Retina Desgastada
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9 de fevereiro de 2023

Jogando: Detroit: Become Human

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Na época em que a Quantic Dream finalmente levou seus jogos de volta para o PC, recebi a gloriosa tarefa de fazer suas análises pelo Gamerview. Foi assim com Heavy Rain. Foi assim com o magnífico Beyond: Two Souls. Quando chegou a vez de Detroit: Become Human, atinge o limite de minha GPU. Com muito esforço, minha vetusta GTX 1050 de 2GB de VRAM rodou a sequência inicial com sérias restrições gráficas. O jogo estava mais feio que bater na mãe e, mesmo assim, a placa entregou as pontas na conclusão da abertura, vomitando cores estranhas antes de abortar o jogo inteiro. Apesar de minha configuração estar supostamente dentro dos requisitos mínimos suportados pela desenvolvedora, não foi possível fazer a análise na época. Patches foram lançados para corrigir a performance, ajustes foram feitos, mas o jogo travava e morria na mesma cena de novo e de novo.

Essa obsolescência me levou a comprar uma GTX 1650 com 4GB de VRAM, com a ajuda inestimável de um leitor secreto no orçamento. Além disso, minha máquina passou a ter SSDs, que ofereciam um ganho significativo de performance. Finalmente, em janeiro de 2021, consegui passar daquela cena de Detroit: Become Human. Porém, percebi que o jogo não tinha um framerate satisfatório, mesmo assim. Eu poderia ter insistido, mas resolvi ter paciência. Guardei o título mais uma vez.

Quando eu comprei minha primeira RTX, uma modesta 2060 com 6GB de VRAM, eu sabia de cara qual seria o jogo que testaria sua potência. O único título que desafiou três GPUs, o extremamente mal-otimizado Detroit: Become Human. Desta vez, não apenas atravessei a sequência inicial com desenvoltura, como ainda cometi a audácia de gravar.

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A expectativa era elevada e minha experiência com o jogo acabou sendo prejudicada por eventos que não tinham tanta relação com o trabalho da Quantic Dream. Sem a pressão de entregar uma análise com prazo marcado, não me dediquei ao jogo com a constância necessária para ser fisgado pela história. Além disso ou apesar disso, ficou evidente para mim que a história só ganha força e vigor a partir de seu terço final. Nesse momento, joguei com frequência, querendo atingir sua conclusão.

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Desta forma, o começo do jogo é arrastado, com narrativas que não se cruzam e eventos que estão ali soltos como episódios de uma série de TV de "treta da semana". A coesão nesse início é muito inferior ao que se tinha em Heavy Rain, que também apresentava três protagonistas. Depois do focado e narrativamente superior Beyond: Two Souls, a impressão que fica é que a desenvolvedora deu um passo para trás ou que perdeu a mão sobre como contar uma trama particionada. Se eu fosse julgar tão somente pelos primeiros 2/3 do jogo, e se eu utilizasse um sistema de notas no blog, Detroit: Become Human terminaria com um 7.5 ou 8 espremido, sufocado por problemas de performance, narrativa e interação.

Entretanto, os eventos acabam convergindo para um ponto comum. A narrativa que antes era pessoal ou investigativa se torna grandiloquente, para não dizer épica. Os temas mais profundos que David Cage e a Quantic Dream buscavam se tornam escancarados. Minhas decisões passaram a ser pautadas por grandes dúvidas e a necessidade de se manter os três protagonistas vivos. Ao contrário do que acontecia em Heavy Rain, aqui o jogo parecia muito mais disposto a me entregar um final cruel.

Lamentavelmente, e a culpa é toda minha, um dos três personagens principais morre no capítulo final. É uma cena extremamente amarga. Cometi uma sucessão de equívocos que apenas 1% dos jogadores no mundo todo também falhou. O preço foi bastante alto. Para aumentar a tristeza, e a culpa é da Quantic Dream nessa, o epílogo mostrando o destino desse personagem é um violento tapa na cara que flerta com o mau gosto. Toda a vitória ao final do jogo se torna vã diante de meus erros e daquele instante brutal. O coquetel de sentimentos oferecido por minha experiência é o que acaba promovendo Detroit: Become Human para uma nota mais alta, talvez um 9.

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Talvez a cena mais bela na história da Quantic Dream

Minha percepção teria sido diferente se eu não tivesse falhado com X? Possivelmente sim. É o equívoco que torna o impacto ambíguo, é o desastre que dá uma nova dimensão humana para o que seria uma conclusão convencional. A reta final do jogo, de um jeito ou de outro, é acelerada demais. A disposição dos epílogos é ainda mais apressada. A forma como a história soluciona um impasse é ridícula. Porém, a dor provocada por essa burrice irá permanecer por muito tempo.

Eu, Robô

A Quantic Dream conhece suas limitações. Apesar da fenomenal captura de movimentos dominada pela empresa, o fato é que seus personagens, encerrada a ação que precisam fazer, ficam estáticos fitando o vazio, quebrando a ilusão de realismo. Diante desse problema, nada mais natural do que gerar um título que gira em torno de robôs. O defeito se transforma em imersão, ainda que continue presente nos personagens humanos, que ficam na periferia de nossa atenção.

Em contrapartida, a Quantic Dream também conhece suas qualidades: oferecer uma palpabilidade rara em personagens justamente pela qualidade de sua captura de movimentos. Então, nada mais natural do que oferecer um jogo em que os robôs estão em busca de sua humanidade. Com o avanço das Inteligências Artificiais no mundo real, esse foco do jogo fica mais próximo a cada dia. Estaria 2038 logo ali?

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Porém, David Cage se apoia em algo que já existe entre nós e possui um histórico muito longo: a segregação baseada em raça. Há de se argumentar que falte sutileza em Detroit: Become Human, que busca claramente inspiração nas lutas de Martin Luther King e Malcom X, o movimento Railroad (também referenciado em Fallout 4). ou no horror supremo dos Campos de Concentração. Porém, diante de tantas obras que tratam de causas sociais em seu subtexto mas são constantemente distorcidas pela cultura pop, talvez sutileza não seja mesmo a melhor estratégia.

Então, temos aqui a história de Kara, uma androide programada para ser cuidadora, que busca um lugar melhor para Alice, uma criança abusada pelo pai. Temos Markus, um androide incentivado a despertar seu lado artístico, mas que é descartado em um lixão e se torna um líder revolucionário para seu povo. E temos Connor, o carismático androide policial que foi programado para solucionar esse mistério: por que os androides da Cyberlife estão rompendo sua programação para se tornar livres.

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Há lacunas gritantes no enredo. Como dois indivíduos que vivem em condições de miséria e são viciados em drogas tem dinheiro para comprar androides? Novamente, o encaixe entre caminhos narrativos diferentes também não é perfeito. Uma vez que jogadores podem ter acesso a informações de acordo com a forma como jogam e as decisões que tomam, a Quantic Dream precisa costurar os pontos, porém mais de uma vez me vi de posse de fatos que não tinha desbloqueado. Um dos grandes mistérios da narrativa é mencionado diversas vezes, porém é abandonado antes do final e não receber qualquer explicação.

Movimentos Robóticos

As mecânicas de Detroit: Become Human se tornam seu principal defeito. A Quantic Dream tinha evoluído de forma absurda com os quicktime events e o próprio sistema de combate em seu título anterior, para recuar aqui. Por um lado, há menos interatividade do que jamais houve antes, o que aproxima o jogo de uma série pelos longos períodos em que se apenas assiste ou se executa ações tolas, como abrir uma porta ou puxar uma conversa. Por outro lado, em momentos vitais, os comandos são confusos, com pouca relação com o que está se vendo na tela, com tempo de reação muitas vezes insuficiente.

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O problema se agravou quando, mesmo com sua terceira GPU, o jogo apresentou engasgos. Diálogos saíram de sincronia e, mais grave ainda, teclas apertadas demoravam para registrar. Essa falha provocou a morte de Connor em uma sequência de perseguição, o que me obrigou a refazer o capítulo inteiro. Eu aceito estoicamente o resultado ruim de minhas decisões, mas não iria aceitar perder um personagem no meio do jogo por falta de otimização.

Detroit: Become Human fica então aquém de minhas expectativas, oferecendo um recuo evolutivo em relação ao inesquecível Beyond: Two Souls. Apesar de seus problemas, ainda oferece uma história que merece ser contada quantas vezes for necessária, personagens cativantes, uma trilha sonora envolvente e... um possível vislumbre do que nos aguarda em 15 anos?

Ouvindo: Lullacry - Over Me

Um comentário:

ViniciusZen disse...

Descordou totalmente. Obra-prima, evolução bizarra de Beyond, pra mim um dos 3 melhores que já joguei na vida. Tema interessante, decisões com conflitos éticos, gráficos de ps6 em PS4 (simplesmente não vejo ganho gráficos da nova geração em relação a ele). O único problema eh que a quantic dream demora anos pra fazer outro, bom seria se fosse de uma desenvolvedora maior.

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Blog criado e mantido por C. Aquino

Outcast - A New Beginning