulmões com o frenesi da velocidade e da carnificina. Ainda assim, não é forte nem mais impactante que o murro na têmpora que apenas o cheiro de carne putrefata oferece. Essa cidade está infestada de carcaças esperando o abate. Eu sou o açougueiro, meu carro é minha ferramenta.

Clutch 01

Esse é o clima de Clutch, um jogo de corrida com zumbis. Ou pelo menos esse é o clima que a desenvolvedora russa Targem Games tenta desesperadamente injetar no jogo seja através do som frenético da trilha sonora variada, seja através de trechos do diário do protagonista que buscam contar uma história em um jogo que gira em torno de atropelar mortos-vivos e destruir carros.

O jogo também é conhecido como Armageddon Riders, um título mais interessante e inexplicavelmente utilizado somente na versão para PlayStation 3. As telas da versão do console também parecem mais interessantes, mas pode ser edição de imagens e marketing. Independente da plataforma ou do nome que utiliza, a criação da Targem é um híbrido punk de Carmageddon e Burnout Paradise. Do primeiro, ele herda a violência explícita, o tom hiperbólico e o niilismo. Do segundo, ele herda uma grande cidade aberta com missões que podem ser executadas para desbloquear veículos e acessórios. Infelizmente, Clutch não está a altura de nenhum dos dois.

Não que Clutch seja um jogo ruim. A sensação de velocidade é adequada, os controles são adequados, o nível de carnificina é adequado. Mas falta-lhe personalidade e ousadia. Onde Carmageddon seguia a cartilha de Death Race 2000, dava a cara para bater e colocava você para atropelar vacas e velhinhas de andador, aqui passamos por cima de zumbis bastante genéricos. Onde havia um nível de agressividade que extrapolava os limites e já invadia o terreno da galhofa, aqui não encontramos uma gota de humor. Por mais divertida que seja sua jogabilidade, Clutch coloca uma camada de narrativa fina que não desperdiça nenhuma oportunidade para te informar o quão decadente é toda essa situação e quão perdido está seu protagonista.

Clutch 03

Nesse universo, um acidente durante as operações de um colisor de partículas liberou uma energia que dizimou boa parte da população na cidade ao redor do centro científico. Os que não morreram ficaram presos em um estado intermediário entre a vida e a morte. A cidade foi isolada do resto do mundo pelos militares, mas o mesmo acidente que provocou a criação dos zumbis também gerou anomalias no espaço urbano e o aparecimento de artefatos preciosos. Nesse ponto, os russos pegam emprestadas algumas ideias dos ucranianos de S.T.A.L.K.E.R. mas não desenvolvem muito bem. Esses artefatos valiosos atraíram caçadores de relíquias a bordo de carros turbinados, que circulam entre os mortos e competem entre si em arenas. Você é uma dessas almas perdidas que pegou um carro e foi para a cidade maldita em busca de oportunidades.

Infelizmente, o que poderia ser um bom roteiro para um jogo mais focado em história é queimado na pira da adrenalina em múltiplas missões muito parecidas. A cidade é dividida em três zonas que você vai liberando de acordo com os "episódios" da trama. Em cada uma dessas zonas você irá realizar missões principais e missões secundárias que podem ser divididas nas mesmas seis ou sete variações de "correr por aí e destruir". De acordo com o diário, inicialmente você corre por aí e destrói coisas porque você é um fracassado em busca de auto-flagelação. É uma angústia com cheiro de espírito adolescente. Depois, você corre por aí e destrói coisas porque você se juntou a um falso e estranho culto que existe na cidade. No final, você corre por aí e destrói coisas porque você foi instruído pelos cientistas que sobraram e isso, de alguma forma que não faz sentido, pode acabar com a infestação. Acrescente erros de Inglês, porque esse não é o idioma nativo dos desenvolvedores, e temos uma trama que pode tentar muita gente a ignorar (e existe mesmo uma opção para que o diário nem seja mostrado antes de cada missão).

Clutch 02

Felizmente, a Targem Games soube que sua jogabilidade e o fiapo de enredo que o roteirista se esforçou para emplacar não prendem muito e o título é curto. Se você se mantiver firme nas missões principais e fizer apenas algumas das secundárias, é possível encontrar o final de Clutch em pouco mais de quatro horas. Não que a cutscene final valha o esforço. Dessa forma, não dá tempo para o jogador enjoar (como aconteceu comigo no primeiro e exaustivo Carmageddon, que, ingenuamente, tentei completar). Os mais aficionados podem seguir jogando tentando liberar artes conceituais na Galeria, obter mais carros e acessórios.

Apesar dos seus problemas, Clutch oferece uma jornada sólida e descompromissada, com aquela típica aura de bizarrice e um certo amadorismo de jogos do Leste Europeu, como You Are Empty ou Rig N' Roll.

Ouvindo: Soundgarden - Room A Thousand Years Wide

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