Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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30 de abril de 2011

Sobre Batatas, Limões e um Pássaro Maligno

"It's been a long time. How have you been?"

GLaDOS

Obra-prima. A única forma possível de descrever Portal 2, com os olhos marejados, ainda lembrando dos últimos minutos fechados no início de uma madrugada de sexta-feira. Não há outra forma.  Fim de postagem.

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Como capturar em palavras a milimétrica perfeição? Saudações à conquista da Valve por aquele que certamente não apenas será o o Jogo do Ano como também o melhor título já criado pela desenvolvedora. Esta também não é somente uma das raras oportunidades em que um jogo e sua continuação entram pra minha lista de favoritos. Outros atingiram esta façanha, como The Suffering e The Suffering: Ties That Bind; Fallout e Fallout 2; Gothic e Gothic 2. Mas Portal é a primeira vez em que um título de minha lista pessoal é ultrapassado por seu sucessor.

Parafraseando minha análise do primeiro jogo, uma empresa qualquer poderia ter se contentado em seguir as fórmulas das continuações: mais desafios, mais dificuldade, mais inimigos, mais vendas. Não a Valve. Portal 2 traz mais humor, mais enredo, melhores gráficos, novos enigmas, maior duração, melhor trilha sonora, melhor dublagem... não há um único aspecto do capítulo original que não tenha sido melhorado, não há um único defeito que possa ser apontado (exceto um bug ou outro, algo que irá sumir com o tempo e as atualizações). É notável que Portal 2 foi feito com paixão e atenção aos detalhes, muitos que poderiam passar despercebido por um jogador apressado: as telas de carregamento são dinâmicas e que também se carregam; as placas espalhadas no cenário que ilustram esta análise, verdadeiras peças raras de humor e arte; os próprios botões do menu que remetem às paredes da Aperture; a torre sentinela "defeituosa" que passa em uma esteira e fala "I'm different". Portal 2 transpira o trabalho de uma equipe devotada.

"Science isn't about why, it's about why not."

Os enigmas envolvendo a Portal Gun continuam lá, assim como as torres de sentinela, os cubos, os botões para serem apertados... O cerne do jogo não poderia ser diferente, ainda que o valor agregado ao núcleo é o que, no final das contas, transforma um conjunto de puzzles em uma experiência inesquecível. Volto a repetir que uma outra empresa poderia ter simplesmente pego os elementos do primeiro jogo, criado um pacote de novos desafios, amarrado tudo com um enredo qualquer, empacotado e vendido. Não a Valve. Há novidades na própria construção dos enigmas. O jogador é apresentado gradativamente a novos elementos que desafiam as leis da física e que, juntos, forjam testes capazes de enlouquecer qualquer mortal. Existem idéias em alguns deles que poderiam sustentar um jogo inteiro sozinhos. Existem idéias em alguns deles que me fizeram repeti-los e repeti-los apenas pelo prazer de desfrutar a sensação de curvar as regras do universo, como uma criança diante de um brinquedo novo. Eu ria de felicidade.

2011-04-28_00005 Anteriormente, o jogador era obrigado a navegar pelas câmaras assépticas e frias controladas por GLaDOS e, por um breve momento, conhecia os bastidores da Aperture Laboratories. Desta vez, a Valve te conduz por um longo passeio por todas as camadas da colossal instalação. Possivelmente, será um dos maiores cenários já vistos em um jogo, seja pelo seu tamanho, seja pelo permanente foco do título em lembrar o quão ínfimo é seu personagem diante de tudo aquilo. Esqueça a Citadel de Half-Life 2. Aqui, a Valve atinge o ápice da arquitetura opressora e usa toda esta vastidão para construir seus desafios. Simultaneamente, toda esta engenhosidade está se decompondo diante de seus olhos, tornando ainda mais perigoso um ambiente que já era hostil para os humanos. É uma paisagem combinada com o poder de evocar sentimentos. Eu oscilava entre o deslumbre diante do engenho da ciência, a tristeza diante de sua decadência e o horror diante do uso equivocado de tanto potencial.

Está claro também que a engine Source evoluiu. Do ponto de vista técnico, os gráficos estão mais nítidos, a carga entre os níveis está mais ágil. E agora temos o uso agressivo de sombras dinâmicas. O grande trunfo de Doom 3 sobre Half-Life 2 no distante ano de 2004 foi superado e existe uma sequência em que Portal 2 faz questão de exibir o seu poder, mostrando também que sombras nunca deixam de assustar os jogadores. Ainda assim, a "nova" Source ainda está muito atrás de monstros visuais como Crysis 2 ou o vindouro Battlefield 3. Nada que uma direção de arte consistente não possa compensar com diferentes estilos visuais e a clara diretriz de ignorar completamente o realismo e construir um universo surreal onde o impossível impera.

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"Make more pre-recorded messages!"

Concluí o jogo em 14 horas, mais do que o dobro da primeira aventura. Ainda que as sessões de jogatina tenham sido espalhadas ao longo dos dias,  a imersão nunca foi prejudicada. Em parte, devido aos cenários envolventes. Mas grande parte disso se deve ao magnífico trabalho de dublagem.

No primeiro jogo, GLaDOS carregava no ombro a tarefa de ser o vilão, o narrador e o alívio cômico da história. Tarefa bem-executada, mas, desta vez, o elenco principal se amplia com dois novos personagens cujas vozes cativam e transbordam humor negro por todos os lados. Dezenas de frases ditas podem e se transformarão em memes nos próximos meses. Fique preparado. Mais do que fontes maniqueístas de frases de efeito, os atores interpretam a complexidade de seus personagens que oscilam entre o patético, o lunático, o malévolo, o tolo e o confuso. Em cada um destes momentos, os dubladores se adaptam e brilham, criando vozes que permanecerão em meus ouvidos por muito e muito tempo.

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Eu admito que a Valve nunca se caracterizou por construir trilhas sonoras memoráveis. Apesar de "Still Alive". Apesar da tensão atmosférica de Left 4 Dead. Mas, com Portal 2, esta pequena falha é corrigida com delicadeza e urgência. Na maior parte do tempo, ela marca sua presença de forma sutil, lá no fundo da cena, como o ar que se respira. Em outros momentos, ela pontua a velocidade da ação e injeta adrenalina no ouvido, acelerando suas reações. E em outros, a música é a condutora, como na impressionante e inevitável cena do retorno de GLaDOS. Você sabe que a inteligência artificial assassina do primeiro jogo vai voltar, você sabe qual será o momento, com minutos de antecedência. E ainda assim... a música, ela congela sua espinha, ela empresta uma dramaticidade macabra àquilo que o jogador deveria estar preparado.

E, claro, Portal 2 também termina com música. Não da forma que você está imaginando. Na conclusão, a surrealidade invade de vez o espaço do jogo e seus olhos e ouvidos não acreditam no que estão testemunhando. Tudo que Portal 2 significa enquanto arte pode ser resumido na cena final: deliciosamente bizarro, assustadoramente doce.

"I'm Not a Moron"

Humor e jogos eletrônicos tem uma longa tradição. Uma longa tradição que poucas vezes funciona. Com o passar dos anos, eu fui criando resistência ao humor. Cenas e situações que me fariam chorar de rir na adolescência, agora me causam enfado. Cenas e situações que me fariam rir dez anos atrás, hoje no máximo criam um sorriso em meu rosto. E os últimos meses tem sido agitados profissionalmente e repletos de preocupações. Se Amnesia – The Dark Descent devolveu o medo do escuro ao meu coração, Portal 2 colocou o riso de volta em minha boca. Gargalhadas, gargalhadas histéricas.

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A princípio, sufocado pela avalanche de risos despejada em minha cabeça em velocidade absurda, eu acreditei que estava diante de um jogo cômico. Não poderia estar mais errado. Portal 2 tem melancolia em altas doses, grandes revelações sobre a Aperture Laboratories, Chell e GLaDOS. O enredo tem reviravoltas, muitas delas previsíveis, outras não. Em certos momentos, talvez o ritmo seja prejudicado pelos enigmas. Mas, ficar impaciente com um desafio porque você deseja conhecer o próximo fragmento da história secreta dos personagens é um nítido sinal de que os escritores se superaram desta vez e a trama suplantou a jogabilidade.

Diversão, drama, jogabilidade viciante, trilha perfeita, personagens inesquecíveis, cuidado com os detalhes, paisagens de tirar o fôlego: perfeição. Ao final de tudo, restam muitas perguntas sem respostas, muitas possibilidades abertas e a sensação de que você foi testemunha de um evento na história dos jogos eletrônicos. Mesmo que não faça sentido. Ou justamente porque não faça sentido.

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Ouvindo: Lacrimosa - Tränen Der Existenzlosigkeit

8 comentários:

NevesZerg disse...

Um dos melhores, senão o melhor jogo que já passou na tela do meu PC.

Bruno disse...

Hahaha!
Tinha certeza absoluta de que também o consideraria uma obra de arte.
Não sei se isso também funciona p/ vc, mas colocar um dublador com sotaque britânico o deixou ainda mais engraçado e carismático. P/ mim, sotaque britânico deixa vozes femininas mais sexy e vozes masculinas mais engraçadas. Talvez por ser fã de Monthy Python, sei lá.

Agora, também concordo que Portal 2 é o melhor jogo do ano até agora. Mas não esqueça que ainda vai sair Deus Ex 3 e Mass Effect 3 este ano.
Lógico, será muito, muito difícil estes jogos superarem todos os fatores que citados sobre Portal 2 e a harmonia entre todas as qualidades do mesmo. Mas mesmo assim... Estamos falando de Deus Ex 3 E Mass Effect 3. Pode sair uma briga feia aí pelo título de melhor jogo do ano.

LocoRoco disse...

Na leitura de sua análise só pensei em uma coisa, Hype. Respeito muito suas opiniões e as levo muito em consideração, mas dessa vez fiquei com o pé atrás. Eu nem sei como desenvolver esse comentário, porque não quero que pareça uma crítica babaca, mas sua análise acabou, de certo modo, me incomodando. Seu post, na minha opinião, ficou "hypado" demais ou a emoção se confundido muito. Não sei. Mas dessa vez não poderei dar em sua crítica o valor que costumo dar.
Que fique claro que não estou desmerecendo Portal 2, que ainda não joguei, mas pretendo jogar. Como dito, não entenda esse comentário como uma crítica, mas uma observação, um comentário realmente.
Um abraço e sucesso.

C. Aquino disse...

Valeu pelo comentário, Locoroco. É difícil escrever sob o efeito bombástico poucas horas depois de jogar um título que você sabe que é muito bom. É possível que um excesso de euforia tenha vazado para o texto... Mas não se trata de hype! Hype é aquilo que te faz comprar o jogo na semana de lançamento, ao invés de esperar a inevitável queda de preço (que já aconteceu em várias lojas). Hype não sobrevive a uma jogabilidade ruim, um filme mal-dirigido ou uma história tosca. Eu sei porque já passei várias vezes por decepções em relação a obras que eu aguardava muito. E o hype ainda pode ser uma faca de dois gumes, aumentando suas expectativas exageradamente. Pode ficar tranquilo que estou consciente que não é hype que está presente no texto. É a adrenalina turvando um pouco o foco. Mas acredito que até mesmo essa distorção faça parte do espírito da análise. E você ainda vai jogar Portal 2...

Anônimo disse...

Como eu costumo dizer, só te medo de hype quem tem medo de não conseguir formar uma opinião própria. (E depois dessa linha cruzada entra o que o Aquino disse: hype não sobrevive a material ruim).

É igual propaganda: só quem tem medo de ser influenciado por ela fica balbuciando sobre o quanto ela pode ser desonesta.

LocoRoco disse...

Não concordo em falar que não existe hype quando se joga, que ele fica lá "fora", que faz parte apenas do pré-jogo. A empolgação e expectativa que se vai influencia. Mas não só nos jogos como outros entretenimentos, principalmente cinema. Eu acompanho vários sites de cinema e os filmes do capitão américa e lanterna verde sempre são bombardeados com imagens da roupa, trailers, marketing e com notícias inúteis que só aumentam a expectativa de algum modo. O que aconteceu com o portal 2 nesses últimos meses não foi diferente disso. Talvez o hype não salve um jogo ruim, mas em um jogo mediano, quem sabe? Cinema está cheio disso, vendo que já tem uma "critica consolidada", quem diria o video-game. Alguém se lembra de um jogo supervalorizado?
Não acredito que seja medo, é uma coisa que acontece. Quem nunca viu um filme empolgado, e depois de um tempo reviu e percebeu que não era tão bom.

Lembrado que não estou criticando o jogo portal 2, muito menos o Aquino.
Valeu

.jaco disse...

"clap... clap... clap..."

a Valve se superou.

Se eles se empenharem em trazer a mesma dedicação a série Half Life no EP 3...

Luis Felipe Vitte Soligueti disse...

Portal 2 realmente é um grande jogo, me lembro que quando comecei não estava gostando tanto, mas dps da metade, não conseguia parar de jogar! Enquanto Portal era minimalista, Portal 2 é ambicioso e apresenta coisas que tornaram o jogo ainda melhor. É realmente um jogo incrível, mas, por alguma razão, eu prefiro o primeiro. O segundo, na minha opinião, por ser mais longo, demora mais para engrenar, ficando realmente viciante só após a metade. Ótimo post!

Retina Desgastada

Blog criado e mantido por C. Aquino

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