Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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18 de junho de 2022

Jogando: Far Cry Primal

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Far Cry Primal é definitivamente o melhor jogo que joguei da franquia, sem a menor dúvida a esse respeito. O que chega a ser irônico, uma vez que ele é o mais subestimado, para não dizer execrado, por não trazer as armas de fogo e os veículos que se tornaram uma espécie de marca registrada do que seria um jogo Far Cry. Entretanto, no meu entendimento, o que a Ubisoft desenvolveu não é uma franquia sobre ferramentas, sobre os meios, mas sobre a natureza humana da violência e a liberdade de exploração do território (esse último aspecto, inclusive, estava lá desde o primeiro título, pela Crytek). E, talvez, nenhum Far Cry tenha oferecido uma luz tão positiva sobre nós mesmos quanto esse "começo de tudo".

Aqui, assumimos o papel de Takkar, um protagonista com voz, espécime rara na série. Esse único detalhe já destacaria o jogo de seus pares porque indica que a Ubisoft está determinada a contar uma história que não é genérica ou que pretende encaixar seu herói no jogador, mas o contrário se dá: somos nós que precisamos vestir a pele de Takkar. Takkar é um homem primitivo de dez mil anos atrás, quando mamutes e tigres de dentes de sabre dividiam a natureza conosco, um contexto raramente visitado por jogos eletrônicos. Ele precisa liderar os Wenja, uma tribo que domina a arte da escalada, formada por caçadores e exploradores, mas que sofre nas mãos dos Udam, neandertais ainda mais primitivos e canibais, e os sofisticados Izila, que já dominam o fogo e a religiosidade, mas utilizam esses instrumentos em prol do fanatismo, da dominação e do extermínio.

Desta forma, somos apresentados a dois caminhos distintos que a raça humana poderia ter seguido: a violência em estado bruto, em que vale a lei do mais forte, e a violência "civilizada" em que vale a lei do mais inteligente, um novo tipo de poder. Takkar vai utilizar um pouco de ambos, vai aprender os dois caminhos, reverter suas vantagens para si mesmo. Seguindo a fórmula de Far Cry, nós iremos encontrar aliados que vão ampliar nossa gama de conhecimentos e habilidades, cada um com uma visão bem distinta da sociedade e de como a violência deve ser aplicada contra seus inimigos.

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Porém, ao mesmo tempo, Takkar aprende um caminho único: dominar a natureza. Takkar se torna o Mestre das Feras, um herói capaz de domar os animais selvagens que habitam o vale através de uma conexão quase mística. É a melhor mecânica do jogo, que vira um "Pokémon" delicioso para quem sempre curtiu a beleza dos animais. É uma evolução fantástica desde o começo da aventura, em que nos esgueiramos com medo de tudo e de todos entre arbustos, até o momento em que, como jogadores, conseguimos identificar todos aqueles sons estranhos da mata, qual animal emite qual barulho, em que reconhecemos as plantas e os recursos necessários e caminhamos de peito erguido ao lado de uma besta feroz, mas amigável. É a síntese da experiência humana: de macaco assustado para senhor de seu ambiente.

Os Croods

A sensação de túnel do tempo é reforçada por uma excelência gráfica surpreendente para um título de seis anos atrás. O motor gráfico Dunia entrega uma paisagem pulsante de luz e vida que evoca sensações ancestrais em meu DNA. Animais e humanos vagando por esse cenário com seus próprios afazeres aumentam a imersão. Ver minha vila crescendo, se expandindo, com crianças surgindo e novas ocas sendo construídas vale mais do que qualquer objetivo. Os Wenja festejam, cozinham, caçam, os moleques correm e brincam, tudo emana uma vivacidade e, de certa forma, a inocência de uma era em que a subsistência era a única meta.

Entretanto, existe a violência. Se visualmente e mecanicamente Far Cry Primal já se elevaria ou igualaria com os demais títulos de sua família, é no enredo que ele atinge sua maior conquista. Não espere nada épico, como um Baldur's Gate 2 ou uma jornada profundamente emocional, como Fallout 3, jogos que conquistaram um espaço em minha Lista de Favoritos. Ainda assim, comparativamente com outros Far Cry, a trajetória de Takkar é o ápice.

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O protagonista de Far Cry 2 era um agente da guerra e da desordem, um ambíguo fruto dos horrores da região. A mensagem era clara: a violência é inevitável e nunca terá fim. O protagonista de Far Cry 3 era arrastado para a carnificina, onde se realizava como indivíduo. A mensagem era novamente clara: violência é divertida. Ainda não joguei Far Cry 4. Far Cry 5 era, até então, meu preferido, com seu discurso sobre inevitabilidade e como a violência termina por acelerar o declínio, mesmo quando executada por um bem maior.

Em Far Cry Primal, nosso objetivo é a paz, a evolução. A conclusão deixa isso bem claro, ao exercemos o perdão, pela primeira vez em toda uma franquia marcada por rastros de corpos. O acolhimento é o caminho dos Wenja, é o que silencia os impulsos, as vozes que nos impelem para mais dor e sofrimento. Ainda que a violência esteja presente em nossos anos iniciais, embora ela tenha feito parte do processo evolutivo da Humanidade, não é ela que servirá como a costura do tecido social. É a união, a empatia. Nós aprendemos a entender o que move os Udam, o que move os Izila, nossos rivais por esse território: aqueles são o passado que devemos deixar para trás, como aconteceu com o extinto Homem de Neandertal; estes são o futuro que não devemos trilhar. A cena pós-crédito mostra que a escolha foi certa e haverá uma continuidade para os Wenja, uma passagem de bastão para nós humanos.

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Na superfície, Far Cry é uma franquia que glorifica a tomada de território pela força, uma fantasia de poder habilmente comercializada que rende milhões para os cofres da Ubisoft. O segundo jogo (o primeiro pela desenvolvedora) tentava nos apresentar o horror dessa atmosfera, o terceiro se rendeu ao conceito de "parque temático da matança", que jamais se reverteu. Ainda assim, Far Cry Primal é um respiro. Justo em seu episódio mais primitivo, mais animalesco, mais desprovido de leis ou civilização, a mensagem é clara: violência não é a resposta.

Ouvindo: Tori Amos - Putting The Damage On

4 comentários:

Shadow Geisel disse...

Confesso que estava entre aqueles que subestimaram o jogo. Acho que parte disso foi porque boa parte do potencial do jogo foi ofuscado por polêmicas bombas a respeito de um aspecto que não representa a totalidade do que o título tem a oferecer o 4 eu joguei um pouco mas achei extremamente genérico, visivelmente inferior ao 3 (meu favorito até agora). Vou da uma chance ao Primal assim que puder.

Shadow Geisel disse...

Polêmicas bobas.

Anônimo disse...

Eu fico triste vendo jogos como esse e o Assassin's Creed IV: Black Flag são tão bons e poderiam ser novas franquias, mas acabam sendo esquecidos como mais apenas um Far Cry e Assassin's Creed.

Anônimo disse...

Far Cry Primal e Far Cry Primal só ótimos jogos com novas ideias que poderia ser novas franquias, mas acabem esquecidos como apenas um jogo diferente das franquias Far Cry e Assassin's Creed. Ubisoft burra.

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