Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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21 de outubro de 2022

(não) Jogando: Atari Mania

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(publicado originalmente no Gamerview)

Atari Mania é o chocolate com maçã da nostalgia. Quanto mais eu me aprofundava na experiência, mais eu me lembrava de minha infância, porém não em um sentido bom. Por volta dos dez anos, recém autorizado a utilizar o liquidificador de casa, resolvi testar meus dotes culinários fazendo uma vitamina de maçã, água, açúcar e chocolate em pó. Minha mãe me avisou que poderia dar errado, mas eu não escutei. Maçã é gostoso, chocolate mais ainda. Em minha concepção, tinham sido feitos um para o outro.

Ficou horrível. A mistura não funcionou. Ainda assim, minha mãe me obrigou a tomar tudo, uma junção profana de dois alimentos deliciosos, conspurcados pela estupidez humana. É exatamente o mesmo erro cometido pela iLLOGIKA Studios. Atari Mania é um equívoco, projetado para mixar o saudosismo de quem viveu a era de ouro da Atari, mas um completo desastre.

Dadaísmo Eletrônico

Deveria ser mais ou menos óbvio que não iria funcionar desde o início. A Atari tornou-se sinônimo de jogos eletrônicos em um período de tempo em que os jogos eram muito mais simples. Para prender o público, era necessário que suas mecânicas fossem impecáveis, desafiadoras e divertidas. O desenvolvedor não poderia depender de gráficos fotorrealistas, enredos mirabolantes, personagens carismáticos e nem mesmo de propriedades intelectuais de peso (como E.T. não nos deixa mentir). Se a jogabilidade não fosse mágica, o destino do cartucho era a gôndola de trocas ou o lixão mesmo.

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A Atari original tinha esse dom. O que a Atari de hoje faz com seu próprio legado é pegar todas suas marcas registradas, todos os seus títulos inesquecíveis e realizar uma mixagem aparentemente aleatória que não funciona. Cada um dos 150 minijogos que podem ser descobertos em Atari Mania poderia ter sido gerado por uma inteligência artificial rolando dados ao acaso. Falta a originalidade e falta, definitivamente, o talento de fazer uma experiência que possa ser classificada como algo que divirta humanos.

Desta forma, temos, por exemplo, as paletas de Pong rebatendo flechas contra o Centipede ou os canhões de Space Invaders trocando tiros com um cowboy. São elementos díspares sorteados para fazer parte da mesma tela, em uma jogabilidade que acaba saindo confusa e não fazendo jus a nenhuma das franquias mencionadas. É um monstro de Frankenstein, o cadáver reanimado de uma das maiores produtoras que a indústria já viu.

Talvez a ideia funcionasse se estivéssemos lidando com a mais pura e simples troca de desenhos ou modelos, como quando os modders trocam o Homem-Aranha por CJ e colocam o novo protagonista dando pirueta por Nova York. Infelizmente, não é o que acontece. A jogabilidade pode remeter aos jogos clássicos, mas não chega perto. As paletas de Pong são lentas. A resposta dos comandos não é precisa como era antigamente. A animação dos personagens também soa diferente. É um pastiche do que já foi um dia.

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Para complicar ainda mais, cada microjogo de Atari Mania dura, no máximo, 30 segundos. Esse é o tempo que você tem para não apenas entender como ele funciona como também para reagir e vencê-lo, porque o contador de tempo está andando. Mesmo que você curta aquele microjogo em específico, mesmo que a aleatoriedade tenha gerado um mutante que preste, ele logo será substituído por outro e talvez você nunca mais retorne àquele.

A inconsistência também prejudica a experiência. As paletas de Pong (e eu insisto no exemplo, porque Pong foi o primeiro clássico) podem ter uma determinada velocidade em um microjogo e uma velocidade completamente diferente no seguinte. Nem sua expectativa, nem sua experiência são carregadas para o microjogo seguinte, o que leva a frustração e fracasso. Depois de um número fixo de falhas nos minijogos, você terá que repetir outra sequência de dez minijogos, que podem ou não ser os mesmos que você jogou antes.

Atari Mania e o Museu de Grandes Novidades

Se Ataria Mania fracassa como diversão, o que resta? Um grande mergulho no passado da produtora. Se o título falha em resgatar mecanicamente suas obras clássicas, ele, pelo menos, as venera com a paixão de um colecionador.

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A trama é um fiapo condutor para o jogador. Controlamos o zelador do Museu da Atari, um espaço que preserva literalmente seus personagens. É nosso dever limpar a sujeira, conversar com seus habitantes e deixar tudo como sempre foi. Infelizmente, um glitch, uma anomalia cibernética conhecida como NEOS está sabotando a realidade e fazendo as mixagens de jogos. Qualquer semelhança com NES é mera dor de cotovelo da Atari.

No papel de zelador, resolvemos alguns puzzles extremamente simples no museu, entre cada rodada de dez microjogos contra NEOS. Porém, essa é a oportunidade para se chegar no verdadeiro tesouro de Atari Mania: colecionáveis. É possível desbloquear uma grande quantidade de memorabílias, passando por pôsteres originais e manuais do passado. Sem dúvida, é um deleite para os nostálgicos, mas é o tipo de conteúdo que poderia ter sido resolvido com um artbook.

Felizmente, o museu traz uma arte pixelada simpática, que é mais esforço do que foi colocado nos microjogos. A trilha sonora de chiptunes é inspirada nos clássicos saudosistas, mas não irá deixar marcas indeléveis em seus ouvidos.

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Deixem a Saudade Descansar

Um dos grandes trunfos da era Atari era a sensação de ficar melhor a cada dia que passava. Quem viveu esse período, viveu horas colado na tela da TV tentando obter pontos cada vez mais altos, criando calos nas mãos, quebrando controles e superando seus limites. Não é muito diferente do que gerações posteriores fizeram, seja com Mario ou Dark Souls.

Entretanto, até mesmo esse conceito simples é tirado de Atari Mania. Em cada rodada, você precisa se superar no susto. São dez, vinte, trinta segundos no máximo para entender e vencer naquela tela. Sem pontos, apenas se manter vivo ou cumprir um único objetivo.

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Se você falhar, não existe a possibilidade de se começar novamente do mesmo ponto e tentar, tentar, tentar, até ficar bom. Você terá que esperar a sequência inteira de microjogos completar e torcer para aquele determinado microjogo entrar de novo na próxima sequência. Até lá, é claro, terão se passado vários minutos. É como ficar uma hora na fila de um montanha-russa que vai correr por cinco minutos e depois voltar para o final da fila novamente.

Eu aprendi garoto que chocolate com maçã não se misturam (se você discorda, continua bebendo aí na sua casa). Falta à Atari o mesmo nível de discernimento.

Ouvindo: Gile Lamb - Exploration 3 (Inside)

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