Retina Desgastada
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18 de julho de 2023

Jogando: Control

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No primeiros anos de minha juventude, fui sequestrado pelo mundo oculto. Temas como parapsicologia, ufologia e criptozoologia exerciam em mim um apelo que era o resultado da combinação poderosa de uma imaginação fértil desde tenra infância, combinada com um forte pensamento racional e fermentado naquele febril estado adolescente em que você acredita que o mundo não é como dizem para você. Ao contrário de superstições, folclores e religiões, esses temas teriam base científica. Existiam estudiosos supostamente sérios fazendo experimentos ou buscando provas nesses campos. Havia mistérios universais a serem desbravados, apenas esperando uma mente indócil para decifrá-los.

A vida adulta e a percepção que veio com ela amplificaram minha racionalidade e me dei conta de que toda aqueles horizontes fascinantes que persegui estavam mais próximos dos delírios dos contos de fada, do que exatamente das verdades que emergem de laboratórios. Hoje, me defino como um cético, um ateu, um pragmático. Até prova em contrário, o universo tem leis imutáveis e mensuráveis.

O que não me impediu de manter acesa a chama da imaginação, de ser atraído para teorias da conspiração, The Invisibles, X-Files e outros produtos culturais como valor de entretenimento, tão válidos e estimulantes quanto os mundos mágicos de Tolkien ou a epopeia espacial de Lucas.

O que me leva a Control.

A obra-prima da Remedy resgata aquele Aquino da juventude para brincar. O jogo abre as portas de um mundo antes apenas vislumbrado pelo buraco da fechadura. Seja bem-vindo ao Birô Federal de Controle.

Era Uma Casa Muito Engraçada...

Control acompanha a personagem Jesse Faden, que é atraída para um prédio não identificado de Nova York. A partir do momento em que ela cruza o hall de entrada, seu destino está selado. Esse prédio é a Antiga Casa, a instalação enigmática de uma vasta e burocrática organização do governo dos Estados Unidos que investiga e controla fenômenos que desafiam a compreensão humana. Tudo é envolvido em uma aura de segredo, ainda que seja mantido aquele clima mofado de repartição pública respeitável.

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Jesse Faden em si guarda um enigma: ela está conectada a uma entidade extradimensional. Essa conexão permite que Jesse sobreviva ao caos que se instalou na Antiga Casa. O lugar que deveria estar preparado para enfrentar e controlar ameaças além da realidade foi tomado por uma força que sequer pode ser adequadamente explicada. A partir daí, Jesse e o jogador terão que encarar essa invasão, resolver as pendências do passado de Jesse e salvar os sobreviventes do Birô Federal de Controle

A Remedy não inova em seus conceitos. A fusão de uma estrutura organizacional corporativa com fenômenos inexplicados é uma ideia que já foi explorada diversas antes na cultura popular. Em 1990, Grant Morrison já estreava os Men from N.O.W.H.E.R.E., uma força do governo que combatia anomalias e batia de frente com os bizarros integrantes da Patrulha do Destino (o conceito foi adaptado como o Gabinete da Normalidade, na adaptação para a TV). A base dos Men from N.O.W.H.E.R.E. era a Ant Farm, um complexo de salas nos subterrâneos do Pentágono. ideias similares surgiram depois, como os famosos Men in Black ou mesmo a fundação multinacional de O Segredo da Cabana.

Entretanto, a maior fonte de inspiração para Control está na chamada Fundação SCP. A natureza memética de sua criação, sem origem determinada e de crescimento colaborativo, poderia fazer parte de um de seus estudos. É uma obra de ficção coletiva que exerce um impacto cultural invisível: uma amálgama de micro-contos sobre objetos, entidades e forças que não podem ser adequadamente catalogados e que seriam contidos por um organização com rígidos protocolos de estudo e contenção. Para todos os fins, há muito da SCP no BFC da Remedy.

Um dos grandes charmes da SCP, que a desenvolvedora de jogos mantém, é a ausência de explicações fáceis. A ficção científica está saturada de civilizações espaciais, sociedades extradimensionais e fenômenos que recebem um tratamento quase enciclopédico por parte de seus autores, que se esforçam para construir um universo e explicar cada minúcia de suas criações. No entanto, SCP, Control e obras similares partem do pressuposto lovecraftiano de que existem cenários e circunstâncias que escapam da compreensão humana, não importando o jargão empregado. São obras que não buscam explicar, mas confundir, incomodar, assombrar.

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A própria Antiga Casa é desconhecida por seus ocupantes. Suas salas, corredores, seções inteiras, mudam de lugar de forma inesperada, em uma arquitetura que não foi projetada para ser utilitária e beira o brutalismo. Sua Fundação remonta tempos imemoriais, antes do Homem. Os poderes que realmente governam esse espaço sequer possuem uma forma física como conhecemos.

A atmosfera de Control então se torna seu maior triunfo. A Remedy é meticulosa em seus detalhes, em construir um espaço que é ao mesmo tempo extremamente cotidiano, igual a milhares de escritórios em milhares de prédios públicos, e alienígena. Cartazes de segurança do trabalho espalhados por toda a parte dão verossimilhança ao irreal. Passear por esses corredores e escadas é um deleite aos olhos que é recompensado com fragmentos de seu passado, na forma de memorandos, arquivos, fitas de áudio ou vídeo que remontam a História dessa organização. Control é um dos raros jogos em que se tem prazer em ler os famigerados logs.

Tiros no Escuro

Se os aspectos narrativos e de construção de mundo são o ápice do que a excepcional Remedy já conseguiu, é nas mecânicas que Control derrapa ligeiramente. Basicamente, Control é um jogo de tiro complicado (e nem sempre satisfatório), lindamente envelopado.

Há uma única arma para Jesse, chamada corretamente de Arma de Serviço. Como a própria Antiga Casa, sua natureza é mutável. Seus componentes se realinham para exercer diferentes funções. Desta forma, a Arma de Serviço pode ser uma pistola, uma escopeta, uma metralhadora, um rifle de precisão devastador, uma bazuca ou um lança-granadas. Infelizmente Jesse só pode alternar entre duas funções de cada vez durante os combates. Trocar essa configuração exige uma passada no menu, uma quebra de imersão desnecessária.

Desnecessário é o termo correto para o grande número de sistemas que funcionam simultaneamente em Control, seja para evoluir seu personagem, seja para a evoluir a própria Arma de Serviço. Modificadores e materiais caem dos inimigos abatidos ou de caixas escondidos no cenário e permitem que o jogador construa seu estilo de encarar os conflitos. É uma quantidade excessiva de fricção e fatores a serem avaliados de forma analítica, com melhorias acontecendo a conta gotas. Gerenciamento excessivo de recursos acaba se tornando enfadonho depois de um tempo.

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Entretanto, evoluir é fundamental, uma vez que os inimigos não dão trégua e surgem de surpresa. Não existem muitos lugares seguros na Antiga Casa. Com muitas idas e vindas pelos cenários, é garantido que hordas de oponentes irão se materializar mesmo em locais que já foram visitados. O combate é implacável e exige mais reflexos que eu imaginava inicialmente. Se manter em movimento e no ataque é a melhor estratégia, uma vez que até o mais fraco dos inimigos pode derreter um pedaço significativo de sua vida em um segundo.

Por um excesso de trabalho e jogos para analisar para o Gamerview, fui deixando Control de lado. Chegou um ponto em que desaprendi a lutar. Os reflexos simplesmente não estavam mais lá. Depois de dez mortes sem avançar um metro na direção que queria, fui obrigado a utilizar o modo de assistência. Configurando corretamente, reduzi o dano recebido pela metade e aumentei o dano que minha Jesse fazia. Depois que recuperei o ritmo e não larguei mais o jogo, abandonei o bônus de dano, mas não fui capaz de assumir o dano integral recebido. Ainda assim, foi a melhor decisão: Control se tornou administrável e não mais uma fonte de frustrações.

Concluí a campanha principal, concluí a expansão The Foundation e quase concluí a expansão AWE, falhando apenas na batalha contra o chefe final. Da mesma forma, o chefe opcional Tomassi da campanha principal, assim como as missões secundárias do Faxineiro e da Jukebox foram deixadas de lado. Control não é exatamente o tipo de jogo que eu estava jogando pelas batalhas, mas para receber uma dose extra de seu estranho universo.

Modificando e Expandindo Control

O mod Service Weapon Hotkeys se tornou um elemento essencial para minha experiência de Control. Ele simplesmente atribui uma tecla numérica para cada uma das formas da Arma de Serviço, como em um FPS tradicional. Essa modificação contorna a dor de cabeça e mexer em menus para acessar a forma mais apropriada em cada situação.

Existem inúmeros mods visuais que prometem entregar gráficos ainda mais exuberantes do que aqueles que saíram de fábrica. Deslumbrado com o potencial de minha RTX 2060 e experimentando o Ray Tracing pela primeira vez, não vi necessidade de melhorar o que já estava excelente. Porém, me apaixonei pelo modo Fotografia de Control (mais de 50 telas foram capturadas e preservadas). E existe um mod que utiliza as fotos que o jogador captura e coloca aleatoriamente como tela e fundo durante os momentos de carregamento: Photomode Loadscreens.

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Por sua vez, a Remedy caprichei nas expansões oficiais, a ponto de ser praticamente obrigatório ter a versão Ultimate do jogo. Em The Foundation, exploramos o passado da Antiga Casa em uma região inédita e fascinante. É uma jornada longa por ambientes diferenciados, que responde algumas perguntas sobre o universo em questão, mas traz muitas outras, além de insinuar os rumos que a franquia pode tomar daqui pra frente. O foco maior está em exploração de cenário, com abismos de tirar o fôlego.

Em AWE, a Remedy estabelece uma conexão inesperada com Alan Wake, situando os dois jogos no mesmo universo. Os acontecimentos no survival horror teriam sido a manifestação de um Evento de Mundo Alterado, o tipo de ameaça que o BFC monitora e combate. Ainda que meu conhecimento de Alan Wake seja praticamente nulo, a expansão é muito satisfatória em recriar uma narrativa tensa e assustadora, elevando Control ao gênero terror. Um dos personagens de Alan Wake acaba se tornando o grande perigo dessa investigação, uma abominação que se alimenta da escuridão. Caçar esse ser joga uma luz sobre o departamento de investigações e outros casos curiosos do passado do BFC.

Diretor Aquino

Sentado em minha cadeira, em meu escritório, aguardo o novo chamado do dever. As portas de uma outra realidade seguem abertas e eu me pergunto que estranhas mutações a Remedy guarda nas profundezas de sua criatividade.

Ouvindo: Qntal - El Sendero Hacia Monserrat

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