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1 de dezembro de 2021

Eu Vi: Free Guy: Assumindo o Controle

free-guyMinha expectativa sobre Free Guy: Assumindo Controle era extremamente baixa graças a alguns recortes vexaminosos soltos na internet fora de contexto. Dentro de contexto, eles continuam vexaminosos, mas não estragaram o prazer de descobrir um filme sobre jogos eletrônicos que se esforça sinceramente para superar suas próprias limitações e quase atinge todo o seu potencial em diversos outros momentos, que superam as cenas constrangedoras.

Buscando inspiração em obras como The Lego Movie, Detona Ralph e até mesmo O Show de Truman, Ryan Reynolds estreia como Ryan Reynolds em uma obra que busca questionar a realidade (algo que o próprio ator já fez com muito mais talento e genialidade no obscuro Número 9 - não receba spoilers deste, por favor). Free Guy poderia ter optado por uma rota bastante óbvia e conveniente de celebração da cultura gamer e claramente não faltou verba para seguir por esse caminho. O CGI aqui beira o impecável. Porém, desafiando tudo que esperava desse filme e tudo que foi alardeado através do marketing, o longa comete o pecado supremo de tentar fazer o espectador pensar e nem mesmo é nas entrelinhas.

A divulgação do filme criou um simulacro de comédia de ação que seria um tributo aos jogos multiplayer no estilo Grand Theft Auto Online, a isca perfeita para recuperar seus investimentos e atingir uma ampla audiência, mas, ao mesmo tempo, afastar uma outra parcela de potenciais espectadores. O que a história entrega é um produto que pode decepcionar alguns e, ironicamente, cativar quem não dava nada pela obra. Essa evidente dicotomia consegue desagradar, em algum tempo, todos os espectadores possíveis.

Free Guy tem seus momentos hilários e, de fato, essa parece ser a atmosfera geral. Entretanto, em seu âmago reside um filme de ficção-científica com questionamentos importantes, ainda que breves, sobre o conceito de realidade e auto-conhecimento. É perceptível que se apoia com força, mas menos habilidade, em O Show de Truman, inclusive em sua sequência final e a necessidade de se buscar o mar como saída (algo que também se vê no soturno Cidade das Sombras). Além disso, Free Guy também esconde uma bela história de amor, bela justamente por não ser esfregada na cara do espectador e magnífica em sua sutileza.

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A ação no filme é burlesca, um pastiche de títulos hiperbólicos como Velozes e Furiosos ou Matrix, que parece não se decidir entre ser uma referência ou ser uma sátira e o resultado é que acaba não empolgando. Essa característica é reforçada pela própria trama, que afirma a todo momento que reconhece o ridículo de suas sequências de ação. É difícil avaliar se foi proposital ou um equívoco a "batalha de chefe" na conclusão da história, tão lotada de piadinhas e easter eggs que parece perder o foco da trama, até seu instante finalizador, quando o inimigo "abre os olhos" para o mundo ao seu redor, vencido não pela força, mas por um despertar.

Por último, nem mesmo a conexão com os jogos de ação frenética é autêntica. Basta prestar atenção na história para se dar conta de que Free Guy é uma crítica aos AAA descerebrados, um dedo na ferida na comunidade gamer em todas as suas vertentes (desde a criançada desbocada até o adultescente loser que vive com a mãe, passando pela cultura deslumbrada do streaming e suas tendências), e uma proposição de que essa mídia pode ser algo mais do que ela é atualmente, um ambiente de evolução para narrativas e personagens. É evidente que a mensagem se perde, quando temos a participação de tantas celebridades dessa mesma cultura no filme.

É preciso talento para se equilibrar tantos elementos díspares na tela, como se houvesse um cabo de guerra entre aquilo que os produtores gostariam de colocar no mercado e aquilo que os realizadores gostariam de passar para o público, o que, de certa forma, transparece até mesmo dentro do enredo. Para cada situação que poderia transcender para ser marcante, vislumbres de genialidade refletidos em outras superfícies, há uma cena constrangedora equivalente. É um "quase lá" dos filmes de metalinguagem sobre jogos eletrônicos, mas isso já basta para colocar Free Guy acima de todos os outros que vieram antes dele, sejam Detona Ralph (e principalmente sua vergonhosa continuação), Jogador Número Um, Pixels e etc.

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Ouvindo: Midnight Oil - Dust

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