Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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22 de junho de 2011

Jogando: Strife

Strife - Cover Há exatos quinze anos atrás, a engine do primeiro Doom, a id Tech 1, dava seu último suspiro na forma de um jogo que tinha tudo que havia em Doom: corredores, inimigos, armas de fogo, rios de água tóxica, armaduras e áreas secretas. Mas Strife não era um FPS. Usando a ferramenta e as idéias levantadas por John Carmack e seu time, Strife ousou ser um RPG. E naufragou nas prateleiras. Doom, Hexen e Heretic são jogos bastante conhecidos baseados no motor gráfico do primeiro. Não por acaso, todos eles ganharam continuações. Mas o quarto e derradeiro pilar dos chamados "Quatro Grandes" títulos desapareceu sem deixar rastros.

Strife teve um desenvolvimento tardio e conturbado, trocando de empresa no meio do processo. Quando chegou às lojas, enfrentou a concorrência de outros títulos tecnologicamente mais evoluídos. Duke Nukem 3D havia sido lançado no mesmo mês, após meses de circulação em sua versão shareware. O gênero dos FPS já começava a tomar uma forma sólida na mente do público: matar tudo que se move e seguir em frente. Um mês depois, seria a vez da própria id software mostrar o sucessor da id Tech 1, através do jogo Quake. Com autênticos polígonos 3D e uma poderosa estrutura para jogatina em rede, o título foi um sucesso de vendas. Enquanto isso, a produtora Velocity, responsável pela distribuição de Strife, fechava suas portas.

Árduo Caminho dos Pioneiros

Mas estavam todos errados. Tanto a produtora quanto os jogadores olhavam para Strife e viam mais um jogo de tiro, um patético dinossauro usando um motor de anos atrás em um momento em que a indústria andava a passos largos. Entretanto, o título desenvolvido pela Rogue Entertainment era um dos poucos pioneiros no embrionário mercado das obras que recusam classificação, um dos raros híbridos FPS-RPG nos anos 90.

Pathways Into Darkness Antes dele, apenas o primeiro System Shock e o jogo para Mac Pathways Into Darkness haviam cruzado este limite. Felizmente, se a inventividade destes criadores não se traduziu em sucesso comercial imediato, temos o consolo que seus talentos floresceram com os anos.

A Rogue Entertainment, após Strife, trabalhou em expansões para Quake II e no primeiro American McGee's Alice. Com o fim da Rogue, muitos funcionários continuaram na ativa na Nerve Software, que ajudou na produção de Doom 3: Resurrection of Evil, James Bond 007: Quantum of Solace e Call of Duty: Black Ops.

System Shock, por sua vez, foi desenvolvido pela extinta Looking Glass Studio, também responsável por Ultima Underworld, a franquia Thief e System Shock 2 (em colaboração com a Irrational Games, que hoje vive de seu "sucessor espiritual", a série Bioshock). Das fileiras da Looking Glass Studio saíram desenvolvedores e conceitos que ajudaram a criar Deus Ex, Dark Messiah of Might and Magic, Half-Life 2, Fallout 3 e vários outros. Das fileiras da Looking Glass Studio saiu Warren Spector.

Pathways into Darkness foi o primeiro jogo em primeira pessoa de uma desenvolvedora que conquistaria o mundo: uma certa Bungie.

Tantos jogos, tantos caminhos e inovações que começaram com apenas três títulos. E seus pioneiros.

Viva a Revolução!

Screenshot_Strife_20110617_225621 Em Strife, o jogador vive em um futuro distópico, onde uma estranha força desceu do espaço e transformou boa parte da raça humana em mutantes. Entre estes mutantes surgiu uma elite brutal e organizada, chamada de A Ordem. Como uma mistura de nazistas e fanáticos religiosos, eles controlam o resto da população com mão de ferro. Um movimento de resistência, frágil, mas determinado, surge para derrubar A Ordem. O personagem do jogador surge como um mercenário, que se alia à Resistência e realiza missões em troca de dinheiro.

Se o enredo acima parece uma pilha de clichês decadentes, sua execução estava anos-luz à frente do que se fazia em termos de FPS. Antes de Half-Life, já existiam NPCs circulando pelo cenário. Antes de Half-Life 2, seus inimigos são criaturas deformadas escondidas debaixo de roupas cibernéticas e que se comunicam via rádio. Antes de GTA, você tinha a liberdade de ir e vir a quase qualquer lugar. Você podia usar o dinheiro para comprar armaduras, armas, medicamento e munição em lojas espalhadas pela cidade principal. Você tinha um inventário de itens. Antes de Deus Ex, você tinha três finais diferentes e escolhas morais. Antes de Deus Ex, você também podia escolher a melhor abordagem, ainda que de forma limitada, para completar seus objetivos. Antes de Blood, os inimigos gritavam e se debatiam quando atingidos com uma arma incendiária. Você também podia melhorar seus pontos de vida e sua precisão nos disparos. Antes de muitos outros jogos, você tinha contato constante com uma lutadora da resistência, que passava instruções via rádio. Em Strife, você tinha um universo repleto de lugares-comuns, mas vivo e pulsante. Avançado demais para 1996.

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Não que Strife não tenha suas falhas. Ao ser lançado, o jogo tinha um único slot para salvar, situação inconcebível para um título onde a vida poderia ir embora em um piscar de olhos. Este problema foi corrigido depois, mas já era tarde. Uma decisão errada tomada em um ponto poderia ter reflexos irreversíveis muito tempo lá na frente (um conselho: NÃO ROUBE a taça no Santuário).

E o motor gráfico, realmente, não ajudava no visual geral. Para compensar, cenas de diálogo e "cutscenes" apareciam em forma de desenhos que tinham um sabor de histórias de quadrinhos:

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Com o fechamento da produtora Velocity, os direitos legais do jogo se tornaram um pesadelo jurídico. Para piorar a situação, o código-fonte original foi oficialmente perdido. As chances desta pérola do passado reaparecer no GOG ou similar, são quase nulas. Para minha sorte, o programador Jānis Legzdiņš, autor do port para Doom chamado Vavoom, teve a paciência e a capacidade de RECRIAR o código do jogo usando engenharia reversa e o adaptou para o Vavoom e o Zdoom. Se você conseguir encontrar o jogo original por aí na Internet, basta jogar o .WAD do jogo e dos diálogos na pasta do Zdoom e desfrutar da customização dos controles, do suporte a 1024x768 e múltiplos espaços para salvamento.

Strife é um título intrigante, com muitas ideias que precedem em vários anos outros jogos e mapas extensos que nada lembram os "corredores virtuais" que vemos hoje em dia. Ainda estou no começo da revolução, com acesso liberado ao castelo da Ordem e dezenas de soldados da resistência ao meu lado. Vi batalhas em tempo real entre inimigos e NPCs acontecendo a alguns metros de mim. Impressiona pela época, impressiona por eu não imaginar que a engine de Doom podia fazer essas coisas. Palmas para a Rogue Entertainment. Quão diferente teria sido o cenário hoje, se outros jogadores tivessem ouvido o som da revolução?

Ouvindo: Velvet Acid Christ - Cease to Understand

4 comentários:

Marcos A. S. Almeida disse...

Esse site "por aí na Internet" é meu velho conhecido.Frequentava ele assíduamente numa época em que eu estava num misto de "saudosismo + PC limitadíssimo" , principalmente - ou únicamente - a parte portuguêsa do site.Os posts eram frequentes , mas infelizmente o abnegado trabalho dos "patrícios" dava evidências que não iria perdurar.Recentemente voltei e percebi alguns posts novos.Já a parte em inglês sempre "bombou".
Quanto ao jogo Aquino, o shooter puro já era uma novidade estonteante ( lembro que depois que experimentei Doom no SNES e adorei ,procurei por vários em primeira pessoa e só achei Wolfeinstein)por que consumiría-mos algo tão complexo quanto esse STRIFE?Mas a verdade é que só estou conhecendo o título agora...

Douglas disse...

Caramba, eu ja tinha visto esse jogo em quanto passeava pelo site da Abandonia, nos velhos tempos de pc jurassico, mas por alguma estranha conspiração cosmica psiquica eu sempre ignorei, pensando "é só mais um FPS estilo Doom", acho que agora vou dar uma chance para ele.

E alias, se você quiser jogar o "Pathway Into Darkness", e se não tiver problema em soar a camisa, você pode emular o Mac Os 7.5 usando um emulador chamado "Basilisk II". Eu me lembro de ter feito isso, com meu pc jurassico (sempre com ele), exatamente para jogar o "PID". É um pouco complicado, mas garanto que vale a pena, e ainda você pode jogar a serie "Marathon" tambem (no minimo você deve saber do que se trata).

Gabriel disse...

Joguei ele, consegui um pack com alguns jogos dessa engine, li as analises do Aquino, aliás sempre boas...porém eu joguei 2 minutos, sério, desisti, não me fez sentido nenhum, MESMO, já me deu nauseas quando eu entrei numa loja para fazer uma quest, ok, todos os guardas da cidade me matando, ok...entrei num boteco, pedi cachaça das boa, GANHEI UMA NOVA QUEST SEM SABER O QUE FAZER, desisti e voltei a jogar hexen q achei muito divertido.
E nota que ignorei os comentarios ruins sobre o jogo antes de joga-lo.

C. Aquino disse...

Gabriel, o jogo é bem confuso no início mesmo. Eu devia estar com infinita paciência nessa época porque até a história engrenar, eu morri ou ferrei o jogo umas dez vezes só nesse começo. Não joguei o primeiro Hexen até hoje (exceto uma versão demo). O segundo é muito bom. O jogo irmão deles, o Heretic, é excelente.

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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