Retina Desgastada
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8 de setembro de 2019

Jogando: RAW - Realms of Ancient War

RAW - Realms of Ancient War 09

Quem disse que um clone de Diablo atrasado dez anos não poderia ser divertido? Provavelmente ninguém que fez parte do brainstorm que deu origem a RAW - Realms of Ancient War. É o único título desenvolvido pela Wizarbox e seu testamento para a história dos RPGs, com um marcador na longa lista de jogos medianos que pegaram a fórmula isométrica-com-loot da Blizzard e tentaram se destacar na multidão. Não se iluda: seus desenvolvedores não conseguiram.

Não há uma mísera gota de genialidade em RAW e, não raro, o jogo flerta com a mediocridade. A história é frágil, para não dizer cômica. O sistema de obter itens é falho e desinteressante, a economia é quebrada, os modelos 3D são apenas adequados, os cenários são locações que você já explorou dezenas de vezes em outros jogos. Não há dublagem e os textos passam mais rápidos do que deveriam. Seus heróis são o clichê do guerreiro sem blusa sarado, a arqueira decotada e o mago meio sinistro.

E, ainda assim, quem disse que não pode ser divertido? Joguei RAW em dupla com meu filho, não exatamente por uma livre escolha. A grande verdade é que não existem muitos RPGs de ação com tela dividida e, enquanto ele não tiver o próprio PC, iremos explorar os meandros dos jogos esquecidos em busca de pérolas ocultas. Não é o caso de RAW, mas o título cumpriu sua função oferecer entretenimento descerebrado para os finais de semana de forma cooperativa.

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A grande verdade é que o jogo prende pelo combate. Não é complexo, mas tampouco é repetitivo. Eu fui de bárbaro truculento para combate de perto, enquanto meu filho mais uma vez optou pela arqueira de ataque de longe. Para minha surpresa, o bárbaro tem vários ataques de área devastadores, o que me salvava de constantemente ter que clicar especificamente em um inimigo. Para deleite do meu filho, a arqueira possuía ataques venenosos e ficava invisível, um combo que ele abusou do início ao fim de nossa aventura. Com uma ampla variedade de monstros e oponentes e situações em que a tela ficava repleta de inimigos, alternar habilidades e distribuir destruição se tornou um desafio viciante.

Se há algo que RAW valoriza e o difere de Diablo é seu poder avassalador. Enquanto no título da Blizzard você, justificadamente, é um pobre e valente herói mergulhando em um abismo de terror e sofrimento onde a morte espreita em cada esquina, em RAW você é praticamente um genocida capaz de derrotar dezenas e dezenas de oponentes, muitas vezes apenas porque estão no seu caminho. Além de armas com poderes especiais (veneno, fogo, eletricidade), ainda existem habilidades desbloqueáveis que podem virar a mesa de todas as batalhas e a possibilidade de possuir inimigos gigantes e espalhar o caos entre os inimigos menores. Como eu disse, definitivamente divertido.

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Desbalanceado é pouco para definir RAW. O que temos aqui são chacinas épicas, realçadas pelo fato de jogarmos em dupla. Claramente, o jogo não foi feito para ser jogado cooperativamente, embora tenha essa opção. Por exemplo, a cada morte, se consome uma Gema da Alma para ressuscitar. Teoricamente, é possível encontrar uma tela de Game Over no caminho. Entretanto, esse consumo só acontece se nossos dois personagens morrerem simultaneamente, o que talvez tenha acontecido quatro vezes em 12 horas de jogo. Resultado: terminamos o RPG com 8 Gemas da Alma sobrando.

Isso também se refletiu em outros momentos. Eu tinha mais de quarenta poções de vida no fim. Ambos já estávamos comprando perícias sem necessidade, para gastar os pontos adquiridos. Era tanto loot disponível para vender que meu filho e eu terminamos com mais de cem mil moedas de ouro cada um, sem ter no que investir. Brinquei que iríamos vencer o último chefe jogando dinheiro nele. Não foi o que aconteceu, mas a batalha final foi resolvida com tanta tranquilidade que nenhum dos dois tombou em combate.

RAW - Realms of Ancient War 02

Os diálogos não davam conta do personagem do meu filho. Não que a história importe aqui. Os desenvolvedores da Wizarbox poderiam ter se omitido nesse quesito, o combate já estava bom, mas eles criaram um enredo óbvio, repleto de clichês e com um lore que não influencia em nada. A reviravolta que acontece no meio da aventura era tão previsível que eu brincava com meu filho: "quem diria que o fantasma ancestral sinistro que possuiu meu corpo iria nos trair?". Na reta final, era necessário convencer os reis dos tais "Reinos em Guerra" do título que nós estávamos em uma missão para banir o Mal. Qual é a melhor forma que a trama encontra para isso? Invadir o castelo de cada um dos reis, dizimar seus soldados, brutalizar sua guarda de elite e, só então, conversar com suas majestades diante da pilha de cadáveres de seu povo e o sangue empoçado. Deve-se desconsiderar também os vendedores nos lugares mais inadequados, como frentes de batalha, cavernas amaldiçoadas e até prisões. Sempre há espaço para o bom e velho capitalismo.

Verossimilhança é algo que não existe em um universo onde você ajuda um bando de anões a enfrentarem demônios para, dez metros à frente, outro grupo de anões avançar para você com sangue nos olhos. Entretanto, acredito que somando todos os abates, matamos mais anões, elfos e humanos que as forças do Mal nesse jogo.

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Só posso recomendar RAW - Realms of War nessas condições: jogue pela diversão, não pela imersão, jogue com um amigo, de preferência um guri de doze anos com sede de aventura, ignore os problemas, deseje descer matando dos céus com uma machadada cósmica ou contaminar todo o campo de batalha com uma nuvem tóxica. Em outros cenários, vá de Diablo mesmo. Ou outro clone. Ou tente um RPG de verdade.

Ouvindo: Emilie Autumn - Bonus Track 2

Um comentário:

Miguel disse...

Esse foi o melhor texto que já li sobre o Raw, finalizei ele a uns 6 anos atrás, tive as mesmas impressões que você teve, mas joguei sozinho. De tempos em tempos eu esbarro em algo do jogo quando estou procurando por alguma notícia de continuação, muito mais pela curiosidade de ver como resolveriam os problemas do jogo em uma segunda edição do que pela vontade de voltar a esse “universo”

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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