Retina Desgastada
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9 de abril de 2022

(não) Jogando: Beholder 3

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(publicado originalmente no Gamerview)

O principal problema de qualquer visão distópica do futuro é que ela pode cansar e perder seu efeito pela repetição. Pode chamar de normalização, se preferir, mas o choque e o espanto perdem o efeito ao longo do tempo. Esse é o principal defeito de Beholder 3: tentar trazer de volta o impacto do primeiro título, sem sucesso.

Mecanicamente e narrativamente, é o mesmo jogo, com algum polimento nos gráficos e nos controles. Em contrapartida, o terceiro título da franquia entrega um lançamento lotado de bugs (que foram corrigidos, em sua maioria, após um mês) e graves problemas de performance.

Ciclo Sem Fim

Se alguém afirmar que jogos e política não se misturam, ria copiosamente e aponte títulos como This War of Mine, Papers, Please e, sim, Call of Duty, embora por outra perspectiva. Fazer minha estreia no Gamerview com Beholder, logo após o controverso impeachment de Dilma Rousseff, foi um "soco no estômago", repetindo minhas palavras. A Warm Lamp Games, uma desenvolvedora não apenas russa, como especificamente da Sibéria, sabia do que estava falando e nos trazia um simulador de ditaduras, um corajoso olhar sobre como pessoas normais podem se render fácil às armadilhas da opressão em nome da sobrevivência. Afinal, o sonho do oprimido é se tornar o opressor.

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A mesma Warm Lamp Games revisitaria seu universo com Beholder 2, que também caiu em minhas mãos. A primeira continuação já parecia desnecessária dada a força do título original e sua conclusão. Entretanto, o estúdio fez um esforço significativo para trazer ideias novas para a jogabilidade e lançava ali um simulador de burocracia, enfadonho, mas ainda cativante.

O que nos leva à volta completa: Beholder 3 repete letra a letra a trama do primeiro jogo e suas mecânicas. Desta vez, a Paintbucket Games assume a sequência, sob encomenda da produtora Alawar. Ao invés de trazer um novo sopro ao cenário, eles se limitam a (mais uma vez) ignorar o final do jogo anterior e recomeçar o ciclo. Novamente, controlamos um funcionário do governo que caiu em desgraça e tem uma nova chance, assumindo o papel de síndico de um edifício, a desculpa perfeita para monitorar seus moradores, denunciar suspeitos e obedecer ordens do Estado.

Tudo que já foi visto antes está aqui: a necessidade de se instalar câmeras, os diálogos furtivos, as requisições cada vez mais pungentes de sua própria família, novas orientações que chegam pelo telefone, micro gerenciamento de recursos e expectativas, assim como escolhas cruéis que irão selar o destino de seus personagens e a sombra permanente do líder supremo.

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Depois de exaustivas horas repetindo tarefas que te levam de volta a caminhos já trilhados, o jogo despeja uma nova rodada de responsabilidades, desta vez pegando inspiração no trabalho fora de casa do segundo jogo. O resultado final é um simulador de burnout que irá agradar somente aos mais masoquistas: é como jogar o primeiro e o segundo jogo simultaneamente em dois monitores.

Beholder 3 Pode Ser um Bom Ponto de Partida

Se pareço mal-humorado nessa análise é porque já estive ali antes e me entristece ver um título tão feroz e impactante ser transformado no que parece ser uma vaca leiteira para a produtora. Parte de sua originalidade, para não dizer honestidade, parece perdida no processo.

Contudo, se Beholder 3 é sua primeira incursão nesse universo, seja bem-vindo ao horror. Todas as qualidades do primeiro jogo foram preservadas nesse, ainda que me pareçam atenuadas de alguma forma. Sua vida está constantemente no fio da navalha das suas decisões, pessoas inocentes irão pagar o preço de sua falta de opção ou de sua covardia, o medo do Estado policial está em toda parte, na forma de regras obtusas e a constante ameaça de se tornar um "desaparecido".

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O estilo visual segue o segundo jogo: mais atenuado, menos perturbador, mas tecnicamente mais límpido, com texturas melhores. A trilha sonora continua à altura da franquia. Portanto, a atmosfera pesada de imersão não foi alterada: você se envolve com esse mundo, seus personagens, sua família, teme por eles, se arrepende por eles, enquanto qualquer ilusão de controle se esvai por entre seus dedos como grãos de areia.

Por outro lado, se você jogou os anteriores, a comparação é inevitável: Beholder 3 traz personagens menos complexos, uma história mais linear e possui menos brilho. A adição desconectada de elementos de humor aqui e ali só piora a impressão que fica.

Emperrando a Máquina

Em seu lançamento, o título da Paintbucket Games peca em outro aspecto que seus antecessores não erraram: bugs. Beholder 3 foi lançado com uma quantidade significativa de erros, inclusive becos sem saída que impediam a conclusão da conclusão da história. Até mesmo o sistema de reportar falhas estava com defeito, devolvendo o jogador para a tela inicial.

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Eu aguardei ao máximo para sentar e escrever essa análise. Nesse período de um mês, a desenvolvedora lançou nada menos que sete correções. Embora a maioria das falhas graves tenha sido corrigida, pequenos problemas ainda existem.

Infelizmente, o maior defeito não foi corrigido até agora: performance. Executado em tela cheia, na resolução do meu monitor (modestos 1920×1080), Beholder 3 consome 95% do processamento de minha GPU para exibir esses gráficos simples que vocês veem nas capturas de tela. A temperatura sobe a níveis vulcânicos. Fui forçado a jogar em modo janela com baixa resolução, lembrando de alterar somente para tirar fotos. Não é de esperar que todo jogo seja um prodígio de otimização como o majestoso Chernobylite, mas exigir tanto da placa gráfica para um título que lembra um Flash Game é desgastante.

Não tenho mais qualquer expectativa para um eventual Beholder 4. Embora continuações costumem oferecer oportunidades de explorar novas visões do mesmo universo e enriquecer uma obra, Beholder 3 sobe no ombro de gigantes e nada mais.

Ouvindo: Megradrive - Acid Spit

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