Retina Desgastada
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21 de julho de 2018

Pensem nas Crianças!

(publicado originalmente no Gamerview)

roblox

Um incidente extremamente desagradável dentro da plataforma de jogos Roblox aconteceu no final de junho e ganhou manchetes na imprensa mundial: o "estupro coletivo" do avatar de uma jogadora de sete anos de idade.

O relato foi feito por Amber Petersen, mãe da menina em uma postagem no Facebook, onde ela narra que a criança estava jogando um dos inúmeros títulos disponíveis em Roblox no iPad da mãe quando foi confrontada com uma ação inesperada de um trio de jogadores desconhecidos. A menina teria mostrado o que acontecia para a mãe, que ficou chocada ao identificar que se tratava de um ataque sexual contra o avatar da filha, afastando a criança de perto e passando a registrar as cenas, capturando as telas. Mais imagens estão disponíveis na postagem original, entretanto, basta uma delas para termos uma noção da estupidez do ocorrido:

roblox-epa

Petersen reforça que havia adotado todas as medidas de proteção para a filha jogar em um ambiente aparentemente seguro. Roblox oferece uma série de configurações de privacidade para pais preocupados, como bloqueio de chat, bloqueio de contatos, bloqueio de uso de salas privadas e outros recursos. Mas se existe algo que a História nos ensinou é que nada de bom projetado pelo ser humano é capaz de evitar a maldade de outro ser humano.

Com 64 milhões de usuários no mundo todo, Roblox é um fenômeno de popularidade, principalmente entre os menores de idade. Seu custo de entrada zero, suas cores vibrantes, sua baixa exigência de requisitos técnicos mínimos, sua disponibilidade em diferentes plataformas (inclusive móveis) e sua ampla gama de mini-jogos são a isca perfeita para atrair esse tipo de público, até mais do que o outrora líder Minecraft.

Entretanto, ao contrário da criação da Mojang, Roblox sequer possui uma jogabilidade própria, sendo nada mais que uma plataforma, um conjunto de ferramentas para que uma pletora de desenvolvedores e usuários produzam seu próprio conteúdo, seus próprios universos, seus próprios problemas – é um parque virtual, um ambiente selvagem regulado com a mesma precisão que a loja Android ou o Steam. Em outras palavras, apenas o obviamente ofensivo ou ilegal é barrado pelos algoritmos. Meu filho transita por lá e seu “jogo” favorito é uma cópia não-autorizada de Pokémon (existe todo um ecossistema baseado na franquia da Nintendo, incluindo conteúdo pago na plataforma).

pokemon

Sobre o caso de Amber Petersen, não se pode dizer que a desenvolvedora responsável não tenha tomado as medidas cabíveis. Toda a cúpula da Roblox entrou em contato com a mãe da criança atacada e os jogadores que participaram do incidente tiveram suas contas suspensas permanentemente. Em uma nova postagem, Petersen agradece a preocupação demonstrada pela empresa e reforça que não culpa a plataforma, mas os participantes do ato desprezível.

Como sempre acontece nesses momentos, alguns veículos da imprensa se aproveitaram para praticar o bom e velho sensacionalismo:

A outra coisa que aprendi com tudo isso é que houve algumas organizações de “notícias” que me pediram uma entrevista e deturparam completamente o que eu disse. Eles também optaram por mostrar conteúdo que lhes proporcionasse mais cliques. É um estado triste que estamos em que essas chamadas “fontes de notícias” recorrem à criação de histórias super-sensacionalistas para servir como clickbait. Por último, eu apreciaria se você pudesse COMPARTILHAR ESTE POST para combater qualquer uma das “notícias falsas” que não tenha relatado minha história com honestidade.

É fácil apontar o dedo para Roblox, Fortnite, GTA ou qualquer outro jogo da vez e colocar toda a responsabilidade de situações bizarras como essas sobre eles. Como monitorar as interações entre todos os 64 milhões de usuários em tempo real? Embora Roblox seja um título classificado como adequado para maiores de sete anos, é explícito, assim como em todos os jogos, que interações online não podem ser classificadas. Na selva da internet, predadores de todo tipo se escondem, protegidos pelo anonimato ou pela sensação de impunidade.

Sendo assim, é fácil clamar por banimento, processos ou entregar nas mãos de um governo uma atitude que deveria partir de dentro do seio da família. Uma pesquisa recente conduzida no Reino Unido constatou que mais da metade dos responsáveis permitem que seus filhos de entre 10 e 14 anos consumam títulos recomendados para maiores de 18 anos, e que 86% desses pais não ligam para classificações indicativas de jogos.

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Essa não é uma guerra entre empresas de jogos e famílias. Na ausência de uma evolução otimista da espécie humana como um todo, sem uma aliança, sem um diálogo, outros abusos como esse ou muito piores continuarão ocorrendo, a maioria inclusive sem chegar ao conhecimento de quem tem o poder de parar o ciclo. Inicialmente, Petersen chegou a recomendar que pais removessem Roblox de seus dispositivos, mas é uma sugestão que não resolve: uma palestra de cibersegurança conduzida em uma escola no Reino Unido constatou que ampla maioria das crianças não relataria um incidente desses aos pais justamente por temerem que o jogo fosse desinstalado. Posteriormente, a mãe mudou sua opinião e agora promove o diálogo.

Amber Petersen fez o certo: permitiu que a filha jogasse um título para sua faixa etária, adotou as ferramentas de segurança recomendadas pela própria plataforma, estava presente quando a filha foi atacada, teve uma abertura de diálogo com a criança que favoreceu uma reação e por fim denunciou o ocorrido para a empresa. Mas em quantos domicílios esse encadeamento não acontece e o jogo ocupa o lugar de babá virtual para uma família cada vez mais ausente?

Ouvindo: Nine Inch Nails - Closer (Precursor)

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