Retina Desgastada
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11 de junho de 2022

Jogando: Silt

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(publicado originalmente no Gamerview)

Sabemos mais sobre planetas distantes do que sobre as profundezas de nossos próprios oceanos. Os mistérios da escuridão oceânica nos fascinam, assim como suas criaturas exóticas. O que Silt faz é nos convidar para um mergulho curtíssimo mas inesquecível nas regiões abissais de uma estranha realidade.

O título é um trabalho que estava em desenvolvimento na Spiral Circus Games, desde sua fundação em 2018. Com apenas quatro profissionais, o time debuta na indústria com uma declaração de amor ao inexplicado.

O Segredo do Abismo

Tentar explicar Silt é uma tarefa que nem os desenvolvedores ousaram fazer, porém farei um esforço para jogar uma luz nessas trevas abissais. Você controla um mergulhador em águas que definitivamente não pertencem a nosso mundo, em um cenário que parece a versão subaquática de Limbo, no sentido em que o visual se restringe a tons de preto e branco e no sentido de que praticamente tudo deseja sua morte nesse ambiente hostil.

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Não nos são dados nem objetivos, nem direções. Nos libertamos de nossos grilhões no começo do jogo e precisamos encontrar um sentido em tudo isso. De acordo com a descrição do jogo, existem titãs nas profundezas cujas almas irão alimentar uma misteriosa máquina colossal. É tudo que temos. Nada é apresentado dentro do jogo e esse simples fragmento de contexto aparece única e exclusivamente na página do Steam.

Se Silt não se preocupa com um enredo, suas mecânicas capturam nossa imaginação. Nosso mergulhador tampouco pertence ao mundo dos homens. Ele possui o dom de projetar sua alma para dentro do corpo de algumas das criaturas desse bizarro oceano. Com as habilidades desses seres, será possível solucionar puzzles em meio a um labirinto sombrio, para não dizer lovecraftiano. Alguns desses seres são capazes de destruir obstáculos, uma arraia alienígena tem a habilidade de executar pequenos teleportes, um cardume de peixes irá dar a vida de sua coletividade por sua causa.

A combinação desses esforços servirá para desbravar locações surreais que misturam o orgânico e o mecânico entre o que parecem ser as ruínas de uma civilização de homens-animais, há muito tempo engolida por um Dilúvio ancestral. Predadores de todo tipo se colocarão no seu trajeto e algumas mortes perturbadoras aguardam nosso protagonista.

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E, claro, existem os quatro Titãs…

Já Acabou?

O design de algumas dessas criaturas parece delírios saídos da mente da desenvolvedora Amanita ou os últimos delírios fúnebres de um desafortunado que experimentou o cogumelo amanita.

É na luta contra esses Titãs que Silt atinge seu ápice. É preciso utilizar a inteligência, entender o ambiente, para atrair os monstros para seu triste fim e isso geralmente envolve múltiplas etapas de controle de diferentes animais marinhos. Felizmente, seus desafios não são muito exigentes ou complexos, nada que interfira com o fluxo da aventura, as respostas parecem quase instintivas como se você tivesse passado uma vida nessa escuridão caçando bestas primitivas.

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O que realmente atrapalha o fluxo em Silt é a resposta imprecisa dos comandos. Passei uma parte frustrante do meu tempo tentando atravessar um mapa que pedia reflexos apurados em sucessão, por que a tecla selecionada para executar a habilidade que eu precisava usar respondia somente quando ela queria ou com atraso. Embora a maioria dos puzzles possa ser resolvida de forma ponderada, no único ponto em que o jogo demanda por agilidade, a falha do comando é perceptível e desgastante.

No PC, o jogo ainda apresenta uma outra dor de cabeça: o esquema de controles pode ser configurado ao seu gosto, entretanto seus ajustes não são salvos de uma sessão para a outra. É um erro tolo que poderia ser corrigido por um patch pós-lançamento e eu aguardei para ver se a Spiral Circus Games faria isso. Dois dias depois e nada: eu era obrigado a reconfigurar os controles para minha preferência a cada nova partida.

Porém, se eu tiver que apontar o problema mais grave de Silt, esse certamente será sua duração: em menos de três horas conclui minha jornada, computando meu longo período empacado na mesma fase e minhas pausas para tirar fotos e apreciar seus estupendos ambientes. É possível terminar o jogo em uma hora, pegando todas as conquistas, se você souber o que precisa ser feito. Vencidos os quatro Titãs, somos apresentados a uma cutscene e sobem os créditos.

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Silt Não Veio Para Explicar, Veio Para Confundir

Esse é um jogo para um público muito singular, capaz de enxergar o belo no grotesco, as cores nas trevas e que não se importa com as respostas, apenas com as perguntas. Ainda que a desenvolvedora afirme que você irá descobrir os segredos das profundezas, o final é interpretativo: cada um poderá chegar a uma conclusão diferente sobre o que aconteceu, sobre esse mundo e sobre seu papel no final.

A maior parte do charme intrigante de Silt pode ser creditado às artes desenhadas à mão de Tom Mead, um dos integrantes do Spiral Circus Games. O artista plástico possui um olhar perturbado que resgata o horror inerente dos contos de fadas ao mesmo tempo em que brinca com o extraordinário. São muitas histórias contidas em uma única tela que, no entanto, não vem à tona.

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A essa arte, soma-se uma trilha sonora que consegue nos arrastar para esses abismos durante o curto tempo que dura nossa jornada. São sons que não chegam a ser uma música exatamente, mas formam a trilha perfeita para naufrágios, estruturas anciãs e golias pelágicos.

Há algo de fascinante nos oceanos desconhecidos, uma mágica que já vimos antes em Barotrauma, Anoxemia, SOMA e, em certa medida, em Subnautica. Somos atraídos para a escuridão de Silt como presas indefesas de um daqueles peixes com bioluminescência. Saímos do jogo confusos, mas encantados, com a sensação de termos encontrado uma pérola no meio das trevas.

Ouvindo: EMF - Getting Through

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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