Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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3 de dezembro de 2016

(não) Jogando: Lifeless

Lifeless 07

O medo do desconhecido é um dos sentimentos primais mais fortes que existem. Raros são os jogos que conseguem explorar isso intencionalmente. Alguns, porém, conseguem flertar com o bizarro e o inesperado de formas totalmente acidentais, criando experiências únicas.

Nos primórdios de Minecraft, quando não conhecia absolutamente nada do jogo e suas mecânicas e levando-se em consideração que o título não traz nenhum tipo de tutorial, as noites eram aterradoras. Eram quando os monstros apareciam. Lembro claramente de observar a noite da segurança aparentemente inexpugnável de minha caverna, de uma passagem pequena demais para alguma coisa passar. Ou assim eu imaginava. Foi quando meus olhos bateram em um ser que ainda não havia visto: totalmente negro, esguio, com longos braços e olhos faiscantes. Estava distante e não deveria representar perigo. Mas eu ouvi um zumbido horripilante e totalmente fora do tom normalmente associado com Minecraft, um som distorcido que encontraria lugar em um Silent Hill, mas não ali. E então, a coisa estava dentro da minha casa, em um piscar de olhos. Travei uma luta desesperada contra o desconhecido, que aprendi naquele momento ter a habilidade de se teletransportar. Aproveitei que ele se materializou em um compartimento da minha ainda inacabada toca primitiva e fechei a passagem.

Não sabia se ele conseguiria escapar.

Não sabia o que ele era.

Mas continuava ouvindo seu zumbido, um lamento de fúria e irrealidade do outro lado da parede. Ficaria ele ali trancado para sempre? Minha residência estaria condenada a ter um morador indesejado e aterrador?

Não sabia. Não conhecia as regras de Minecraft. Não sabia ainda o que era um Enderman.

Essa incerteza, até onde consigo averiguar, é a única vantagem de Lifeless para mim. A sensação de estar de volta a terreno desconhecido e até mesmo a impressão de que nem os seus desenvolvedores sabem muito o que estão fazendo.

Creepy Pasta

Em minha quarta e última sessão, estava novamente sozinho no servidor. Explorava uma casa em um bairro abandonado, com equipamento fraco e torcendo para não encontrar zumbis. Entrei por uma porta e a fechei atrás de mim, como sempre faço. Do outro lado do salão, havia uma segunda porta aberta. Fui até ela e fechei também. E aconteceu a distorção.

Sei que existe no jogo um único tipo de criatura "especial", chamada de Screamer. Na teoria, o Screamer é um zumbi que emite um grito tão alto que estonteia você. Mas os jogadores reclamaram que ele era muito barulhento e os desenvolvedores reduziram o volume do grito dele. Para zero. Ou seja, ele é uma criatura chamada Screamer que é inaudível. Felizmente, há uma distorção na tela para indicar o ataque ou ele seria mais bizarro do que deveria ser.

Eu já havia esbarrado na distorção antes e fugi como um louco, sem nunca avistar o Screamer. E agora estava ali, trancado, com um Screamer por perto. Segui explorando a casa, quando me dei conta que o grito dele não faz dano, só me deixa mais lento por alguns segundos. Tinha a certeza de que estava seguro ali dentro.

Lifeless 08

Mas, é claro, quando você não conhece as regras do jogo, a segurança é uma ilusão. Ao sair de um cômodo, vi que a porta inicial por onde tinha entrado estava aberta. O sangue gelou. Veio a distorção.

Tranquei a porta novamente, mesmo diante da possibilidade do Screamer conseguir abri-las. Ao me voltar, vi a segunda porta aberta. A coisa estava brincando comigo? Seria invisível, além de inaudível? Mas não me atacava. Fechei a segunda porta. Girei nos calcanhares e vi que uma gaveta que estava aberta até então, havia sido fechada.

Não tenho as respostas, mas acredito que o servidor resete os status de portas e gavetas de tempos em tempos. O que faz sentido para um jogo multiplayer. É melhor acreditar nisso do que na capacidade dos desenvolvedores projetarem uma criatura com tantas habilidades.

O Grotesco e o Patético

Acabei encontrando o Screamer.

Lifeless 10

Antes disso, acertei um zumbi normal que foi ao chão e tentou se arrastar para longe de mim. Nunca tinha visto aquilo antes. Ele tinha realmente uma animação de rastejar, então não era bug. Mas era algo inédito. Tentei matá-lo, por que a experiência diz que criaturas que fogem só estão ganhando tempo para atacar de novo. No chão, ele era aparentemente imortal. Rastejou para longe, depois voltou e continuou rastejando, antes de se afastar outra vez.

E vi o Screamer. É certamente o zumbi com o pior padrão de comportamento que possa ser programado. Ele mal me enxerga, enquanto seus primos são capazes de me detectar a cem metros de distância e me perseguir até o Inferno. Seus gritos são aleatórios e não tem a ver com a minha presença. Ele só dá um grito proposital quando eu literalmente desço um porrete nele.

Lifeless 11

Ironicamente ou não, o Sol vai nascendo e os horrores da noite vão se dissipando. O rastejante não me ataca. O Screamer é carta fora do baralho. Um zumbi que estava em cima do telhado (e que eu temia que pudesse descer e me emboscar) permaneceu lá até eu chegar bem perto e meter uma bala em seu crânio.

A fantasia de Lifeless emerge de quem joga. A incerteza, a dúvida se algo no universo do jogo é intencional ou mera obra do acaso. No fundo é apenas um título mal-programado, com seres patéticos vagando de um lado para o outro e não estou falando dos zumbis (e me incluo). Os bugs e o senso de abandono, de que não há mais ninguém jogando em um mapa tão gigantesco, transformam um título medíocre em uma experiência próxima da Twilight Zone. Nesse sentido, é quase um jogo assombrado, se você tiver imaginação fértil ou instintos primais muito acentuados.

O inexplicado está por toda parte, esse é um lugar em que lendas podem surgir.

Mas não irão. Durante três dias foi impossível me conectar com qualquer servidor, seja em Londres ou Estocolmo. Usuários reclamaram no Steam, ninguém veio em seu socorro. Nessa sexta-feira, vi que os servidores de Londres haviam sido removidos da lista. Lifeless vai perdendo seu espaço, o jogo com o nome mais amaldiçoado e adequado de todos.

E, em breve, será apenas uma memória e três postagens no Retina Desgastada.

Lifeless 16

Ouvindo: R.E.M - Everybody Hurts

3 comentários:

Shadow Geisel disse...

Lembra muito o H1Z1 (o pior nome de game a se digitar num teclado de celular).

Shadow Geisel disse...

Lembra muito o H1Z1 (o pior nome de game a se digitar num teclado de celular).

Maria disse...

Meio esquisitinho, mas eu gostei,

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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