Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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17 de abril de 2017

Jogando: Kona

Kona 01

(publicado originalmente no Gamerview)

No interior do Canadá, nos anos 70, em uma cidadezinha esquecida por Deus, um detetive particular veterano da Guerra da Coreia é convocado para investigar o que parece ser um simples caso de vandalismo na residência de um milionário local. Ele irá se envolver em uma complexa teia de mentiras, sordidez, segredos sombrios e vingança que vai deixar sua marca na psiquê.

Kona, da pequena desenvolvedora canadense Parabole, foi financiado através do Kickstarter, ficou um ano em Early Access no Steam e é fácil perceber por que o projeto dificilmente encontraria respaldo nas mãos de uma produtora: é um jogo de detetive com elementos sobrenaturais, uma história complexa e ambientado em uma época e região que os jogos eletrônicos não costumam frequentar. É difícil até mesmo classificá-lo dentro de um gênero, misturando em um grande mapa aberto elementos de jogos survival, com títulos de horror e adventures sem se aprofundar exatamente na mecânica de nenhum deles, mais preocupado em contar uma história, em investigar as características e os habitantes da condenada Manastan.

Cidade Maldita

Kona também significa "neve" no dialeto Cree, uma das maiores nações indígenas do Canadá, que aqui desempenha um papel vital na trama e não somente no batizado do jogo. Misturando lendas primitivas em contraste com a brutalidade das relações interpessoais dos homens brancos, do choque das culturas brota a vingança da neve. A partir do momento que a nevasca surge, vai-se embora o início quase outonal do jogo e o jogador se vê envolvido em uma luta constante para se manter aquecido e são, enquanto a neve vai assumindo significados progressivamente mais assustadores. Kona não é um jogo de sustos, mas um título perturbador onde a vastidão gelada é sua única companhia.

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O título da Parabole permite que o jogador vá cuidadosamente separando camadas de vidas e destinos. Há total liberdade para que você entre nas casas dos moradores de Manastan, revire seus objetos e descubra os seus mistérios. Na superfície, uma cidade pacata e típica de rudes lenhadores e caçadores tentando sobreviver no frio boreal. No final da investigação, sua perspectiva do lugar é bem diferente e muito mais complexa. Com vários locais para visitar, a jornada do detetive em direção ao pavor é lenta, mas constante.

A pequena desenvolvedora conseguiu uma reconstituição de época caprichada, que evoca o detalhismo de um Alien Isolation ou de Stories Untold. Os cenários e os objetos que você encontra constroem uma realidade que apenas exalta a estranheza dos elementos sobrenaturais e a sensação de que algo está fora do seu lugar e alguma coisa que não pertence a esse mundo está perturbando a já conturbada vida dos habitantes da cidade. A trilha sonora, realizada pelo grupo canadense CuréLabel, dá o tom certo que o jogo precisa, mesclando folclore e uma sinistra sensação de desespero, sem chegar a incomodar, mas tampouco sem deixar a tensão cair.

Kona 03

Boa parte do que está acontecendo é documentado em tempo real no diário do protagonista, que reúne todas as pistas que já foram encontradas em um lugar bastante conveniente para o jogador, assim como fotografias e biografias dos principais moradores de Manastan. É interessante e tranquilizador analisar as conclusões do detetive diante do confortável calor de um fogão acesso. Um narrador onipresente pontua alguns momentos e ajuda a manter a trama caminhando, às vezes com dicas do que o jogador precisa fazer para resolver alguns enigmas.

Walking Simulator

Embora se preocupe claramente em construir um lugar palpável e uma trama adulta que envolve política, crime e forças ocultas, a Parabole deixou a jogabilidade um pouco de lado. Nada no jogo pode ser definido como desafiador, o que pode frustrar aqueles que esperavam uma experiência mais intensa, mais próxima da tradição dos survival horror. Na verdade, Kona é o que pejorativamente se resolveu chamar de walking simulator, ainda que com vários acréscimos à fórmula.

Você coleta itens, mas eles são tão abundantes no cenário que dificilmente enfrentará a carência desse ou daquele objeto. Locais que necessitam de interação apontam claramente o que é necessário para que sejam ativados, de modo que é apenas uma questão de encontrar o que falta e não deduzir o que é para ser feito, ao contrário dos adventures da velha geração. Isso leva a enigmas muito fáceis de serem superados, com uma única exceção que irá exasperar até o mais tarimbado jogador do gênero.

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Dos jogos de sobrevivência, Kona pegou emprestado a preocupação com a saúde do personagem: o jogador precisa observar o nível de frio e de sanidade mental. O primeiro é mortal, mas bem fácil de administrar se o jogador tiver o mínimo de cuidado. Além disso, o jogo salva seu progresso justamente diante de fogueiras, fogões e aquecedores. A perda de Sanidade não é mortal, ainda que tenha severos impactos na performance do detetive. Como ele restaura seu juízo? Como todo bom detetive dos anos 70: bebendo ou fumando. Mas analgésicos também funcionam. Felizmente, nenhum destes itens está em falta em Manastan.

Para quem está interessado apenas em descortinar essa história, a jogabilidade tranquila é, na verdade, um alívio. Há outros elementos mais subjetivos com que se preocupar. Mas até esses jogadores irão encontrar um defeito significativo no jogo: seu final não é bem-resolvido. Há quem diga que o jogo é curto (fechei aqui com 9 horas, mas também esmiucei cada centímetro quadrado de Manastan e seus arredores…). O final chega na hora certa para mim, concluindo uma jornada de investigação e um rastro de tragédias. Ainda assim, a forma como o final é executado deixa um pouco a desejar.

Felizmente, a Parabole tem planos para desenvolver outros três títulos em um mesmo universo compartilhado. Segundo seus criadores, haverá outros cenários e outros protagonistas, mas vários elementos irão se repetir. O que eu encontrei em Kona é minha garantia de retorno.

Kona 17

Ouvindo: Nightwish - Storytime

Um comentário:

Éder R. M. disse...

Parece interessante! Pretendo jogá-lo em algum momento futuro, quando a grana e o tempo permitirem... ;-P

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