Retina Desgastada
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17 de março de 2016

A Vingança da Vaca

Nessa terça-feira, uma Inteligência Artificial derrotou Lee Se-dol, campeão sul-coreano de Go, por 4 a 1, em um duelo que se arrastou por dias:

O sistema desenvolvido pelo Google venceu 4 das 5 partidas disputadas contra o humano.

A sequência de vitórias foi quebrada somente no Domingo, quando Lee descobriu que o programa tinha dificuldades para lidar com jogadas inesperadas e conseguiu derrotar o computador uma vez após um duelo de seis horas.

Mas de nada adiantou o triunfo de Domingo: AlphaGo terminou o massacre nessa terça-feira com mais uma vitória, ainda que sofrida. Segundo Demis Hassabis, CEO do laboratório DeepMind do Google, responsável pela Inteligência Artificial, o AlphaGo cometeu um erro terrível no início da partida, que seria difícil reverter. Mas o campeão sul-coreano acabou não conseguindo aproveitar corretamente o deslize da máquina e foi derrotado.

Lee pode não ter assimilado ainda como foi derrotado por uma máquina, um feito histórico em um jogo de tabuleiro considerado mais complexo do que o xadrex. Mas, certamente, Lee não sabe que sua derrota começou lá atrás, em 2001.

Com uma vaca.

Preto e Branco

Vaca

Há quase exatos quinze anos atrás, em 26 de Março de 2001, o mundo conhecia a mais nova criação do gênio dos jogos Peter Molyneux. Black & White trazia um vasto mundo onde cada aspecto poderia ser controlado pelo jogador, que assumia o papel de uma divindade, que interferia no destino de tribos, era cultuado e disputava poder com outras divindades pelo direito de ser o único sobrevivente de um monoteísmo. De uma forma nunca vista antes, o título considerado um clássico nos dias de hoje misturava elementos de estratégia, simulação de gerenciamento e uma Inteligência Artificial que continua impressionando mesmo depois de tanto tempo.

Era possível controlar no jogo uma "mascote" colossal que servia como uma espécie de manifestação física da divindade na terra. Esse personagem, que poderia ser diferentes tipos de animais antropomórficos, não era comandado diretamente pelo jogador, mas ensinado, através de recompensas e punições ou pelo exemplo.

Em outras palavras, a vaca fazia o que ela queria, o que ela tinha aprendido a fazer. Dependendo do espectro das decisões do jogador, o seu mascote poderia ser uma criatura maligna, benigna ou neutra e ter diferentes tipos de personalidade. A desenvolvedora Lionhead prometia que nenhum deles seria igual ao outro e que cada jogador teria um servo único.

O resultado era assombroso, ainda que limitado pela tecnologia disponível na época. Mas, ao contrário do que se via, com NPCs que seguem um roteiro determiando pelo programador, as criaturas de Black & White pareciam realmente dotadas de um pouco de Inteligência.

Garoto-Prodígio

Se hoje em dia o nome de Peter Molyneux vem sempre acompanhado de risadas nervosas e uma certa desconfiança, em 2001 o inovador designer estava cercado de profissionais capazes de entregar o que ele prometia.

Um destes profissionais se chamava Demis Hassabis. Super-dotado, mestre de xadrez aos 13 anos que chegou a ser o segundo mais bem colocado jogador com menos de 14 anos do mundo, Hassabis já estava desenvolvendo jogos ao lado de Molyneux aos 17 anos. A dupla lançou Theme Park em 1994 e conquistou um Golden Joystick Award antes mesmo do rapaz pisar em uma faculdade de Computação.

Hassabis se afastou da indústria de jogos para iniciar uma carreira acadêmica, onde perseguiu os campos de neurociência e aprendizado de máquina. Em 2001, foi convocado por Molyneux para reatar a parceria e cuidar da Inteligência Artificial das criaturas de Black & White como o chefe da programação.

Hassabis chegou a fundar sua própria desenvolvedora logo depois, a Elixir Studios, por onde lançaria os complexos, mas comercialmente fracassados, Republic: The Revolution e Evil Genius. Desiludido, abandonou novamente os jogos para nunca mais voltar.

Suas pesquisas acadêmicas se voltaram para o funcionamento do cérebro humano e ajudaram a entender como funciona a amnésia e o processo de memória. Em 2007, meros seis anos após seu trabalho em Black & White, já estava sendo indicado pela revista Science como um dos 10 responsáveis por descobertas científicas avassaladoras naquele ano.

Mas Hassabis não parou por aí.

100 Influentials pic of Demis Hassabis of Google Deep Mind at their office in Russell Square, central London. PHOTO MATT WRITTLE © copyright Matt Writtle 2014. Picture commissioned exclusively by the London Evening Standard. Use in another publication will require a fee.

Em 2010, fundou a DeepMind Technologies. Seu propósito: desenvolver sistemas capazes de aprender. Era literalmente a vaca de Black & White usada no mundo real.

A DeepMind foi adquirida pelo Google em 2014 por 625 milhões de dólares e se tornou a base de sua linha de pesquisas em Inteligência Artificial. Hassabis se tornou o Vice-Presidente de Engenharia da Google DeepMind e continuou liderando os projetos.

E agora, em 2016, o AlphaGo, Inteligência Artificial da Google DeepMind massacrou seu oponente humano em um dos jogos mais complicados criados pelo próprio Homem.

Ironicamente, o triunfo da Inteligência Artificial acontece uma semana depois do anúncio do possível fechamento da Lionhead Studios. O mundo pode nunca ver um Black & White 3 sendo produzido. Ou o jogo original lançado no Steam (ou GOG).

Mas ainda ouviremos falar muito de Hassabis. E sua criatura, a vaca inteligente.

Ouvindo: Ry Cooder - The Dying Truck Driver

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