Retina Desgastada
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4 de setembro de 2023

Jogando: Sea of Stars

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(publicado originalmente no Gamerview)

Ser o escolhido de uma casta ancestral de guerreiros, treinar e depois sair por aí com os amigos, vivendo uma grande aventura para derrotar uma força maligna e finalmente libertar o mundo de sua influência: quem nunca sonhou em passar por isso na infância? Específico demais? Clichê demais? Não importa, Sea of Stars tem gosto de sonho, sabor de tardes passadas na frente de um videogame explorando mundos coloridos, um sopro de nostalgia que não contém traços de mofo, mas cheirinho de modernidade.

A Sabotage Studios levou cinco anos de desenvolvimento, com um time que triplicou seu tamanho inicial, e o resultado dessa dedicação transparece em cada pixel habilmente colocado, em cada cor fulgurante na tela, em cada acorde da trilha sonora e na simpatia de seus personagens. Trata-se de uma aventura inesquecível, quase livre de defeitos.

Era Uma Vez um Mundo…

… aterrorizado por uma entidade extraplanar conhecida como Fleshmancer. Essa força maligna plantou o caos no planeta, na forma de lacaios conhecidos como Residentes. Cada residente é capaz de aterrorizar regiões inteiras. Felizmente, surgiram Guerreiros do Solstício, nascidos no período certo, dotados de grande magia para enfrentar esses Residentes.

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Foram séculos de guerra para purificar o mundo desses monstros. Agora, uma nova geração de Guerreiros do Solstício está sendo treinada para derrotar o último Residente e colocar um fim na influência do Fleshmancer sobre o mundo. É nesse ponto que o jogador entra em Sea of Stars, comandando a última dupla de Guerreiros do Solstício e os aliados que se juntarão ao grupo ao longo do caminho.

A Sabotage Studios leva o tempo necessário para começar essa história, para criar empatia com seus protagonistas, para familiarizar o jogador com o mundo que está se abrindo. O início pode parecer meio lento, mas ele tem um propósito. Ao longo da jornada, a desenvolvedora não hesitará em apresentar belas cutscenes, várias sequências de diálogo e, por que não dizer, reviravoltas que manterão o foco do jogador em sua trama.

Apesar de vários conceitos inesperados sendo apresentados a todo momento, a Sabotage Studios mantém a mão firme e o equilíbrio exato para não ser expositiva demais nem tampouco obscura. Paulatinamente, seu universo vai fazendo sentido na cabeça do jogador, ao mesmo tempo que se torna um lugar que ora é aconchegante, ora é assustador.

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Grande parte do charme do jogo está no seu leque de personagens secundários. Os protagonistas Zale e Valere são muito parecidos entre si (e, na verdade, pouco importa qual deles é seu “primário”) e muito parecidos com tantos outros heróis de fantasia. Porém, quem os acompanha brilha com personalidade e maneirismos e cria uma empatia quase instantânea. Garl é um amigo de infância do casal de Guerreiros de Solstício que se torna querido já nos primeiros minutos do jogo e só vai crescendo em importância. E a tripulação de um certo barco pirata é um festival de idiossincrasias que coloca um sorriso no rosto.

Desta forma, Sea of Stars alterna entre momentos épicos onde o destino de muitos está no fio da navalha e momentos intimistas, que lembram a camaradagem de uma boa mesa de RPG.

O Mapa Não é o Território

Um universo de fantasia não estaria completo sem locações espetaculares e Sea of Stars não decepciona nesse aspecto. O conjunto de ilhas que compõem esse mar apresenta culturas diferenciadas, biomas diversificados e locações que nunca cansam o jogador. Dá gosto desbloquear novas regiões e é perceptível o carinho que seus artistas colocaram para ilustrar cada recanto de uma forma única.

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Infelizmente, um dos poucos defeitos de Sea of Stars aparece justamente no layout de seus níveis. Primeiro, nem sempre é fácil identificar na arte pixelada, as três dimensões corretamente e é fácil confundir quando existe um caminho ou quando é só uma parede e nada mais.

Além disso, com mapas que apresentam rotas elaboradas e muitos segredos, é possível perder a visão geral e esquecer que havia algo mais para se explorar. Esse é um defeito que poderia ser facilmente resolvido com um mini mapa. Em contrapartida, o oceano propriamente dito, extremamente fácil de se navegar, possui um mapa que é quase desnecessário. Aqui, uma bússola serviria melhor.

Apesar de não ser um Metroidvania, há partes de Sea of Stars que convidam a uma nova visita, uma vez que alguns poucos caminhos inéditos podem ser liberados com habilidades novas. Entretanto, para quem deseja focar somente na história, o próprio jogo avisa que essas áreas apresentam somente conteúdo opcional, incluindo itens que podem ser tranquilamente adquiridos em lojas ou combos que não são essenciais para as lutas.

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As Muitas Mecânicas de Sea of Stars

A riqueza do universo construído pela Sabotage Studios não se revela somente no aspecto mais criativo do jogo, mas também em suas mecânicas, em suas muitas, muitas mecânicas. Mesmo após dezenas de horas de jogabilidade, o título continua apresentando elementos novos para se dominar e, certamente, esse ritmo suave de aprendizado ajuda a tornar o uso de tantas mecânicas uma tarefa deliciosa e não um fardo.

O combate é aquele basicão de RPG por turnos, porém, com um tempero. Além de decidir a ação dos personagens, o jogador tem a opção de ficar atento e “sincronizar” o momento exato de cada ataque, assim como o momento exato do bloqueio, quando os inimigos atacam. Isso não apenas torna o jogador mais engajado no combate do que normalmente acontece com jogos por turno, como também oferece benefícios: bônus de dano no ataque, redução de dano na defesa e outras vantagens.

É possível jogar Sea of Stars como um título por turnos tradicional, simplesmente ignorando essa mecânica. Também é possível comprar e ativar relíquias que irão facilitar esse processo de sincronia, assim como outros aspectos do jogo. A Sabotage Studios se preocupou em oferecer uma experiência que seja acessível a todos os jogadores, inclusive aqueles que desejam apenas acompanhar a narrativa. É uma escolha pessoal do jogador ativar ou não quaisquer relíquias que tenha.

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Entretanto, senti a falta de relíquias que, na verdade, aumentem a dificuldade. Sea of Stars pode ser considerado um jogo fácil, se o jogador estiver focado e explorar corretamente as habilidades dos personagens e suas sinergias. Curiosamente, a parte mais difícil do jogo para mim aconteceu justamente em uma área que foi projetada para ser assustadora, então imagino que esse desbalanceamento tenha sido proposital. Para jogadores mais experientes em RPGs por turnos, a sensação geral é de que Sea of Stars carece de desafios.

Simpatia é Quase Amor

Se temos um universo coeso e convidativo e mecânicas sólidas e vastas, o que mais faltaria para um bom RPG? Uma embalagem aprazível. Novamente, a Sabotage Studios mostra que domina a arte dos retrô games. Os criadores de The Messenger mais uma vez produzem uma arte que remonta aos títulos do passado, mas também apresentam um frescor e uma riqueza de cores incomuns. Complementando o visual dentro da jogabilidade e o layout criativo de diversos oponentes, o jogo ainda traz cutscenes em animação que são de cair o queixo.

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Uma das modernidades que eles adicionam à pixel art tradicional é o uso expressivo e dinâmico de iluminação. A própria luz também é uma mecânica do jogo, que ainda se integra com os conceitos dos Guerreiros do Solstício, que podem ser lunares ou solares. É uma excelente junção de ideia, implementação e apresentação, o que só mostra como o time da desenvolvedora trabalhou harmonicamente em sua produção.

Por sua vez, a trilha sonora entrega o que se espera de um jogo com um pé na nostalgia: músicas retrôs que grudam igual a chiclete. Novamente, há uma integração que aumenta a imersão desse universo, uma vez que realmente existe uma banda dentro das tavernas que pode tocar as músicas que você quiser da trilha sonora do jogo.

Sea of Stars é daquelas jornadas que você desejaria que nunca tivesse fim, um clássico automático criado com esmero.

Ouvindo: Hideki Okugawa,Marika Suzuki - Transporting Isabela

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