Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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29 de junho de 2013

A Verdadeira Face da Monetização

Shokrizade Em toda discussão a respeito das estratégias de monetização implementadas pela indústria dos jogos eletrônicos, sempre surge este argumento: "são empresas, elas precisam ter lucro". Elas poderiam estar matando, elas poderiam estar roubando, mas estão aí monetizando seu jogo favorito. Até que aparece um certo Ramin Shokrizade, auto-definido Designer de Monetização e Economista Virtual Aplicado e explica detalhadamente todas as mais eficientes técnicas criadas pelo Homem para arrancar dinheiro de outro Homem (ou criança). Sem o menor remorso ou mesmo percepção dos absurdos que descreve, Shokrizade pinta um quadro aterrorizante em um artigo no Gamasutra. Vale a leitura na íntegra. Para perder o sono.

O título vai direto ao ponto: "Os Melhores Truques de Monetização em F2P". E o especialista, com anos de experiência e 45 artigos publicados, nos apresenta alguns truques matadores. Destaco os melhores pontos, a seguir, com negrito por minha conta:

Monetização Coerciva

"Um modelo de monetização coerciva depende da habilidade de 'iludir' a pessoa em fazer uma compra com informação incompleta, ou escondendo aquela informação de tal forma que, ainda que ela esteja tecnicamente disponível, o cérebro do consumidor não acessa aquela informação.

(...) Pesquisas demonstraram que colocando mesmo uma moeda intermediária entre o consumidor e o dinheiro verdadeiro, como uma 'jóia de jogo' (moeda premium), torna o consumidor muito menos apto em avaliar o valor da transação."

Qualquer semelhança com certas moedas utilizadas por toda a indústria é apenas teoria aplicada na prática.

Station Cash

"Perceba que enquanto monetizar menores de 18 anos implica no risco de ter refundos, aqueles com idade entre 18 e 25 ainda estão em processo de desenvolvimento cerebral e são considerados legalmente adultos. É improvável que qualquer um dentro desta faixa etária, tendo sido nomeado adulto, vá apelar para a empresa de cartão de crédito por perdão alegando que eles ainda são biologicamente imaturos. Logo, este grupo é uma população vulnerável com nenhuma proteção legal, tornando-os a audiência alvo ideal para estes métodos. Não por coincidência, esta faixa etária de consumidores é também altamente desejável pelas empresas de cartão de crédito".

Moedas Premium

"Para maximizar a eficácia do modelo de monetização coerciva, você deve usar uma moeda premium, de preferência com a habilidade de adquirir esta moeda de dentro do aplicativo. Fazer com que o consumidor saia do jogo para fazer uma compra oferece ao cérebro do alvo mais tempo para perceber o que está acontecendo, diminuindo suas chances de venda.

(...) Adquirir moeda premium dentro do aplicativo também permite o uso de desconto, de tal forma que a moeda premium pode ser vendida por menos por unidade se adquirida em lote. Deste jeito, um usuário que seja capaz de fazer matemática básica (gerenciada por uma parte diferente do cérebro, que desenvolve mais cedo) pode sentir o impulso de 'economizar dinheiro' comprando mais. Quanto mais jovem o consumidor, mais eficiente é a técnica, pressupondo que ele seja capaz de entender a matemática."

Jogos de Habilidade x Jogos de Dinheiro

Candy Crush Aqui, Shokrizade estabelece a distinção entre Jogos de Habilidade (aquele que depende apenas de nossa perícia de jogador para ser vencido) dos Jogos de Dinheiro (aqueles que precisam que uma certa quantia de dinheiro seja gasta para continuar avançando). Naturalmente, jogadores que tem orgulho da camisa preferem o primeiro tipo. Como arrancar dinheiro desta gente? Ele cita o exemplo de Candy Crush, que começa dependendo da habilidade e vai se transformando...

"(...) Os mapas iniciais podem ser completados por quase qualquer um sem gastar dinheiro e eles sobem de dificuldade bem lentamente. Isto apresenta um desafio para as habilidades do jogador, fazendo com que eles se sintam bem quando eles avançam por sua própria perícia. Uma vez que o consumidor já está engajado, o jogo aumenta a dificuldade massivamente, mudando a natureza do jogo para um jogo de dinheiro na medida em que o progresso se torna mais dependente do uso de vantagens premium do que das habilidades do jogador.

Se esta mudança de jogo de habilidade para jogo de dinheiro é feita de forma sutil o bastante, o cérebro do consumidor tem dificuldades para perceber que as regras do jogo mudaram. Se feita com precisão, o consumidor irá gastar progressivamente dentro da presunção de que ainda está jogando um jogo de habilidade e 'só precisa de um pouco de ajuda'."

Remoção da Recompensa

"Esta é a minha técnica de monetização coerciva favorita, porque é simplesmente muito poderosa. Esta técnica envolve dar ao jogador uma recompensa realmente muito grande, que irá deixá-lo muito feliz, e então ameaçar tirar tudo se uma quantia não for gasta".

Para ilustrar o seu argumento, Shokrizade cita o jogo Puzzle and Dragons, mas exemplos não faltam. Em Puzzle and Dragons, você invade masmorras e derrota legiões de inimigos, acumulando recompensas pelo caminho. Mas o chefe final é insanamente difícil. Segundo o autor, "se o jogador estiver na masmorra recomendada para o seu nível então ele tipicamente irá falhar aqui". Se o jogador perder a batalha para o chefe final, irá perder todas as recompensas e a Stamina investida na luta, algo que demora horas para se conseguir. A alternativa? Gastar US$1 para tentar outra vez. Para aumentar a crueldade, isso nem mesmo é uma garantia de vitória, apenas outra chance na luta.

Puzzle and Dragons

Outra forma de Remoção de Recompensa é o número limitado de inventário, quando o jogador recebe mais recompensas do que pode carregar e precisa escolher entre deixar coisas para trás ou comprar mais espaço no inventário (DCUO manda lembranças).

Bloqueios de Progresso

Este tipo de técnica é o mais óbvio para qualquer jogador: ou você paga ou você não tem acesso a determinado conteúdo. Mas Shokrizade nos apresenta formas mais insidiosas deste método.

Geralmente, ao pagar para progredir para outra fase, é escondido do consumidor que mais a frente ele irá encontrar outro bloqueio. E outro. E outro. Uma vez que ele pagou para transpor o primeiro, ele já é qualificado pelo sistema como um gastador. Não é por acaso que a fila para entrar em DCUO só começa a aparecer depois que você atinge o Nível 10: a Sony sabe que se você chegou até este ponto é porque você está curtindo o jogo, logo, está propenso a investir.

Em Clash of Clans, há uma combinação de Bloqueio de Progresso com Remoção de Recompensa. A partir de determinado ponto, você passa a acumular recursos mais rápido do que pode investir. Consequentemente, você irá DESPERDIÇAR recursos! A menos, é claro, que você desbloqueie (com dinheiro de verdade) a construção mais rápida.

Conclusões

Há mais no artigo original, mas o que já vimos até aqui e as conclusões de Shokrizade já mostram a verdadeira face do fenômeno da monetização:

"No mercado atual, especialmente com a maioria dos adultos e crianças sem familiaridade com a natureza destes produtos, o ambiente é ainda propício para lucro rápido, e provavelmente continuará sendo por mais alguns anos".

(Nos comentários, Ramin Shokrizade insiste em dizer que produz somente Jogos de Habilidade, a despeito do que seu perfil no Linkedin sugere ou do teor do artigo - e mesmo de outros comentários)

E ele profetiza:

"Tudo o que eu já vi da EA me leva à conclusão de que a EA está 100% interessada em jogos de dinheiro e irá copiar a King (criadora de Candy Crush) se descobrir como se faz".

Tenha nojo. Tenha muito nojo.

Ouvindo: Mark Morgan - The Vimp Hunt

8 comentários:

Gledson A. disse...

E pensar que isso está vindo por todos os lados, as DLCs estão aí para provar isso.

Cada dia que passa me torno mais um jogador offline do que online. Nunca tive muito gosto por F2P, apesar de ter jogado bastante Blacklight - Retribution e ter testado Warframe. A idéia de ficar pagando para sempre por um jogo nunca me agradou muito também.

Gledson A. disse...

Acho que este é um daqueles momentos em que devo agradecer por ter uma internet com um ping muito alto e por não ter gosto por jogos mobile.

Marcos A. S. Almeida disse...

É muita técnica pra extorquir muitos "patos" fáceis! É só dizer explícitamente "Se você gastar , vai ficar mais poderoso, com a melhor armadura e a melhor arma;se não, irá permanecer como um alvo fácil e lento para os outros!E então, quantos créditos irá comprar?" É simples assim.É uma técnica mais velha que minha avó, a técnica de criar dificuldade pra vender a facilidade.
Na verdade essa declaração não me surpreende nem um pouco.Vocês já devem ter me visto comentar que considero essa indústria, de uma maneira geral, gananciosa e extorsiva.Essa declaração só corrobora com meu ponto de vista.Mas sempre têm aquele que defende dizendo exatamente isso que o Aquino citou ou que um jogo é muito caro pra ser produzido e outros blá,blá,blás.Como em qualquer situação existem as exceções, mas infelizmente são raras.
Gledson, é possível se divertir (muito) em jogos multiplayer on line sem gastar 1 centavo.Em alguns casos só é exigida paciência.Com os mobiles é o mesmo.Ultimamente praticamente 90% de meu tempo com jogos são com multiplayers on line e não gastei 1 níquel pra me divertir.E se chegar ao ponto de um jogo me "pedir" dinheiro , é o momento de eu deixá-lo.Jogos competitivos são os que mais criam essas armadilhas, mas os cooperativos contam com exemplos também, como o Spiral Knights em que você diáriamente têm um limite de "descidas".Se quiser mais,têm que gastar dinheiro.
Obrigado Aquino, por mais essa informação de utilidade pública.

Gledson A. disse...

Eu acho que deve ter bastantes jogos online bem divertidos mesmo, Marcos, que não casem com esse tipo de estratégia, pelo menos não tão descaradamente (só me resta acreditar); o caso é que eu não me dou muito bem com esse tipo de jogo desde dos primórdios da minha existência.

=P

Ainda mais agora que alguns dão "aquele jeitinho" de te deixar infeliz em um jogo. Acho que nasci para o offline mesmo. Talvez um dia, quando tiver uma internet melhor, eu teste alguns mais... Só para ter certeza.

Marcus Gonzallez disse...

Fear the future.

Shadow Geisel disse...

faço coro e me identifico totalmente com o Gledson. mesmo tendo uma conexão razoável, raramente eu jogo online. jogos como Dead Island mesmo eu nem sei como é o multiplayer.
sobre o F2P eu sigo o velho dito popular: quando a esmola é grande demais o pobre desconfia.
sobre DLCs, pouquíssimos me conquistaram. os da Bethesda são um exemplo daqueles que valem a pena, pois ele colocam toneladas de conteúdo e coisas novas pra fazer. chega até a enjoar, e as adições (mais niveis, mais perks...) valem muito o dinheiro investido.

Jimmy Fischer disse...

Achointeressante o modelo que a Valve implantou no DOTA 2(que não é novo).
Jogo AAA gratis onde o lucro provém de itens puramente cosméticos que não influenciam em nada o gameplay.
Você pode gastar mil dólares no jogo que não vai ter nenhuma vantagem sobre quem não gastou um centavos sequer.

Marcos A. S. Almeida disse...

Acho que não é o caso de satanizar os F2P , até porque nem todos são armadilhas para incautos e no meu modo de ver, algo que é de discussão acirrada, os F2P quer queiram quer não, são o futuro da indústria.Não é o único futuro , mas fará parte.Como em qualquer situação , temos os bons e os maus exemplos.Já presenciei o bom mas também o mau e seria "cego" se não enxergasse os maus exemplos como o do texto.Só espero que sejam minoria.

Retina Desgastada

Blog criado e mantido por C. Aquino

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