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29 de junho de 2011

Volta ao Mundo: Ucrânia

"É estranho sentir saudade de algo o qual mal vivi ou evitava viver". A frase repetida à exaustão na internet brasileira ao ponto de se transformar em um meme pertence à escritora Clarice Lispector. O que pouca gente sabe é que a autora não nasceu no Brasil, mas migrou para cá com a família aos dois meses de idade. Sua família sofria a perseguição imposta aos judeus após a Revolução Russa e procurava uma nova vida. Lispector nasceu na distante Ucrânia, que está mais perto do mundo dos jogos eletrônicos do que se imagina.

S.T.A.L.K.E.R.

A empresa de desenvolvimento de jogos mais famosa da Ucrânia é a GSC Game World. Apesar de ter sido fundada em 1995, demoraria seis anos para seus primeiros produtos chegarem às lojas. Codename: Outbreak não emplacou nas vendas e tinha seus defeitos, mas apresentava um punhado de idéias originais. O outro jogo lançado em 2001 foi Cossacks: European Wars, um título de estratégia convencional em sua jogabilidade mas inovador em seu cenário: a inexplorada Guerra dos Trinta Anos no século XVII. Nestes primeiros anos, a desenvolvedora se alternaria entre os dois gêneros, FPS e estratégia, enquanto preparava um projeto ambicioso.

 S.T.A.L.K.E.R. foi durante muito tempo considerado um vaporware devido aos constantes atrasos e suas promessas mirabolantes. Recriar com o máximo de fidelidade uma vasta extensão de terra ao redor do reator destruído de Chernobyl e permitir ao jogador vagar em uma reprodução deste pesadelo? Insano. Gerar uma fauna própria para o local com comportamento autônomo e realista? Impossível. Inserir dezenas de NPCs simultâneos, cada um com seus próprios objetivos? Ridículo. Tudo isso embalado em gráficos de cair o queixo para sua época. Mentira.

Mas foi feito. Em 2007, S.T.A.L.K.E.R. foi finalmente lançado e, se não entregava exatamente tudo o que prometia, era magnífico à sua maneira e colocou a GSC Game World entre os grandes nomes da indústria. Nos últimos anos, todo o foco da empresa foi concentrado em estabelecer uma franquia, com dois jogos derivados e uma continuação oficial prometida para 2012.

Metro 2033 Das fileiras da GSC saíram os profissionais que fundaram a 4A Games. Se S.T.A.L.K.E.R. era inspirado pelo conto "Roadside Picnic", dos irmãos russos Arkady e Boris Strugatsky, a 4A Games buscaria inspiração em outro autor russo para começar suas atividades. Dmitry Glukhovsky escreveu e liberou na internet em 2002 seu livro "Metro 2033". O sucesso foi tão avassalador que mesmo grátis, ele atingiu altas vendagens na Rússia quando publicado em papel, gerou uma continuação e foi traduzido em diversos idiomas, incluindo o português. Em 2010, a 4A Games colocou nas lojas o jogo Metro 2033 e já prepara a sequência para o ano que vem. Em 2012, poderemos comparar S.T.A.L.K.E.R. 2 e Metro: Last Light e dizer quem se sai melhor, o mestre ou o aprendiz.

Das fileiras da GSC também saíram os fundadores da Deep Shadows, ainda que sua história seja um pouco mais atribulada. Sergey Zabaryansky e Roman Lut foram os criadores da engine por trás de Codename: Outbreak. Se levarmos em conta a quantidade de bugs existentes no jogo, estaremos diante de uma prévia da carreira da dupla. Insatisfeitos com o desenvolvimento dentro da GSC, os dois saíram logo após o lançamento do jogo para fundar sua própria empresa. Seu primeiro projeto envolvia um vasto mundo aberto, elementos de RPG e uma ambientação atual. Qualquer semelhança com o título de sucesso da GSC é mera coincidência. Mesmo. Porque o que a Deep Shadows produziu foi o pavoroso Boiling Point.  Aparentemente, o título vendeu o suficiente para a Deep Shadows crescer de 15 para 60 funcionários e criar seu "sucessor espiritual": White Gold. O novo jogo conseguiu ser massacrado pela crítica. Como o verbo "desistir" talvez não exista na Ucrânia, a Deep Shadows resolveu apostar em um terceiro jogo, pegando emprestado alguns elementos de Mass Effect e criando o candidato a épico de ficção-científica Precursors. Desta vez, a crítica foi mais amena.

Precursors

Mas nem tudo na Ucrânia gira em torno da GSC Game World. Muito antes de S.T.A.L.K.E.R., existia a Action Forms, uma empresa que pegou carona no emergente gênero dos FPS e lançou um excelente clone de Quake chamado Chasm: The Rift em 1997. Antecipando a premissa do jogo croata Serious Sam em quatro anos, o jogador era colocado no papel de um soldado especial que viaja no tempo para deter uma invasão alienígena que está conquistando diversas épocas. No ano seguinte, a empresa aperfeiçoaria sua engine e a batizaria de AtmosFear. O sucesso comercial só viria mesmo para Action Forms com a série Carnivores, lançada logo depois. Três jogos de simulação de caça a dinossauros depois e a franquia já estava esgotada.

Endangered Species A Action Forms atravessaria um inferno astral de cinco anos. Neste meio tempo, houve um jogo cancelado de Duke Nukem (?!) contra dinossauros, chamado de Endangered Species. Tempo e dinheiro de licenciamento foram gastos inutilmente. Também foi longo e tortuoso o desenvolvimento de Vivisector, um FPS contra criaturas mutantes de animais que era uma livre adaptação de A Ilha do Dr. Moreau. Em 2005, se tornou claro que a AtmosFear já tinha completado seu ciclo de vida útil e o jogo não foi bem-recebido. Três anos depois a empresa estrearia o AtmosFear 2.0 com um criativo jogo de survival horror em um barco congelado: Cryostasis.

Atualmente, a Action Forms está dormente. Enquanto tenta encontrar seu espaço de volta ao sucesso, seus principais membros fundaram a empresa paralela Tatem Games, focada no mercado móvel. Seu principal produto? Carnivores para iOS. Ninguém pode acusá-los de incoerência.

E Clarice Lispector? A autora não conheceu os jogos eletrônicos. Tampouco a Ucrânia. "Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo". Que pena.

Ouvindo: UT 2003 - Level13

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