Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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17 de julho de 2011

Nômade

Traduzido a partir do artigo "Disabled and Hardcore", publicado no Eurogamer (em inglês), com a ajuda crucial do tradutor profissional Fábio Sooner:

"Isto é uma piada?"

O primeiro dia do torneio de 2007 da Major League Gaming em Charlotte, Carolina do Norte, estava a poucos minutos de começar mas para o time perguntando para o juiz se eles estavam sendo vítimas de uma trote elaborado, a ansiedade deu lugar à surpresa.

Enquanto eles olhavam de queixo caído, seus rivais do clã de jogadores H2O estavam se preparando para batalhar em Rainbow Six: Las Vegas. Ou, mais exatamente, eles estavam preparando o membro do time Randy Fitzgerald, também conhecido como N0M4D.

Fitzgerald nasceu em 1979 com artrogripose, uma rara condição onde os músculos subdesenvolvidos provocam o travamento na posição das juntas nos braços e nas pernas. Simplesmente, Fitzgerald não podia mover seus braços, mãos, pés ou pernas.

Para contornar isso, Fitzgerald joga com seu rosto, usando um controle customizado preso em seu lado direito por um suporte que se atarraxa em sua cadeira de rodas. Enquanto seus companheiros de equipe do H2O armam seu controle, o juiz confirmou para o outro time que sim, o cara na cadeira de rodas estaria jogando. Sentindo uma vitória antecipada, os rivais do H2O se vangloriaram e provocaram.

A partida de abertura estava a poucos momentos de distância agora  e quando a hora de começar se aproximava, Fitzgerald virou pro seu time e disse: "Vamos matar estes caras."

E mataram mesmo. "Nós acabamos destruindo eles", recorda Fitzgerald.

Não teve para ninguém. Time após time caiu diante das mãos da equipe H2O. Logo, uma multidão vibrante de espectadores tinha se reunido ao redor deles, todos tentando ter um vislumbre do homem que jogava usando o rosto enquanto ele exterminava desafiador após desafiador. "Havia tantas pessoas tirando fotos que o flash estava começando a doer e estava difícil de focar na tela," conta Fitzgerald. "Nós terminamos vencendo naquele dia, e se você sobrevive para o segundo dia você é considerado profissional."

H2O pode ter sido derrubado na primeira rodada no dia seguinte, sonos depois de uma noite celebrando as vitórias anteriores com um engradado de cerveja, mas a performance de N0M4D's se tornou o assunto do torneio.

N0M4D (ao fundo) e o time do H2O em 2007

Fitzgerald, agora com 32 anos, começou a jogar bem cedo. "Eu tinha cerca de três. Meu pai costumava ir ao boliche com seus amigos e me levar com ele. O boliche tinha um fliperama e meu pai empurrava a máquina de pinball para a frente da máquina de Pac-Man, me tirava da cadeira de rodas, me colocava de bruços na máquina de pinball e colocava uma ficha no Pac-Man e eu movia o controle com meu queixo."

Logo estas fichas estavam durando horas. "Um ano meu pai me inscreveu em uma competição local de Pac-Man e eu fui o segundo ou terceiro," ele diz. Não demorou muito para que Fitzgerald estivesse complementando suas conquistas no fliperama em casa com um Atari 2600 e miniaturas de máquinas arcade produzidas por empresas como a Coleco.

"Meus pais perceberam que não há muitas atividades que eu possa fazer com minha deficiência, então eles apoiaram com entusiasmo todo aquele negócio de jogos", conta Fitzgerald. "Eles me compraram um monte de jogos e cada novo sistema que era lançado. Então, eu tinha um bocado de prática."

Não que a transição entre consoles tenha sido suave. "Quando eu fui de controles de um botão da Atari para o NES com um d-pad e dois botões eu lembro que eu me senti muito frustrado e pensando como é que eu ia conseguir jogar aquilo?"

A solução de Fitzgerald foi girar o controle em 45 graus no sentido do relógio de tal forma que ele pudesse manipular o direcional com seu lábio superior e usar seu queixo para apertar os botões A e B. O esquema funcionou, com apenas alguns ajustes, até idos do final dos anos 90 quando o Sega Saturn forçou outra abordagem. "Eu aprendi a virar o controle de outro jeito de forma que eu poderia usar meu queixo para girar o direcional e meu lábio superior para apertar os outros botões. É assim que eu tenho jogado desde então."

N0M4D - Controle do Xbox Modificado

Fitzgerald sente que suas habilidades como jogador se devem muito mais aos anos de prática do que a um talento inato. Na verdade, ele se sente um pouco desconfortável a respeito de sua reputação de "jogador profissional"."Eu nunca usei a expressão até que o Major League Gaming começou a publicar artigos em seu site falando como eu era pro. Depois daquilo todo mundo estava me chamando de pro", ele revela. "Eu não sei. Eu acho que eu sou... aceitável. Eu vejo outras pessoas que são melhores do que eu."

Independentemente, suas proezas nos jogos certamente inspiraram outros. "Tem um porção de jogadores deficientes físicos que disputam torneios agora, mas eu fui o primeiro. Eu recebo um monte de e-mails de outras pessoas com problemas que dizem 'muito obrigado, você me deu a coragem para ir a este torneio'. Eu me sinto bem com isto".

"Mas é um hobby - eu não estou planejando fazer disto uma carreira. Alguns destes garotos de 15 anos me assustam. Eles me mandam mensagens perguntando como se tornar um jogador profissional e eu mando: 'Guri, você não pode entrar nesta achando que é uma carreira'."

Pensando em carreira, o plano real de Fitzgerald é abrir seu próprio estúdio de desenvolvimento de jogos. "Eu fui para a faculdade para estudar design de jogos e desenvolvimento. Esta é minha verdadeira paixão. Eu gosto de criar jogos eletrônicos."

Embora um período de grave enfermidade tenha provocado um atraso em sua conclusão de curso, ele já registrou o nome Nomadic Games e está perto de terminar a documentação de design de seu primeiro jogo. "Eu conheço um monte de gente na indústria, incluindo o pessoal da Infinity Ward, e eles estão aguardando para ver essa documentação e vão me ajudar a prospectar uma produtora que, espero eu, irá me dar o dinheiro para contratar um time para criar estes jogos," ele diz.

As ligações de Fitzgerald com a Infinity Ward são próximas, principalmente porque ele teve uma influência direta nos últimos cinco títulos do Call of Duty.

De volta a 2006, quando Call of Duty 4: Modern Warfare ainda estava em desenvolvimento, Fitzgerald e o estrategista de criatividade da Infinity Ward Robert Bowling se conheceram enquanto escreviam blogs da E3 para a Microsoft.

Então, no ano seguinte, Bowling convidou Fitzgerald para testar o beta do que transformaria a marca Call of Duty no gigante comercial que é hoje. Fitzgerald adorou: "Era realmente inovador na época com coisas como os killstreaks."

Mas havia um problema. A opção de "alternar mira" incluída no Call of Duty 3 da Treyarch não estava mais lá. "Aquela opção tornou o jogo mais fácil para mim a partir do momento em que eu não tinha que segurar o botão de mira esquerdo, eu apenas dava um toque para para subir ou abaixar a arma", explica Fitzgerald.

Tentando descobrir se outros sentiriam a mesma falta que ele antes de levantar a questão com a Infinity Ward, ele perguntou aos membros do fórum do Call of Duty CharlieOmegaDelta por suas opiniões. "Eu pensei que talvez uns dois caras fossem dizer 'oh yeah, eu também', mas eu recebi 25.000 respostas em um par de dias", ele diz. "Todo segundo tinha alguém postando algo novo. Eu acho que eu não dormi por dois dias enquanto lia todas as mensagens e tentava responder todo mundo. Foi loucura."

Dias depois a Infinity Ward anotou o problema e prometeu reintroduzir a funcionalidade em um patch que iria adicionar uma nova opção de controle batizada de N0M4D  em homenagem a Fitzgerald. Desde então, cada Call of Duty incluiu o esquema de controle N0M4D, exceto Modern Warfare 2, onde um bug forçou sua remoção no último minuto e as subseqüentes demissões e crises no estúdio terminaram com o patch nunca sendo lançado. A Infinity Ward  entretanto confirmou que os controles N0M4D  serão incluídos em Modern Warfare 3.

N0M4D - E a equipe de desenvolvimento de Modern Warfare 3

Já tendo deixado sua marca no circuito profissional e em Call of Duty, Fitzgerald está agora mais focado em seu futuro como criador de jogos. É uma jornada que reflete o significado por trás do apelido escolhido pelo residente de Minnesota. "As pessoas acham que eu escolhi N0M4D porque um nômade anda por aí e é irônico por causa da cadeira de rodas, mas não. Minha razão é mais filosófica. Minha versão do nômade é alguém que viaja pela Terra em busca de seu propósito na vida e ao longo do caminho para em vilas e cidades e compartilha de suas experiências antes de seguir em frente. Eu acho que sou eu. Eu sou uma pessoa que ainda está a procura de seu propósito na vida e o que quer que eu aprenda eu compartilho com as pessoas. Então, eu achei que o nome me caía bem."

E outros claramente concordam: agora quando Fitzgerald vai a eventos competitivos, ele é recebido com respeito em lugar do espanto que recebeu em 2007. "Muitas pessoas nem sabem meu nome verdadeiro," ele diz, "Eu vou em um torneio e  não tem 'e aí, Randy, como vai?'. É  ei, N0M4D, qual é a boa?'"

Veja Randy Fitzgerald em ação e a história por trás do controle N0M4D:

E uma reportagem da FOX da época do lendário torneio de 2007:

Ouvindo: Nine Inch Nails - Down In It

Um comentário:

NasfeR disse...

Cacete, eu sou totalmente adepto do Teclado + mouse, mas vez ou outra vou para o Joystick jogar uma partidinha de GoW com meu irmão. Vendo ele jogar da forma como ele joga, dá vontade de abandonar de vez as tentativas de jogar no Joystick. Apartir de agora não culpo mais o controle por minhas limitações para com ele.
Agora fora do mundo virtual e vendo superações como essas que nos dá força de vontade de encarar o dia a dia...

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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