Retina Desgastada
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12 de junho de 2023

(não) Jogando: Miasma Chronicles

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(publicado originalmente no Gamerview)

Quando Knack foi apresentado para o público, era praticamente uma demo técnica do poder gráfico do PlayStation 4. Vejam vocês: um ser formado de partículas que podiam mudar de forma! Não havia muito sentido para o protagonista ser assim, exceto exibir que agora era possível ter tantos elementos se movendo na tela. Nesse sentido, Miasma Chronicles está mais próximo de Knack do que de Mutant Year Zero, o jogo anterior de seus criadores.

A desenvolvedora The Bearded Ladies poderia ter seguido o caminho fácil de fazer uma continuação de seu título de estreia, aproveitar as bases daquele universo. Em algum momento de brainstorm, eles se deslumbraram com as possibilidades da atual geração de consoles e lotaram seus mapas de partículas impressionantes, ainda que tenham se esquecido de acrescentar uma identidade maior, uma história interessante ou mesmo diálogos que motivem o jogador.

Do Pó Vieste, Ao Pó Voltarás

O Miasma que dá nome ao jogo é uma força incompreensível que está literalmente dissolvendo a realidade. Tudo que existe, lugares, pessoas, estão se desintegrando aos poucos, se fundindo, de uma forma que salta aos olhos. Não há como negar que o efeito visual obtido pelo estúdio é algo que chama a atenção desde os minutos iniciais do jogo. Aos efeitos do Miasma, a desenvolvedora adiciona cenários caprichados de detalhes (e é uma pena que não haja qualquer controle de zoom para a câmera).

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Lamentavelmente, toda essa exuberância cobra um preço alto da placa de vídeo. Durante toda minha jogabilidade, senti que a GPU estava nos seus limites térmicos, a um passo de produzir mais calor que um reator nuclear. O fato é que a The Bearded Ladies não apenas exagera na quantidade de fragmentos e partículas flutuando e girando na tela como também não fez um bom trabalho de otimização. É possível reduzir a qualidade dos efeitos, porém, assim eu estaria removendo o principal chamariz da aventura.

Aqui, controlamos Elvis, um adolescente desse futuro distópico que herdou um dispositivo central para a trama: uma luva cibernética capaz de manipular o Miasma. A partir daí, é possível executar ataques especiais que consomem energia. Porém, o uso tático da luva é menos importante do que sua função na história. Com a configuração correta e completamente carregada, a luva será capaz de abrir o Véu, uma barreira de Miasma que separa Elvis de sua mãe, uma pesquisadora que pode ter uma solução para o problema desse mundo.

Miasma Chronicles apresenta um universo com ideias interessantes, ainda que não foque em nenhuma delas. Antes da catástrofe global, a raça humana havia atingido a “perfeição” tecnológica. Mesmo nessas condições, havia um abismo de poder entre a Primeira Família, a classe dominante, e todos os outros cidadãos, meros trabalhadores dessa sociedade “ideal”. A chegada do Miasma só acentuou a divisão. É uma pena que a construção desses conceitos não vá muito além disso.

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O jogo também é prejudicado por diálogos fracos, pronunciados por personagens que não apresentam um traço de originalidade. Temos o prefeito malemolente, o protagonista rebelde, um robô com trejeitos de Bender, uma jovem assassina com um passado misterioso, um vendedor que acha que você é otário e por aí vai. Os inimigos se dividem entre monstros irracionais e humanos malvados até a raiz. Nesse ponto, Mutant Year Zero dava um banho em Miasma Chronicles, com seus personagens carismáticos.

Miasma Chronicles Não Admite Erros

O esquema básico de qualquer RPG tático por turnos com mapa aberto é oferecer uma boa quantidade de coberturas e ângulos para você posicionar suas tropas e explorar suas habilidades. Quanto mais o título permite improviso ou abordagens fora da caixa, melhor ele fica. Não é o caso aqui: Miasma Chronicles é bastante punitivo com qualquer ousadia e uma falha de posicionamento pode levar inevitavelmente a uma derrota.

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Esse aspecto transforma qualquer batalha em um exercício de decifrar a sequência correta de movimentos e ataques para vencer. Ou um exercício de morte e repetição até encontrar a sorte grande. Batalhas que culminaram em completas derrotas podem virar um massacre em que o inimigo mal vê o que os atingiu.

Se ao jogador é oferecida pouca flexibilidade, sob o risco de morte, para a IA, a flexibilidade é zero. Venci um dos chefes aproveitando sua completa incapacidade de se adaptar. Meu último soldado de pé ia do ponto A ao ponto B, o chefe ia do ponto X ao ponto Y. Então, eu fazia meu soldado voltar do ponto B para o ponto A e o chefe também voltava, do ponto Y ao ponto X. Em nenhuma dessas posições, a IA inimiga tinha visão de tiro. Em uma dessas posições, eu tinha 65% de chance de acerto. Com paciência, ficamos nessa dança e venci.

É uma pena também que haja poucas opções táticas para serem utilizadas e, na maior parte do tempo, seus comandados irão executar a mesma sequência de se posicionar e atirar, se posicionar e atirar. Ainda que haja habilidades especiais, elas causam pouco impacto e tem um período de recarregamento que continua mesmo entre as batalhas! Vigília (ou Overwatch), uma perícia básica de fábrica da maioria dos jogos táticos, que permite que o personagem atire automaticamente se algum inimigo entrar em seu campo de visão, aqui é uma habilidade que precisa ser adquirida e que necessita de um grande hiato antes de ser realizada novamente.

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Nem mesmo há uma grande diferenciação entre os personagens que são controláveis. Sua árvore de perícias é bastante similar e as habilidades exclusivas não alteram o campo de batalha tanto assim. Para complicar, as forças inimigas parecem se mover muito mais longe, ter muito mais pontos de vida e resistência que o time do jogador.

Evolução? Que Evolução?

As dificuldades poderiam ser resolvidas (além de um redesenho do sistema de combate) com uma progressão constante. Não é o que acontece aqui tampouco. Cada perícia exige um número de pontos que vai demorar para ser juntado. Felizmente, os desenvolvedores de Miasma Chronicles parecem saber que o custo é surreal, então é possível resetar a árvore de habilidades a qualquer momento, para evitar que o jogador fique preso com uma perícia que levou horas para ser adquirida e se mostrou pouco útil.

Cada arma ou equipamento exige uma quantidade de plástico (a moeda desse universo) quase impossível de se arrecadar. Para se conseguir dinheiro em Miasma Chronicles, é necessário explorar os cantinhos do mapa e ir juntando de 10 em 10 plásticos, em um universo em que um rifle novo custa 1000. Os comerciantes conseguem ser mais brutais que os inimigos: vendi uma granada que não uso por 20 plásticos, o comerciante cobra 200 pelo mesmo artefato. Já vi ganância antes em RPGs, mas isso só aumenta a revolta em um jogo tão economicamente desbalanceado.

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Nem a história progride com gosto. Há uma miríade de idas e vindas por mapas já visitados em busca de respostas que não chegam e são substituídas por mais perguntas.

Miasma Chronicles é tecnicamente exuberante, tanto em termos visuais quanto de efeitos de som, mas carece de uma alma, carece de carisma e, definitivamente, carece de mecânicas bem pensadas.

Ouvindo: Tom Holkenborg (Junkie XL) - Immortan's Citadel

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