Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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12 de abril de 2018

Jogando: Rage

Rage 01

Um apocalipse desceu sobre a Terra e reduziu a civilização à ruínas. Uns poucos privilegiados foram poupados do pior em abrigos subterrâneos e você é um deles. Ao sair da segurança, você precisa confrontar um mundo dividido entre gangues traiçoeiras de saqueadores, mutantes ferozes e uma organização que domina a tecnologia do passado e pretende governar com mão de ferro. Fallout? Não, Rage.

O título que por muito pouco não foi o canto de cisne da id Software peca pela falta de originalidade em sua premissa, mas brilha em muitos outros aspectos, superando até mesmo suas principais fontes de inspiração aqui e ali. Rage estava na minha biblioteca desde Fevereiro de 2012, cortesia do leitor Carlos Wilson, e depois de uma tentativa frustrada de rodá-lo na época, finalmente tenho um PC que dê conta desse prodígio tecnológico de John Carmack e seus amigos.

Por que Carmack era e ainda é um maldito visionário, que extrai matematicamente de seus motores gráficos verdadeiros milagres que poucos conseguem igualar. Rage é visualmente um destes milagres, um título que sobreviveu anos depois do seu lançamento provocando o mesmo deslumbre. Reza a lenda que o jogo utiliza "mega-texturas" e que ele já estava preparado para 8K lá em 2011. Não duvido. Tenho certeza de que continuará bonito até 2021 e depois. Não apenas seus cenários são de cair o queixo, transmitindo com todo o peso necessário o impacto da queda da sociedade e seus prédios como também os personagens humanos transbordam expressividade, combinando a tristeza de uma vida sofrida, com a coragem de quem tem que viver em condições absurdas e até um pouco de esperança.

Rage 13

Mas Carmack não chegou aonde chegou sendo burro e ele claramente tomou alguns atalhos. Mesmo com uma placa de vídeo moderna, ainda é possível vislumbrar com o canto do olho algumas texturas fazendo carregamento em tempo real. Além disso, o jogo não utiliza sombras em tempo real (como Doom 3 usava e abusava), dando a nítida impressão que as áreas escuras dessa vastidão pós-apocalíptica na verdade foram pintadas como escuras. Não por acaso, apesar de tentar emular um mundo vivo e pulsante, não há um ciclo de dia e noite. Rage compensa essa falta de uma noite com um dos sóis mais escaldantes dos jogos eletrônicos, o que ajuda a ressaltar a aridez de um futuro devastado.

Estrada da Fúria

Fallout não é o único pai dessa criança. Há outros elementos em seu DNA e Mad Max, certamente, é um deles. Não apenas a insanidade dos clássicos está presente assim como as corridas em carros customizados, como o jogo também antecipa o filme mais recente em termos de brutalidade e situações que desafiam o conceito de civilidade e caem no bizarro.

Rage 15

Ao contrário de outros jogos da id Software, ou mesmo outros FPS, aqui a desenvolvedora introduziu veículos sobre rodas que exercem um papel fundamental na trama. O mundo, aberto mas pequeno, precisa ser cruzado de carro e alguns de seus inimigos também estão motorizados e precisam ser destruídos. Lembra Far Cry 2, trocando a selva da África pelo deserto do interior castigado dos Estados Unidos (ou seria a Inglaterra?).

As sequências de carro não são o forte do jogo, mas são mais uma carta na mão cheia da id Software em Rage. As corridas patrocinadas, que valem pontos para modificações no veículo, são burocráticas e a Inteligência Artificial deixa muito a desejar quando está ao volante. Mesmo assim, é uma boa adição ao jogo e se encaixa perfeitamente na proposta desse novo mundo.

Rage 26

Felizmente, Rage tem mais balas nesse cartucho...

Chumbo Grosso

A desenvolvedora veterana inventou a linguagem dos FPS. Negar a importância de Wolfenstein 3D, Doom e Quake no gênero é negar o passado. Ainda assim, senti que a empresa tinha perdido um pouco a mão e parado de evoluir. Agora, posso dizer que Rage foi mais do que um bem-vindo sopro de vida, após Quake 2, Quake 3 e Return to Castle Wolfenstein, títulos que, para mim, falharam em resgatar sua herança e tampouco avançaram significativamente a linguagem.

Em Rage, a id Software rompe as amarras e atira para todos os lados com uma metralhadora giratória tentando iniciar uma nova franquia. É uma pérola escondida, lançada na transição entre ser uma desenvolvedora independente e fazer parte da grande famiglia Bethesda, para o bem e para o mal. Acabou sendo um título injustiçado.

Porque o couro come em Rage.

Rage 24

Seus combates quase sempre a queima-roupa são frenéticos, contra inimigos que se movimentam de formas múltiplas pelo cenário e demonstram mais inteligência que os oponentes de muitos jogos atuais. Para sobreviver a este caos, Rage coloca nas mãos dos jogadores um dos mais prazerosos arsenais que já tive a oportunidade de experimentar. Não há limites para as formas que se pode moer, cortar, furar e explodir as ameaças. São dez armas ao todo, a maioria delas com munições alternativas, além de gadgets fantásticos que ampliam e muito o leque de opções. O bumerangue de lâminas é um equipamento que irei sentir falta em muitos jogos e até o robô sentinela brilha, com uma individualidade divertida, mas mortal.

A princípio parece que não há uma grande variedade de inimigos (que podem ser facilmente divididos em três grupos), mas é possível ver que a id Software caprichou nas suas versões, com cada oponente com características próprias e o método mais divertido e/ou prático de ser eliminado. Quando você acha que já dominou o jogo e se tornou uma máquina de matar, Rage aumenta o desafio: o jogador que sai da Dead City não será o mesmo que entrou e sou obrigado a admitir que a mítica Ravenholm encontrou sua rival.

Rage 20

Mas a metralhadora giratória não acerta apenas situações de combate e a desenvolvedora conseguiu encaixar uma boa dose de mini-jogos e sequências enlouquecedoras, incluindo missões opcionais, jogo de cartas (?!), jogo de dados (?!) e um sistema de crafting razoavelmente polido.

Acabou?

Outra lenda que envolve Carmack é que ele teria dito que um FPS não precisa de história. Rage (assim como Doom, Quake, Wolfenstein...) confirma essa percepção do ex-chefão da id Software e o enredo ocupa o assento de trás nessa jornada em alta octanagem pelo fim do mundo. Não apenas a premissa é incrivelmente clichê, como sua execução também soa apressada.

Enquanto seus cenários e habitantes pulsam vivacidade e um universo que merece ser conhecido e explorado, os mesmos personagens são pouco ou quase nada aprofundados e os diálogos são econômicos, apenas utilizados para desencadear missões. Essas missões, por sua vez, se tornam repetitivas do meio para frente, quando se percebe seu padrão: vá até um determinado lugar, mate tudo no seu caminho, consiga um objeto ou pessoa, saía por um caminho muito mais curto do que aquele por onde entrou.

Rage 29

No final, Rage perde de vez seu fôlego. Subtramas são abandonadas pelo caminho, personagens que conseguiram se tornar queridos (apesar do esforço da desenvolvedora em torná-los postes de missão vivos) são esquecidos. A operação derradeira é ambientada no cenário de ficção-científica mais genérico já criado pelo Homem e acaba quando começa a ficar boa. Não há nem mesmo uma batalha contra um chefe. Em seu lugar, uma cutscene que não satisfaz e tampouco te devolve para o jogo, para seguir explorando (para isso é necessária a DLC The Scorchers).

Rage testa muitas coisas novas ao mesmo tempo, bebe de muitas fontes, entrega uma experiência lotada de adrenalina... apenas para cair exausto ao final.

Ouvindo: London After Midnight - Revenge

4 comentários:

disse...

Lembro vagamente desse jogo, joguei no 360 e lembro apenas que achei absurdamente sem nada de especial. Mas até então, na época eu estava tão deprimido que absolutamente nada pareceria especial de qualquer jeito.

Acho que vou dar uma outra chance...

Shadow Geisel disse...

"É uma pérola escondida..."

Verdade. Concordo com 100% das opiniões sobre o jogo. Eu adoro o robozinho, o jogo de cartas, TODAS as armas (são deliciosas de usar, e acho que isso conta num FPS), o minigame de furar o dedo com a faca (vai ficando absurdamente difícil). O bumerangue é um gadjet que desafia as melhores traquitanas do cinto de utilidades do Batman, e as corridas com carro são surpreendentemente divertidas. Pena que a ID (agora sendo propriedade da Zenimax/Bethesda Studios) não vem demonstrando qualquer interesse em dar continuidade à franquia.

Kenny disse...

Comprei esses dias, mas tô tão atolado com os games que ainda nem instalei. Vou conferir e volto aqui para comentar :D

Carlos Wilson disse...

Lembro muito bem do jogo :)

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