Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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14 de agosto de 2010

O Legado de Tron (Parte 2)

Tron2 - Poster Em 1982, Tron alterou o futuro de uma criança, nos mostrou a idealização do fantástico mundo da informática e apontou os caminhos que os jogos eletrônicos poderiam seguir. Naturalmente, uma homenagem tão apaixonada aos jogos mereceria o tratamento recíproco: em um espaço de menos de um ano, entre 82 e 83, cinco jogos oficiais foram lançados.

Com todo o respeito aos esforços da infante indústria dos jogos, nenhum deles fazia jus ao encanto do filme. Patéticas tentativas limitadas pelo potencial tecnológico de suas épocas, as adaptações de filmes na década de 80 sobreviviam do apelo de suas capas e das lembranças dos espectadores das obras originais. Pixels descoloridos ou com ínfimas paletas de cores se movendo pela tela escura, simulacros de ação repetitiva e sem enredo, sons que apenas remotamente remetiam às épicas orquestrações que reverberavam nas salas de cinema.

Tron te levava a passear por uma paisagem que só viria a existir décadas mais tarde: gráficos fotorrealistas (ou hiperrealistas), interação entre o corpo do jogador e a interface, música com qualidade digital, mundos abertos, personagens envolventes e uma história.

Retorno ao Admirável Mundo Novo?

Na virada do milênio, estranhos rumores indicavam a existência de uma continuação para Tron. Quase vinte anos depois, um dos clássicos da ficção-científica, diferente de tudo feito antes ou depois, perigava ter uma sequência. Seria possível? Com tanta porcaria ganhando Partes II, III, IV e por aí em diante, seria realmente possível que Hollywood estaria disposta a produzir um novo Tron? A esta altura do campeonato, não me importava mais se o potencial filme seria um risco ou não, se poderia macular o filme original ou não. A possibilidade de uma continuação era o suficiente para acelerar meu sangue.

A máquina do hype havia sido ligada. Boatos sobre o enredo, sobre o elenco, durante meses. FCon

Então, veio o site. Não adianta mais procurar. Duvido que ainda esteja no ar. Não me lembro da URL, tampouco. Neste site, uma ação viral feita em Flash, era possível interagir com um sistema dentro da FCom, a empresa que teria comprado a ENCOM do primeiro filme. Além de subverter o conceito de interface web e ser um dos pioneiros neste tipo de marketing, o site realmente dava a sensação de se estar interagindo com alguém, de dentro da FCom, pedindo por socorro. E este alguém estava preso no mundo de Tron.

Mais do que uma surpreendente peça de propaganda, o site era uma confirmação: Tron 2.0 existia.

Desfragmentando Expectativas

As mensagens do pobre desenvolvedor da FCom aprisionado eram espaçadas. Ele enviava uma mensagem estranha e prometia uma nova comunicação para dias depois. Enquanto isso, senhas secretas permitiam acesso a outros setores do site da FCom. Se hoje em dia, este tipo de ação é quase obrigatória para grandes produções, em 2003 era uma novidade e tanto e um claro sinal de que Tron estava perto de inovar mais uma vez. Entretanto, a euforia não durou muito.

Box Tron 2.0 era um jogo.

Segundo consta, Tron 2.0 era para ter sido um jogo E um filme. Mas, após o terceiro tratamento no roteiro, o projeto afundou. A Disney desistiu da produção cinematográfica e apenas o jogo sobreviveu. Apesar das críticas favoráveis ao FPS, incluindo um Metacritic de 84, o título não foi bem-sucedido em vendas e, dois anos depois, teve seu suporte suspenso.

Se não era possível ver uma continuação nas telonas, um FPS não seria nada mal, certo? A Monolith, encarregada do desenvolvimento, ainda se deu ao trabalho de chamar alguns dos atores do elenco original para a dublagem de personagens. Wendy Carlos, responsável pela trilha sonora do filme, reapareceu para cuidar da música de Tron 2.0. Syd Mead, designer das lightcycles de 1983, foi convocado para criar a nova versão das motos digitais. A história foi inspirada no roteiro cancelado. E eu confesso que tentei gostar do jogo. Tentei mesmo.

Comprei Tron 2.0 na versão da Fullgames 46, mas só o joguei bem depois. Avancei até o meio, olhei para os lados e desinstalei. O jogo que eu tanto desejara amar, não era nem metade do que eu esperava.

Uma das mais alardeadas características do jogo, o Real-Time Glow, era um prodígio técnico das placas nVidia. Mas, em meus olhos, parecia um festival de luzes neon cafona, desnecessário, incômodo para a vista e nem um pouco parecido com o efeito obtido pela equipe do filme 20 anos antes. Se a evolução dos FPS nos últimos anos levou o gênero a flertar com cores pastéis e sem vida, Tron 2.0 ia em direção ao extremo oposto e promovia um desfile de cores que faria um carnavalesco verter uma lágrima de emoção. A efusão de luzes fortes não era apenas uma decisão técnica equivocada, mas também se espalhava pela arte dos cenários e prejudicava a jogabilidade, ao esconder passagens, ao ofuscar plataformas e comprometer a precisão dos disparos. O layout dos cenários, confuso por si só, tornava-se ainda mais complicado. Mais de uma vez, eu caí de precipícios apenas por não saber onde estava pisando.

Glow

Ao tentar fugir da fórmula clássica dos FPS, Tron 2.0 apresentava alguns elementos alienígenas ao gênero. Gerenciamento de armas, evolução de habilidades, proteção contra ameaças, nada disso foi inventado pela Monolith. Mas a forma como estes componentes adicionais era aplicada em Tron 2.0 tornava estas atividades enfadonhas. Fugir de um tiroteio para "desfragmentar o disco" não casa com minha idéia de ritmo de jogo. Mover blocos coloridos de "memória" para tentar combinar um upgrade a mais se aproxima demasiado da mecânica busca pela eficiência dos piores RPGs. Esperar metade de jogo para que sua arma principal finalmente se torne útil na hora de maior necessidade é um erro de desenvolvimento.

TronSe Tron 2.0 realmente foi baseado no roteiro de uma continuação, talvez eu devesse dar graças aos Deuses de Hollywood por abortarem o filme. O enredo é confuso, os personagens vagos e um NPC importante morre no meio da trama de uma forma pouco dramática. Como se o aspecto geral já não fosse insosso o suficiente, alguém da Monolith achou que o jogo seria mais nerd se trocasse todos os termos comuns do dia a dia por metáforas de informática. Então, aquela grande explosão que destrói tudo ao seu redor é chamada de "formatação", suas perícias são "subrotinas", se você foi envenenado por um ataque você está com "vírus", cada subida de nível é chamada "nova versão" e assim vai. O que pode parecer simpático nas primeiras vezes, se torna muito irritante depois da vigésima metáfora. Principalmente para quem trabalha com informática o dia inteiro e não vê a menor graça em "desfragmentar o disco", não importa a interface.

Ter chegado ao meio do jogo me deu a constatação de que eu não estava fazendo isto pelo trabalho da equipe da Monolith. Estava fazendo isto por um garoto de 9 anos. E, em nome de tudo aquilo que ele acreditava, desinstalei Tron 2.0.

Tron 2

Ouvindo: Kraftwerk - The Robots

3 comentários:

Marcos A. S. Almeida disse...

Aquino, confesso que de certa forma,você vem me influenciando aqui no meio "cibernético" ( ainda usa-se esse termo?).Foi assim com Dead Space , Blood (versão GOG) e do aqui citado Tron.Por motivos vários , não vi na época de lançamento e muito menos nas reprises da tv , mas sempre tive curiosidade em vê-lo. Depois do seu post, decidi ver e não gostei.Como você falou , é extremamente datado mas não deixa de ser bonito o visual do mundo de Tron.O fato positivo é que ele me faz lembrar muito os fliperamas no qual eu era "viciado" naquela época, principalmente com Space Invaders.Mas se não me engano, ao menos na versão dublada, os termos de informática são amplamente usadas no filme.O que o data mais ainda pois são termos não tão usados hoje em dia.No caso de Dead Space que citei acima, vi a animação e gostei muito , principalmente por ser um prólogo do jogo.E agora , por influência sua estou no game...

C. Aquino disse...

Reconheço que dificilmente Tron possa exercer o mesmo grau de deslumbramento mais de vinte anos depois, se visto pela primeira vez. Torço para que o novo filme faça por toda uma geração o mesmo que o primeiro fez pela minha... Se eu realmente estou com todo este prestígio, então posso dizer o nome de seu próximo jogo: Deus Ex. Aguarde uma resenha completa assim que eu conseguir me libertar do jogo!

Bruno disse...

Hahahahaha! E DX faz mais uma vítima. Que tal se, após a resenha de DX (ou quem sabe até um adendo no mesmo post), nos contar suas expectativas p/ o DX 3? Estou curioso p/ saber o que vc esperava antes e o que espera agora, depois de jogar o primeiro DX.

Agora te recomendo jogar Mass Effect. Mass Effect passa muito longe da profundidade filosófica de DX (claro, há questões como o racismo, preconceito, política e algumas coisas mais, mas nada muito aprofundado), mas a história e o universo criado são impressionantes.

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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