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23 de outubro de 2021

(não) Jogando: Forza Motorsport 7

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Se você quiser comprar Forza Motorsport 7 hoje, você não irá conseguir. Apesar do título ter sido lançado em 2017, um intervalo de míseros quatro anos, a Microsoft decidiu remover o produto do mercado. Muito provavelmente está relacionado a licenciamento de marcas de veículos ou músicas, porém, mesmo assim, soa como uma decisão burocrática e injusta, uma vez que o jogo, enquanto obra cultural, deveria permanecer acessível para gerações futuras e, enquanto jogo propriamente dito, continua apresentável e fascinante. Seu sucessor direto, Forza Motorsport 8, não chegará nas prateleiras até 2022, talvez 2023.

Entretanto, a Microsoft anunciou o encerramento da vida útil do jogo com bastante antecedência e taxou um desconto caprichado nessa reta final. Uma vez que eu nunca havia experimentado nenhum jogo da franquia e apenas observava em vídeo seu potencial gráfico exuberante, senti que havia ali minha última chance. Estaria ao mesmo tempo preservando uma parte da história dos jogos de corrida e conhecendo uma de suas mais importantes séries. Parecia uma barganha, ainda que o valor final de cinquenta reais fosse bem acima da média que eu costumo pagar em qualquer título.

Então, disparou nesse momento uma armadilha em meu cérebro: se eu havia pagado em Forza Motorsport 7 mais do que o normal, eu deveria não apenas instalá-lo imediatamente (ao invés de relegá-lo ao backlog, como tantos outros jogos que também custaram caro, mas um pouco menos) como também usufruir de tudo que ele tinha a oferecer, para recuperar o valor investido. Não percebia até então que estava despencando no abismo da falácia do custo irrecuperável.

Acelera na Reta, Reduz na Curva

Forza Motorsport 7 tem a pretensão de ser a experiência de direção definitiva e não tenho dúvidas de que ele entrega. O volume de veículos disponível é assombroso, uma orgia automotiva com diversos fabricantes e modelos reproduzidos de diferentes eras com detalhes mecânicos impressionantes. Ao jogador, cabe a tarefa de colecioná-los, explorá-los, testá-los e customizar cada aspecto mecânico ou estético. Nem mesmo Jeff Bezos conseguira saciar seus sonhos de colecionador com tamanha extravagância. É um Pokémon em quatro rodas com requintes de elegância. Pode parecer sufocante às vezes.

Para quem não se importa tanto assim com esse aspecto acumulativo, Forza Motorsport 7 também oferece gráficos fantásticos, certamente o jogo de corrida mais bonito a passar por essa máquina. Sua tecnologia visual se destaca de forma ainda mais esplendorosa nos efeitos climáticos. A chuva no meio da corrida consegue um nível de realismo poucas vezes encontrado em qualquer título, independente do gênero. E, quando você está a 300 quilômetros por hora em uma pista molhada, com os trovões retumbando e a chuva molhando seu para-brisa, a sensação de perigo iminente é palpável e a adrenalina pulsa.

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Minha única captura de tela...

Felizmente (ou infelizmente), a jogabilidade de Forza Motorsport 7 é suave, com uma série de assistências que podem ser aplicadas na direção e que permitem até o mais desastroso piloto brilhar na pista. Enquanto a Inteligência Artificial se retrai nas chuvas, eu acelerava, tomado por uma ousadia que era justificada pela mão amiga da Microsoft segurando meu veículo no chão. A certeza de que minha velocidade iria se transformar em um acidente fatal era apaziguada pela intervenção divina. É uma abordagem quase literal de "Jesus no comando" porque o jogo até permite que você retroceda no tempo e refaça uma manobra que deu errada.

Por outro lado, essa mesma facilidade esvazia por completo o senso de desafio. Não há punições para seus erros, não há qualquer incentivo para eu me tornar um piloto melhor. Considerando que não sou o melhor jogador de jogos de corrida que existe (e já deixei isso bem claro em outras análises similares), acabei me acomodando com essas muletas. Ao contrário de perseverar, como fiz em todos os Need for Speed que completei, por exemplo, aqui eu apenas desfilava, enfileirando corrida após corrida, terminando por terminar. Afinal, havia muito conteúdo para se ver e eu precisava justificar meu investimento.

Em Forza Motorsport 7 é até possível desligar todas ou a maioria das assistências. Entretanto, na única vez que testei essa modalidade, fui atingido pela minha própria incompetência em pilotar um simulador. Sem esses recursos, o título da Microsoft não é arcade, mas um simulador brutal igual a vários outros que deixei no caminho. Voltei para meu cantinho confortável, me sentindo menos capaz e, ironicamente, não menos frustrado.

O jogo utiliza o conceito de drivatar, ou seja, a concepção, provavelmente fruto de marketing, de que cada piloto que você encontra no caminho é o perfil virtual de outro jogador, uma Inteligência Artificial baseada no estilo daquele jogador quando ele traçou aquela pista. Claramente é um engodo, porque a cada vez que eu abria o jogo eu era notificado de que meu drivatar, meu "eu sintético" nas pistas, estava conquistando corridas mundo afora e gerando pontos para mim.

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Passar a mão na cabeça do jogador é o princípio de Forza Motorsport 7. Esse viés é repetido na narração condescendente, que tenta apresentar nosso piloto como um gênio das pistas. Ele também aparece no simples fato de que não é importante ganhar o pódio em nenhum dos campeonatos que o jogo apresenta. Basta completá-los e o jogador receberá os pontos necessários para avançar para o próximo desafio. Em outras palavras, a Microsoft deseja manter o jogador no loop, adulando seu ego, transformando-o em um colecionador de veículos e, quem sabe, um possível comprador de seus DLCs ou um novo fã da franquia.

Eu me vi preso nessa roda por bastante tempo. Primeiro, porque o jogo é feito nessa direção. Segundo, porque cinquenta contos são cinquenta contos. Levei talvez duas dezenas de horas para perceber que as corridas eram todas muito parecidas. Não há uma variedade tão grande assim de pistas, um princípio básico de um bom jogo do gênero. E, mecanicamente, as regras eram as mesmas para mim: reduzir drasticamente nas curvas, ao ponto de perder a sensação de velocidade, e acelerar agressivamente nas retas, uma vez que os competidores, sem exceção, tem carros mais lentos que o meu. Se tornou uma fórmula, que variava levemente de classe de veículo para veículo, alguns mais sensíveis nas curvas, com menor aderência.

A epifania que me atingiu é que eu não estava realmente pilotando. Era a mão da Microsoft me conduzindo. Por outro lado, se eu largasse aquela mão, Forza Motorsport 7 se tornaria um martírio. A única forma de me libertar desse ciclo seria desinstalando. Havia chegado na metade da trilha de campeonatos que o jogo oferecia e já me sentia exaurido.

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Meu drivatar vai continuar por aí aprisionado nesse purgatório digital eternamente, ou, pelo menos, até a Microsoft desligar seus servidores, o que deve acontecer bem cedo, a julgar por sua decisão anterior de remover o jogo das lojas. Da minha parte, fico agora com a sensação de que aqueles cinquenta reais poderiam ter sido empregados de uma forma melhor mas a tranquilidade de que não seria enganado novamente com outro Forza.

Ou será que Forza Horizons é diferente? Terei que conferir um dia...

Ouvindo: AlienHand - Liquid Space

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