Modificando: Far Cry

O primeiro Far Cry não me agradou. O que não me surpreendeu nem um pouco, dada minhas tentativas anteriores. Uma pessoa normal teria simplesmente desinstalado e continuado em frente, talvez avançando para o próximo da "franquia", talvez tentando algo completamente diferente.

Fui pelo caminho de "algo completamente diferente", mas sem desinstalar o jogo. Fui ver o que os modders tinham aprontado com o fascinante (até mesmo nos dias hoje) motor gráfico criado pelos desenvolvedores da Crytek.

First Contact: Planetfall

O primeiro mod testado foi criado por sete estudantes universitários e entrega isso em dois pontos: sua profunda ambição e sua inexperiência. Will Evans, Toby Everett, Mike Bird, Mike Roberts, Jenny Rathbone, Martin Palmer e James Boorer pegaram Far Cry e fizeram o que se chama de Total Conversion, TC para os íntimos, "Conversão Total" em bom Português.

O resultado é um jogo que não lembra em nada o título original. Vão embora as praias paradisíacas e a floresta luxuriante, entram em cena paisagens alienígenas que surpreendem por sua estranheza. Sai também o tiroteio frenético, aqui substituído por exploração e furtividade. Você entra na pele de uma xenobióloga, única sobrevivente da queda de uma nave expedicionária humana em um planeta desconhecido. Frágil, isolada, ela precisará da sua ajuda para escapar com vida e descobrir a fauna, a flora e a sociedade existente por aqui.

First Contact: Planetfall até conta com armas de fogo, mas você passará por maus bocados se depender somente delas para passar por algumas das criaturas hostis presentes na aventura. Infelizmente, o mod não aproveita muito bem o potencial gráfico da engine da Crytek e demonstra seu amadorismo nas texturas e modelos criados. Em seus melhores momentos, evoca Outcast, lançado oito anos antes.

Lamentavelmente, a aventura se encerra de modo abrupto, justo quando parecia querer engrenar. Um jogador médio pode atravessar o mod inteiro em uma hora.

The Delta Sector

Se você é daqueles que prefere que os mods apenas acrescentem novas aventuras e desafios ao jogo original, sem alterar sua premissa, não há nada de errado nisso e então The Delta Sector é a sua escolha.

O mod não apresenta uma história dentro da tela, além de uma longa introdução que apenas mostra o seu desembarque de helicóptero em uma região montanhosa. Mas na sua descrição você descobre que é um soldado das forças especiais enviado para investigar uma intensa atividade paramilitar no Leste Europeu. Como convém a todos os jogos do gênero, você é um veterano combatente, mas largado no meio do nada, sem suporte, sem reforços, com a roupa do corpo e segurando uma faca.

A jogabilidade é idêntica ao Far Cry básico, ainda que em uma nova ambientação e um novo arsenal. Se achei a experiência frustrante antes, aqui ela se eleva ao cubo e não avancei muito porque meus inimigos usam roupa de camuflagem que realmente funciona e torna difícil distingui-los da vegetação e os modders não me equiparam com um binóculo.

Em sua defesa, posso dizer que o jogo tem aquilo que se espera de um FPS: armas novas e potentes, com um trabalho de sonorização profissional, um mapa coerente e muitos inimigos para você matar ou, no meu caso, me matar.

Tuesday and Ark

O terceiro mod que experimentei me devolveu ao campo do experimentalismo. Seu autor tenta criar uma história sem diálogos em um universo que combina elementos de steampunk com mistério. Há mais detalhes não ditos do que revelados e é uma experiência que implora por um jogo completo e dá um aperto no coração quando termina.

Aparentemente, você controla em terceira pessoa uma moça que vive em uma ilha de pescadores e é abandonada pelos pais (ou seriam irmãos mais velhos?). Sozinha, ela desperta e começa a explorar a ilha, repleta de estruturas metálicas colossais, de propósito obscuro, movidas literalmente à vapor. No seu caminho, ela esbarra em um menino, que possivelmente também ficou sozinho, e, juntos a inusitada e silenciosa dupla percorre a vastidão do mapa.

Há alguns puzzles para resolver, mas eles são realmente muito simples. A paisagem é o terceiro e mais significativo personagem que é ao mesmo tempo esplendorosa mas também maximiza a solidão de seus protagonistas humanos. Não há combate ou ameaças, apenas perguntas (e um ocasional bug da Inteligência Artificial do garoto, que, às vezes erra o caminho para te seguir).

O resultado é um universo que eu gostaria de explorar muito além dos seus 20 minutos, porém um que se encerra sem oferecer explicações e deixa somente o barulho do vento.

Roomette

Esse mod é uma declaração de amor de um desenvolvedor por sua namorada, uma artista plástica. Não há muita jogabilidade, além de andar por um espaço confinado de um aposento. Mas o efeito é lisérgico e nem em seus mais exóticos sonhos os desenvolvedores da Crytek reconheceriam seu motor gráfico.

Mavros usou Far Cry para abrir uma janela para dentro do mundo mágico de Eve Chaumontet. Ele entrou com a programação, ela forneceu a ideia, os modelos, as texturas, as imagens e possivelmente chazinhos proibidos para a concepção do mod.

Não há uma trama, apenas um aposento muito estranho que você explora como se fosse uma galeria de arte, onde você contempla alguns trabalhos de Eve e onde a própria galeria é uma instalação audiovisual, com interações a serem descobertas. Roomette pode ser explorado em cinco, dez minutos, mas é o tipo de experimento que vai te marcar por mais tempo do que isso.

Mavros seguiu carreira na indústria dos jogos até chegar em um título completo, igualmente surreal, chamado de NaissanceE e disponível no Steam.

Ouvindo: Timesplitters - Mansion