Retina Desgastada
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28 de junho de 2015

O Profeta de Cthulhu

Sandy PetersenDesde o começo de Junho, Carl Sanford Joslyn Petersen ou apenas Sandy Petersen como é mais conhecido, está de volta para os braços de Cthulhu para espalhar seu evangelho. É bem provável que você não conheça seu nome, mas sem seu trabalho talvez a obra de Lovecraft e os deuses sombrios da aurora dos tempos permanecessem esquecidos como uma bizarrice febril de um punhado de escritores.

E Doom e Quake certamente seriam títulos bem diferentes.

Durante sua adolescência nos anos 70 ele esbarrou em um livro antigo, uma edição empoeirada das Forças Armadas de uma compilação de histórias do mestre do horror H.P. Lovecraft. Como o misterioso livro foi parar na biblioteca de seu pai ou porque motivos as Forças Armadas distribuiriam tal literatura para seus soldados durante a Segunda Guerra são desígnios que não nos cabem conhecer. Mas quis o destino que o jovem Petersen carregasse aquela marca para sempre. Anos depois descobriria o RPG, quando Dungeons and Dragons explodiu na América.

Sandy Petersen conciliaria suas duas paixões na Chaosium, onde viria a trabalhar como escritor e criador do agora mítico RPG Call of Cthulhu. A editora já tinha reservado os direitos de adaptação de Lovecraft, mas sua tentativa anterior havia sido um desastre. Petersen, agora com 26 anos, enviou uma carta desejando escrever um suplemento para o RPG de Fantasia Runequest, uma aventura com fortes inspirações dos Mitos de Cthulhu. As estrelas se alinharam: a Chaosium entregou o trabalho para Petersen.

CoCO resultado foi um RPG sem concorrentes: uma aventura de horror e insanidade que era impossível vencer e revelava para jogadores do mundo todo o estranho mundo criado por H.P. Lovecraft. Seus monstros não podiam ser derrotados. Os personagens controlados não evoluíam, pelo contrário, quanto mais a trama e os confrontos avançavam, mais próximos da loucura final eles ficavam. Foi um sucesso de nicho que permaneceu sendo editado e reeditado por 34 anos.

Há quem diga que Call of Cthulhu reacendeu o interesse pela obra de Lovecraft em uma época em que sua popularidade já havia se esvanecido. Há quem diga que sem Call of Cthulhu não haveria a White Wolf e, consequentemente, Vampire ou Werewolf.

Depois de uma passagem imperceptível na Microprose, onde contribuiu em jogos como Darklands, Sword of the Samurai e o primeiro Civilization, Sandy Petersen encontrou um novo lar na id Software.

Em dez semanas no emprego, criou 11 níveis de Doom e adaptou outros 8 níveis rascunhados por Tom Hall. Só não produziu mais porque o jogo foi lançado logo em seguida. Isso não impediu que Petersen participasse com nada menos que 17 níveis para Doom II, seguidos por 7 níveis de Quake.

Sempre me perguntei porque o chefe final de Quake tinha um nome lovecraftiano e parecia uma aberração saída da mente do sorumbático escritor americano. Sandy Petersen é a resposta. Ele misturou Cthulhu no caldeirão de referências que fervia nos porões da id Software.

Shub-Niggurath

O mais irônico de tudo isso? Carl Sanford Joslyn Petersen é Mórmon. Praticante. Do seio de um dos segmentos mais controversos do cristianismo, de onde já saíram radicais de todo tipo, brotou aquele que espalhou Cthulhu por quase todo o lugar onde passou. Como isso é possível? Para Petersen, não há dicotomia ou ironia. Certa vez ele explicou para John Romero, durante o desenvolvimento de Doom: "Eu não vejo problemas com demônios no jogo. Eles são apenas desenhos. E, de qualquer forma, eles são os vilões".

Um nível de coerência que não se costuma ver fora da indústria.

Petersen poderia ter encerrado sua participação no grande esquema cósmico por aí. Mas ainda escreveria História ao migrar da id Software para a Ensemble Studios onde seria um dos designers responsáveis por toda a franquia Age of Empires e um dos integrantes da desenvolvedora mais ativos nos fóruns, onde adotou a alcunha de ES_Sandyman.

O escritor e criador de jogos ficaria na Ensemble até o último suspiro da desenvolvedora. Desde então, ele se tornou professor universitário de game design, editor de uma revista literária de horror, produtor executivo do filme The Whisperer in Darkness (obviamente um tributo a Lovecraft) e ainda arranjou tempo para criar um jogo móvel e uma bem-sucedida campanha no Kickstarter para um jogo de tabuleiro baseado em...Cthulhu.

O Grande Antigo que cochila em Rlyeh poderia ter libertado a alma de seu mais devotado cultista por serviços prestados. Mas o Chamado foi ouvido mais uma vez e agora Sandy Petersen está de volta para a Chaosium, onde tudo começou, para criar a próxima edição do RPG Call of Cthulhu. O alinhamento permanece e tudo caminha como deveria ser de acordo com Seu plano.

Call of Cthulhu

Ouvindo: Nine Inch Nails - Sin (Long)

Um comentário:

Raphael AirnMusic disse...

Ótimo texto!

Tenho curiosidade de jogar o Call of Cthulhu só porque parece muito mais tender pro role-playing do RPG. E também o pessoal que faz 'props' pra serem usados nessas aventuras, capricham demais!

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