É uma estranha coincidência que por dois Carnavais seguidos eu tenha experimentado jogos surrealistas com um leve toque de desconforto. Se no ano passado essa experiência coube à Stories Untold, dessa vez o acaso colocou Small Radios Big Televisions no meu computador. Em um momento em que a ordem natural da sociedade é invertida e as pessoas se entregam a uma eufórica fuga da realidade, não podia ser mais apropriado.
Flertando com as lentes de um David Lynch e os devaneios de Burroughs, esse curto jogo em suas duas horas apresenta uma proposta bizarra: a Humanidade foi extinta, mas você pode tentar restaurar o planeta usando fitas cassetes que contém fragmentos de um mundo melhor e funcionam como portais mentais para essas micro-realidades enquanto explora as ruínas de fábricas abandonadas.
Nessa busca por um sentido, fui contemplado com enigmas fáceis de serem solucionados em cenários difíceis de compreender. Enquanto isso, Small Radios Big Televisions bombardeava meus sentidos com uma trilha sonora ao mesmo tempo cativante e sombria e cores e formas de mundos low poly em contraste com uma arquitetura decadente que remete aos escombros de Portal 2.
O título não se preocupa muito em oferecer desafios, mas compensa sua jogabilidade suave com questionamentos maiores: o que está realmente acontecendo? O que aconteceu com o planeta? Quem sou eu no esquema das coisas? Quem são meus interlocutores? O que é aquele final, em nome de tudo que é sagrado nessa indústria digital? Os últimos cinco minutos são poesia pura, um caleidoscópio em minhas retinas que podem prenunciar um desfecho feliz ou um mar de perguntas e loucura.
A única certeza que seu desenvolvedor deixa é a convicção de que o meio pode ser empregado de diversas formas e os jogos podem, sim, funcionar como passaportes para diversos mundos mágicos e encerrar com pompa e poucos polígonos o cansativo debate se jogos são Arte.
Um comentário:
É difícil formular um comentário após ler uma crítica tão bem formulada. Parabéns pelo trabalho
Postar um comentário