Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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17 de novembro de 2008

Invasores de Brasília

Quando criança eu sempre fui (e ainda sou) uma negação absoluta em esportes. Nos times de futebol da escola eu era sempre o último a ser escolhido. Pelada na rua para mim não existia. Da mesma forma, soltar pipa, correr atrás de balão, jogar bola de gude, brincar de pique ou outra atividade que exigisse um pouco de esforço físico era um suplício. Talvez eu esteja exagerando os fatos, visto que eu até gostava de brincar de pique. Mas não era bom nisso. Nem um pouco.

Meus passatempos seguiam a linha intelectual. Gostava de ler, gostava de jogos de estratégia, gostava de filmes. Minha infância e, certamente, meu futuro, pareciam fadados ao mundo dos nerds, onde reflexos rápidos e coordenação motora davam lugar a raciocínio detalhado e planejamento calculista.

Em uma semana de férias, tudo mudaria.

No verão de 198..., meus primos mais velhos vieram da capital passar uns dias no Rio de Janeiro. Sem conhecer ninguém por aqui e tendo como companhia apenas um pirralho CDF que não jogava bola, eles rapidamente se entediaram. E perguntaram: "onde tem um fliperama por aqui?". Fliperama. Palavra mágica que eu nunca tinha ouvido falar, coisa de primo mais velho que entende das coisas de uma forma que você sente inveja quando é criança.

Eu não fazia a menor idéia de onde havia um fli-pe-ra-ma pelas redondezas. Mas meu pai sabia (não me pergunte como). Havia um fli-pe-ra-ma a três quarteirões de casa e ele explicou o caminho para meus primos. Fui aconselhado a ir junto, porque eles poderiam se perder. Eu estava pela primeira vez me aventurando a pé a uma distância que nunca tinha ido e supostamente seria o guia da jornada. Claro, por que não?

O lugar era escuro. Luzes coloridas piscavam intermitentemente de máquinas estranhas espalhadas nas paredes. A cacofonia de sons digitais alienígenas para mim preenchia todo o ambiente. Uma overdose sensorial atingiu-me no peito e um frio desceu pela barriga. Garotos muito mais velhos do que eu se concentravam diante de suas telas, alheio a mim ou aos meus primos. Formavam uma confraria muda e mútua. Que novo mundo era aquele? Como eram suas regras? Eu conseguiria participar?

Space Invaders O primo mais velho curtia máquinas de Pinball. O outro já havia superado os "joguinhos" em 2D e estava experimentando algo mais "3D", um jogo que dava a ilusão de perspectiva. Fui ensinado como jogar Pac-Man e Space Invaders, mas o segundo se tornou meu favorito. Legiões de naves extraterrestres desciam implacavelmente em minha direção e eu atirava em total desespero para preservar minhas vidas, minhas fichas e o pouco dinheiro que meu pai tinha dado. Minhas jovens retinas se deliciavam com o fluxo contínuo de desafios, com a novidade, com o movimento. Voltei lá outras duas vezes, com meus primos. Sempre ia na máquina de Space Invaders.

Depois meus primos aprenderam a ir sozinhos e meu pai não queria que eu ficasse gastando dinheiro para enriquecer o dono da loja. Depois meus primos voltaram para Brasília. E eu nunca mais pisei no fli-pe-ra-ma.

Mas o estrago tinha sido feito. O vírus mental dos jogos eletrônicos havia entrado em meu sistema, para nunca mais sair. Tinha descoberto que existem outras formas de diversão e socialização além daquelas que as gerações anteriores haviam criado. Um novo milênio se aproximava a passos inexoráveis, uma nova indústria se agigantava com fome de angariar milhões de dólares em todo o mundo, uma força tecnológica que alteraria a face do planeta estava descendo do alto da tela em direção a um futuro que não tinha defesas.

Foram poucas horas de minha vida aquelas passadas no escuro com os invasores do espaço. Horas que se transformaram em décadas.

(P.S.: Em outra ocasião, meus primos também me influenciaram a gostar de quadrinhos de super-heróis e só não me apresentaram ao Rock and Roll porque minha avó já havia feito isso, anos antes, com um disco dos Beatles).

Ouvindo: Spahn Ranch - Remnants

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