Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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3 de outubro de 2021

Jogando: I Am Fish

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(publicado originalmente no Gamerview)

Dizem que jogos eletrônicos são uma forma de escapismo da realidade e é fácil exemplificar, em uma cultura habitada por encanadores que salvam princesas, ouriços ultrassônicos, supersoldados espaciais e outros absurdos. I Am Fish abraça esse sentimento sem medo de ser feliz e nos convida para uma jornada inusitada, mas divertida: ser um peixe.

A Bossa Studios já mostrou no passado que o ridículo pode ser incrivelmente atraente e constrói aqui um jogo que funciona como ponte entre ser um pão e ser um cirurgião amalucado. No comando de quatro peixinhos pra lá de simpáticos, iremos atravessar as situações mais inesperadas em nome da amizade, tudo para sair de cada sessão com um sorriso bobo no rosto e pensando que escapismo bacana!".

Procurando Todos

I Am Fish acompanha uma trama bastante simples, mas efetiva. Era uma vez quatro peixinhos de aquário: um peixe dourado, um baiacu, um peixe voador e uma piranha. Não pergunte como peixes de água doce e água salgada podem viver juntos, isso é completamente irrelevante. Eles vivem juntos e formam um quarteto feliz em sua incongruência. Um dia, eles recebem como alimento um pão especial: o mesmo pão consciente do bizarro I Am Bread. É a chave para os peixinhos adquirirem perspicácia, resistência e determinação.

O jogador traumatizado pode imaginar que receberá a seguir um simulador de tortura, um exaustivo jogo de puzzle em que controlar os personagens será um tormento, que estará diante de uma continuação infame (até porque o título deste aqui remete ao jogo anterior). Não poderia estar mais enganado. Os desenvolvedores buscaram desta vez uma experiência mais amigável para todos, sem abrir mão do desafio, porém com uma abordagem bastante suave e cativante.

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O que acontece a seguir é que os quatro peixes são vendidos para diferentes donos em regiões afastadas. Cabe ao dourado ousar escapar de seu aquário em busca de seus companheiros perdidos. É o convite que faltava para explorar um mapa deliciosamente construído para dar passagem à criatura aquática, desde que o jogador saiba onde cair para não morrer de falta de ar. Os outros três amigos do dourado tem habilidades especiais que adicionam novas mecânicas a seus respectivos capítulos.

A partir dessa premissa básica, o jogador irá atravessar algumas das situações mais insanas possíveis até todos se encontrarem no mar. São treze níveis no total (mais um secreto), que passam rápido se você se concentrar na campanha, mas muito marcantes, deixando um gostinho de "quero mais".

O Mar Está Pra I Am Fish

Em minha análise de We Happy Few, eu lembro claramente de momentos absurdos, como participar de um desfile de moda ou destruir tudo no esgoto pilotando uma máquina louca ao som de uma música alegre. São instantes como esses que desarmam nossas expectativas com experiências que apenas o mundo dos jogos tornaria possível e apenas na mão dos criadores mais criativos.

Em I Am Fish eu me vi controlando uma piranha em um bloco de gelo, tentando ser furtivo para escapar de um cirurgião psicopata. Em outro instante, na forma de um baiacu, atravessei a pista de dança de uma rave pulsante, para logo em seguida segurar o vômito de um bêbado trôpego. Bem, essa última situação talvez não seja tão inusitada assim, mas definitivamente não é o tipo de momento que você esperaria em um jogo de peixes fofinhos.

Tudo isso é embalado por uma trilha sonora gostosa de se ouvir. Nas partes suaves do jogo, a música é gentil e positiva, mantendo uma atmosfera de aventura e otimismo. Nas partes mais difíceis, a música troca para um tom mais lúgubre ou tenso. Quando retorna a música alegre, a sensação de alívio e conquista é multiplicada por cem. Cada peixe e fase conta com suas próprias trilhas e esse é um detalhe que a Bossa Studios soube explorar muito bem no jogo.

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Os cenários coloridos e repletos de vida contrastam o conflito dos elementos. Por um lado, é evidente que esse é um ambiente habitado por humanos, que seguem com seus afazeres, sua rotina. O pequeno condado inglês em que se passa I Am Fish é aquilo que chamaríamos de aprazível, um ambiente bucólico. É possível ver personagens de fundo conversando, detalhes que a maioria dos jogadores nem mesmo perceberia, mas que estão ali. Em contrapartida, existe simultaneamente nesses mapas um terreno hostil para peixes e um caminho para eles passarem, das formas mais inteligentes possíveis.

Sem abrir mão do humor, a Bossa Studios introduz piadas internas (como o desafortunado irlandês que se repete em todos os episódios) e conecta essa jornada com o insano Surgeon Simulator em dado momento.

De certa forma, então, I Am Fish é uma continuação de I Am Bread e um prelúdio de Surgeon Simulator, formando um único universo compartilhado onde a jogabilidade prima pela Física. I Am Fish se torna o derivado de entrada da franquia, com desafios bem menos irritantes.

Caiu na Rede, É Peixe!

Não que I Am Fish seja um passeio no parque. Longe disso. Certas partes podem exigir um pouco mais de paciência do jogador, um pouco mais de habilidade para controlar trajetórias ou um pouco mais de massa cinzenta para sequer entender o que precisa ser feito. Nesses instantes, a diversão flerta com a frustração.

É importante destacar que a câmera do jogo nem sempre se posiciona como deveria. Eu também precisei trocar as teclas de alguns comandos para um esquema que fazia mais sentido para mim. Não poder salvar no meio de cada nível também pode ser um problema: ou você resolve um mapa em uma única sessão ou terá que recomeçar o nível inteiro na próxima tentativa.

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Esses são pequenos defeitos que talvez atrapalhem a experiência de todos os públicos. Para os mais inquietos, o jogo oferece a possibilidade de pular para o próximo checkpoint, uma opção raríssima de se ver em outros títulos. Para aqueles que desejam mais desafio ainda, sempre existe a possibilidade de se tentar melhorar a própria pontuação e ir atrás de todos os fragmentos de pão espalhados em cada nível.

Apesar de falhas, I Am Fish não decepciona: é uma jornada de alegria, esquisitices, com boas doses de desafio, trilha agradável e um final feliz para todos. O “escapismo” raramente é tão gostoso.

Ouvindo: The Cruxshadows - Cassandra

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