Retina Desgastada
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4 de outubro de 2020

Jogando: Firewatch

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Henry tomou decisões erradas em sua vida, como qualquer um de nós. Henry também foi atingido por uma tragédia deveras dolorosa, uma carga da qual nem sempre podemos escapar porque a vida é composta também por eventos que não podemos controlar, incluindo os ruins. Fugindo de si mesmo e de seus problemas, Henry buscou refúgio no mais escondido dos recantos de uma América ainda selvagem. Se ele irá encontrar ou não respostas ou a paz que tanto deseja irá depender das ações do jogador em uma aventura que mistura medo e poesia, beleza e ainda mais dor em doses muito bem equilibradas.

Seja bem vindo ao seu posto em Firewatch.

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O título de estreia da Campo Santo é tão surpreendente e instigante que o estúdio se tornou a primeira aquisição da Valve depois de anos. A gigante criadora do Steam tem um faro apurado para desenvolvedoras criativas e novas ideias e não deixou escapar essa oportunidade.

O que a Campo Santo consegue com Firewatch é apresentar uma revolução no tradicionalmente chamado "walking simulator". Nosso protagonista Henry está isolado no post de vigia de Two Forks, no meio de uma vasta e enigmática floresta. Sua função, durante semanas e semanas, é monitorar o início de incêndios e alertar as autoridades. Entretanto, nem ele nem o jogador podem conceber a complexidade da trama que irá se formar ao seu redor e quão fundo ele irá mergulhar nesse território e nos habitantes com quem ele divide o espaço.

Firewatch acaba flertando de leve com o survival horror e posso dizer sem medo de estar mentindo que é a mais perfeita simulação de paranoia já concebida em um jogo que não envolva outros jogadores. Isso é possível graças a diálogos muito bem escritos e muito bem executados, inseridos em uma narrativa envolvente com diversas reviravoltas.

É extremamente complicado adivinhar o que irá acontecer a seguir e boa parte do jogo acaba rodando nas engrenagens do seu cérebro. Entendi a proposta da Campo Santo em colocar o protagonista para andar pela vastidão, com longos intervalos em que "nada acontece". É o tempo necessário que a desenvolvedora oferece para o jogador se perder em suas próprias elucubrações enquanto a atmosfera ora opressora, ora mágica do parque nos envolve como um abraço de um personagem fantasma.

Já tive a oportunidade de vagar por campos e florestas no mundo real sozinho com meus pensamentos e é reconfortante ver essa experiência reproduzida de forma eletrônica com tanta perfeição. Esse apelo me fazia voltar a Firewatch, noite após noite, para uma sessão de uma hora, até concluir o jogo.

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Não é necessário fotorrealismo para atingir esse objetivo e a Campo Santo complementa sua imersão com aquilo que é uma tela viva de cores saturadas e um sistema dinâmico de passagem do tempo. Visualmente, Firewatch é tão delicioso para os olhos quanto é para a mente. Há algo próximo da feitiçaria na forma como a desenvolvedora consegue induzir o jogador na direção correta e, ainda que seu mapa não seja um mundo aberto mas uma sucessão de corredores, o efeito obtido é de liberdade. Sua trilha sonora completa a sinestesia, pontuando com precisão os momentos de tensão e os períodos de tranquilidade, com a habilidade de um maestro.

Entretanto, removendo a excelência de todos os seus aspectos técnicos, Firewatch continua sendo um jogo brilhante no seu ponto mais forte: o aspecto humano. Não é fácil recriar paranoia, mas tampouco é fácil recriar a sensação de amizade, a sensação de abandono e moldar uma das cenas mais tristes da história dos jogos eletrônicos, tudo isso em um único título. Tudo isso é obtido através de conversas, fragmentos de informações encontradas e quase zero interações diretas com outros personagens.

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E, mesmo na solidão absoluta, Henry não está sozinho. Ele veio para cá, procurando se distanciar de tudo e de todos e reencontrou a sua própria Humanidade perdida.

Ouvindo: Lonnie Johnson - No More Women Blues

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