Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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12 de novembro de 2008

A Vitória da Insensatez

O senhor Joseph Anzalone deve estar contente agora, após ter cumprido seu "dever cívico". Por determinação da Entertainment Software Rating Board (ESRB), entidade que regula a classificação de jogos eletrônicos nos Estados Unidos, toda e qualquer publicidade do jogo Fallout 3 deve ser removida imediatamente. Não apenas os cartazes expostos no metrô de Washington ou nos pontos de ônibus. Não apenas os anúncios em jornais e revistas. A proibição se estende aos sites especializados e até mesmo a exibição de trailers do jogo, criados ou não pela Bethesda, está censurada. Sites como o Gametrailers reagiram com veemência contra a arbitrariedade, mas o órgão governamental permanece irredutível. Para todos os fins publicitários, o jogo não existe.

Fallout 3 - WashingtonO problema, ao que parece, está relacionado ao teor polêmico do jogo. Fallout 3 retrata a dura sobrevivência em uma sociedade americana pós-guerra nuclear. A história é ambientada nas ruínas radioativas de Washington. Sem heróis, sem vilões, sem final feliz ou torta de maçã esfriando na janela. Supostamente, esta caracterização ofendeu algumas suscetibilidades de uma nação que ainda não se recuperou do 11 de Setembro de 2001.

Joseph Anzalone e os burocratas que ouviram seu clamor preferem acreditar em uma América de Polyana, onde o pesadelo atômico não existe. Alienígenas, nazistas, zumbis, dinossauros, cyborgues e outros clichês da indústria dos jogos eletrônicos passam incólumes pelo crivo dos censores por fazerem parte apenas do mundo de faz-de-conta infantil que os jogos deveriam ser na visão limitada destes senhores. Não importa que talvez haja uma metáfora por trás destes inimigos fantásticos. O perigo dos jogos eletrônicos está sempre na sua incômoda proximidade com a realidade: drogas, criminalidade, política ou simplesmente a questão nuclear.

Eles esquecem que a completa destruição de seu país embaixo de uma chuva de mísseis é o potencial preço que paira sobre suas cabeças. O preço pela proliferação do maior arsenal de Armas de Destruição em Massa da Terra. O preço por uma política externa questionável. O preço por uma Guerra Fria que não se debate mais.

Anzalone e sua corja de covardes esquecem a lição do Dia Seguinte.

The Day After

The Day After Há quase 25 anos atrás, em 20 de novembro de 1983, um filme feito para a TV, foi transmitido ao vivo pela rede ABC, nos Estados Unidos. The Day After retratava com o máximo realismo possível as consequências de uma guerra nuclear. Mais do que um objeto de entretenimento, o filme foi concebido desde o princípio como um alerta. O respeito pelo tema foi tão grande que os produtores decidiram que, após a cena do ataque, não haveria mais intervalos comerciais na transmissão.

O filme teve uma audiência recorde para a época, atingindo aproximadamente 100 milhões de espectadores americanos em sua primeira exibição. The Day After foi levado aos cinemas em todo mundo, onde o sucesso se repetiu. Mesmo nos países do chamado Bloco Comunista, a resposta emocional do filme foi incontestável. No Brasil, o filme foi capa da revista Veja e parou o país quando passou na TV. O horror estava estampado na tela, nas bancas, na retinas, para que todos vissem.

Ronald Reagan, presidente americano no período e ferrenho defensor da supremacia nuclear de seu país, declarou em seu diário que o filme o "deixou profundamente deprimido" e que o fez repensar muitos de seus conceitos. Após a assinatura do Tratado de Reykjavik, pela limitação de armas atômicas, o diretor do filme recebeu um telegrama da Casa Branca com os seguintes dizeres: "não pense que seu filme não teve nenhuma parte nisso, porque ele teve".

Fallout, a série como um todo, não tem e nunca teve a pretensão de ser um manifesto político contra o holocausto atômico. Mas a reação ao seu tema ofende a inteligência daqueles que gostariam que o mundo fosse um lugar mais seguro e agride a memória daqueles que efetivamente lutaram para que ele não fosse mais inseguro do que já é.

Como seria melhor que os Anzalones da vida dedicassem sua tenacidade a tornar Fallout 3 uma obra de ficção tão impossível de acontecer quanto um ataque de zumbis ou uma horda de Locusts.

Ouvindo: Wumpscut - Uk Decay

Um comentário:

Shadow Geisel disse...

Esse era o filme ao qual eu tinha assistido quando criança mas não conseguia lembrar o nome em português.

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Outcast - A New Beginning