Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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22 de agosto de 2012

Notas de Rodapé da Indústria – Parte V

Psygnosis

Mais de um ano se passou desde a última vez em que dei uma visão geral na indústria dos jogos eletrônicos. E escrevi: "há uma grande mudança a caminho e pode ser negativa". Nesse meio tempo, a EA afundou na Bolsa de Valores e sua nova estratégia de combate foi declarada. E nos últimos quinze dias, uma série de eventos inusitados sugere que os prognósticos continuam sombrios e que, talvez, a mudança já esteja aqui.

Kane Os rumores da venda da toda-poderosa Electronic Arts continuam em alta. Desta vez não se tratam de boatos plantados a boca miúda entre investidores e especuladores, mas uma nota publicada no jornal New York Post e confirmada pela Edge. Um dos dois grupos interessados seria o grupo de investimento Providence Equity Partners. Se o nome não soa um alarme em seus ouvidos, basta dizer que o mesmo grupo é sócio-majoritário da Zenimax, a face executiva da popular Bethesda. Mas a situação está tão ruim para a EA que, para ser alcançado um acordo, suas ações ainda teriam que subir mais um pouco. Cotadas a US$13 o lote, a venda só seria completada se o valor batesse em 20 dólares. Até para ser vendida, a EA precisa sair do sufoco. A eventual venda para o mesmo grupo que controla a Bethesda criaria um gigante corporativo ainda maior do que a EA já é. Se já existem razões para odiar as práticas comerciais da EA e da Bethesda, as duas unidas não serão uma boa notícia para os consumidores.

Acuada pela pressão dos acionistas, a EA precisa agora de dinheiro rápido ou pelo menos dar sinais de que será capaz de dar muito lucro em um futuro imediato. Esta pode ser uma explicação para a guinada na franquia Command & Conquer, transformada em F2P e exclusivamente multiplayer, assim como a ressurreição de Ultima (também assimilada pelo mesmo modelo de negócios) e o trágico caso da Popcap.

Quando a Popcap foi adquirida por um bilhão de dólares em junho do ano passado, parecia um caso clássico de ironia do destino. A Electronic Arts, antes avessa ao cenário independente, pagou alto para adquirir um sucesso do setor. Para muitos, foi a vingança dos indie, o ápice do reconhecimento. Mas as engrenagens da indústria são cruéis e implacáveis. Na mesma semana em que é anunciada uma continuação de Plants vs Zombies, a Popcap também anuncia a demissão de 50 funcionários em seus estúdios, dois dias depois. Ao invés de inovar, mira-se na possibilidade mais garantida de retorno financeiro. Ao invés de premiar a equipe criativa, enxuga-se a folha de pagamento para maximizar a performance. Entre os demitidos, George Fan, o homem que praticamente sozinho catapultou a Popcap para o sucesso ao criar Plants vs Zombies. Segundo a empresa, a EA não teve nada a ver com as demissões e que, sem o apoio da EA, o corte seria ainda maior. Estranha afirmação para uma desenvolvedora que acumula prestígio e vendas no poderoso mercado casual e embolsou uma nota alta da EA no ano passado.

O Ceifador Está Solto

O que está acontecendo na EA não é exclusividade da titânica companhia. Demissões e fechamentos formaram a tônica dos últimos quinze dias.

Wipeout Hoje, a Sony fechou o SCE Studio Liverpool. Mas até 2001, ele não tinha esse nome. Ele se chamava Psygnosis e tinha quase três décadas de dedicação aos jogos eletrônicos. Dos estúdios Psygnosis saíram títulos para ZX Spectrum, Amiga, Commodore 64 e Atari. Até que em 1993 a empresa foi comprada pela Sony e passou produzir jogos exclusivos para seus consoles. A mudança de nome não apagou o seu legado: Destruction Derby, Ecstatica, Lemmings, Shadow of the Beast, Wipeout, entre dezenas de outros jogos. Legado este que agora foi interrompido permanentemente. Ficam as lembranças.

Mesmo destino atingiu parte da força de trabalho da THQ. A empresa este mês já havia cancelado o jogo que estaria desenvolvendo com o cineasta Guillermo del Toro e declarado que "não vai produzir mais jogos casuais para o Facebook, nem para os Smartphones". O resultado na Bolsa de Valores tem colocado a THQ na lista de possíveis falências desde o começo do ano, inclusive com o risco de ser expulsa da NASDAQ, mas os resultados começaram a mudar nos últimos meses. O preço, é claro, foi pago na forma de demissões em massa e no abandono ou venda de franquias. Ironicamente (ou não), a "mudança" de logo e direção da THQ foi assunto do primeiro "Notas de Rodapé da Indústria", um ano antes da crise.

Casualidades e a Metralhadora Giratória da Ubisoft

Enquanto Popcap corta na carne e a THQ foge do mercado casual, a Zynga enfrenta dificuldades por todos os lados. Para quem acreditava que a bolha dos jogos casuais ia estourar, o momento pode ter chegado.

The Sims Social vs The Ville 

Após uma queda de 40% na Bolsa de Valores por não apresentar resultados compatíveis com o esperado pelos acionistas, a Zynga atravessa seu inferno astral. O Facebook está sendo arrastado com o turbilhão, já que 18% do seu faturamento se origina dos jogos da Zynga. E os processos por plágio avançam por todos os lados. Até a EA entrou na briga, acusando a produtora de jogos para redes sociais de ter copiado The Sims Social.

Apesar dos alertas de que o mercado casual está em transformação nesse exato instante, um novo competidor está disposto a arriscar tudo para não perder a festa. Para surpresa de muitos, a Ubisoft está preparando versões online F2P para navegadores de três franquias famosas ao mesmo tempo: Anno Online, Silent Hunter Online, e Might & Magic Heroes Online.

Não satisfeita em abrir essa linha de batalha, a mesma Ubisoft resolveu enfrentar o Steam e o Origin em seu próprio território: distribuição digital. Enquanto o primeiro é o líder incontestável do mercado, o segundo amarga uma longa história de equívocos e o Uplay já começa com um gosto amargo. Apesar de ter lançado sua loja virtual com promoções de títulos a um dólar, o dispositivo de DRM da Ubisoft é famoso por obrigar a conexão permanente de vários títulos, por sofrer quedas de serviço ocasionais e até por abrir uma brecha de segurança em navegadores (já corrigida). Talvez o Retina Desgastada esteja ficando velho, mas eu ainda lembro quando publiquei o alvoroço causado pelo sistema de autenticação da Ubisoft em seus primórdios. O que antes era escândalo, hoje é modelo de negócio.

Uplay

Mas eu estava certo: a Ubisoft perdeu. Perdeu ou está mentindo. Apesar de toneladas de DRM, de conexão permanente, de plugin para navegador que ninguém sabe explicar para que serve, o CEO da Ubisoft, Yves Guillemot declarou que de 90 a 95% dos jogos de PC são pirateados. E é por isso que eles estão indo em direção ao F2P. Isso significa que toda a dor de cabeça sofrida pelos jogadores legítimos de títulos da Ubisoft não serviu de nada. Isso significa que o Uplay, que continua ativo como DRM e tem planos de se expandir, não cumpriu seu propósito inicial e agora tenta se reinventar. Isso significa que, apesar de todos os jogadores que investiram seu dinheiro em franquias estabelecidas ou se arriscaram em novidades e suportaram as medidas de segurança draconianas da Ubisoft, agora vêem a empresa virar as costas em busca de outro público.

A grande mudança está aqui. E ela é negativa.

Ouvindo: Vangelis - Dr. Tyrell's Death

10 comentários:

Fábio Vieira disse...

http://www.gamevicio.com/i/noticias/134/134400-ea-relatorio-financeiro-de-2012-pc-mais-rentavel-do-que-o-ps3/index.html

Ah, Ubisoft... :)

Fábio Vieira disse...

http://adrenaline.uol.com.br/games/noticias/13168/vendas-de-games-para-pc-aumentam-230-desde-maio.html

95% dos jogos de PC são pirateados? Tá certo, então.

Way to go, Ubi. :)

breno disse...

Gostei muito dos jogos da falida psygnosis! Wipeout e Destruction Derby 2 estão entre minhas lembranças da era PSX!

Já pra mim a mudança é positiva, de certo modo! EA tá merecidamente se ferrando, Ubisoft também, Zynga idem! Senti falta de seu comentário na area de kickstarters,que tem causado muito burburinho entre os jogadores! Pra quem procura ideias novas e paixão na arte de fazer jogos da pra encontrar na cena amadora! Esse ano foi lançado o remake de wing commander na engine de Freespace 2,por exemplo! Mês que vem pode sair um dos mods mais aguardados de STALKER - o Lost Alpha(que inclusive foi cogitado de ser comercializado pela GSC,mas como ela feixou as portas, paciencia)! Em fim, quem procura acha!

Fábio Vieira disse...

@breno Concordo contigo! Quem sabe assim as más práticas da industria dos games diminuam ou se tornem menos agressivas e "deselegantes" como o DRM da Ubisoft, que nunca foi impencilho para a pirataria (o usuário dopeman do piratebay que o diga), e só ferra os "5%" que pagam por suas cópias de jogos (com servidores instáveis e brechas na segurança, como já citado na excelente análise do Carlos Aquino).

Eu acho que o Kickstarter foi a melhor coisa que aconteceu nos ultimos tempos, muita coisa bacana terá a oportunidade de sair do papel, como o Wasteland 2, jogo que Brian Fargo tenta fazer há mais de 10 anos, que nunca recebeu interesse das grandes produtoras.

Boas idéias agora tem uma chance de serem levadas adiante por entusiastas (Oculus Rift, Ouya) e minorias negligenciadas (RPGs old-school).

Voltando à Ubisoft. Já que a situação tá tão ruim assim, eles não perderiam nada em tentar o seguinte: remover qualquer forma de DRM e tornar os preços mais acessíveis e atraentes na Uplay, mesmo que em promoções ocasionais, mas frequentes (resumindo: o melhor do GOG + o melhor do Steam).

Veja, Ubisoft! Está chovendo dinheiro! :D

Bons tempos estão por vir. :)

Fernando Lorenzon disse...

A gente sempre critica os DRMs e argumenta que para acabar com a pirataria, deve-se vender games à preços acessíveis.

Apesar da Ubi pecar no primeiro item, ela acerta no segundo, se esforçando em baixar os preços de seus games aqui no Brasil. Temos a parceria com a Incomp (da revista Fullgames), com games da Ubisoft sendo vendidos a 17,90, além de várias promoções periódicas no Nuuvem e games como Rayman Origins pra consoles por menos de 100 reais.

Marcos A. S. Almeida disse...

Fernando Lorenzon, não sei se é bem ela que está se "esforçando" para fazer preços melhores...,mas enfim, os da FullGames realmente estão bons.
Eu traço um paralelo infame entre os políticos brasileiros e as semi-falidas produtoras: o mau comportamento delas é punido pelo mercado, ou seja, pelos jogadores; Os políticos NÃO são punidos pela sociedade , ou seja , pelos eleitores.Infelizmente.
O modelo de negócios da Steam é realmente insuperável, pois ela ao mesmo tempo que nos é simpática , nos estimula o consumo,que eu diria na maioria das vêzes é supérfluo.E ainda consegue o feito de atrair os "pirateiros" casuais ( sim,só estes, pois contra os "compulsivos" não há preço baixo que dê conta).
A queda da EA e outras têm que ser vista também de uma forma negativa ,na medida que o próprio Steam perde concorrentes e isso não é saudável pra nós jogadores.Uma concorrência de respeito nos calcanhares é sempre incômoda e mantêm os preços "saudáveis"

Breno disse...

Cara quase desceu uma lagrima ao ver o video da psygnosis! Naquela epoca as grandes empresas ainda eram legais!

Shadow Geisel disse...

chega logo, final de semana...

Valber disse...

Ubisoft continua nadando e morrendo na praia com esse discurso anti-PC. Ao invés de se aproveitar da onda de valorização do PC que vem ocorrendo, como o fenômeno do kickstarter, que o Fábio citou, eles continuam batendo nessa tecla da pirataria pra justificar o tratamento porco que eles dão ao PC. Se é tão desvantajoso desenvolver pra PC, pq nao enterram o PC de vez e se concentram so nos consoles?
A parte engraçada é que eles vem com esses números e nao se sabe como isso é calculado. A CD Project veio com uma historia parecida, alegando que houve 4 milhoes de downloads piratas de The Witcher 2, mas isso se explicaria pela ausencia de DRM e de multiplayer, o que torna o jogo num alvo fácil. Mas apesar de tambem se queixar contra pirataria, a CD Project nunca negou que o jogo vendeu bem pra PC. A versão de PC vendeu e continua vendendo bem mais que a de Xbox. Agora imagina o fiasco se eles adotassem o mesmo discurso da Ubisoft. Ô Ubisoft burra...

Eu acho que essa questão do discurso, do tom, influencia muito na venda. Pq na verdade a versão de PC de the witcher 2 ja veio bastante consolizada, mas nunca vi muita reclamação sobre isso.

Shadow Geisel disse...

finalmente chegou.
é triste o panorama da indústria e distribuição de games. a pirataria servindo como cabresto da ganância auto-canibalista das grandes publishers? triste...
o engraçado dessas coisas é ver como as desenvolvedoras simplesmente ignoram o que o público quer (no caso dos RPGs old school) e só lança o que dá dinheiro fácil, sem precisar de muita criatividade.
Psygnosis, descanse em paz.

P.S.: ótimo texto, Aquino. adoro os textos sobre indústria do Retina.

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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