Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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19 de janeiro de 2020

O Chamado da Década

O NPD Group publicou essa semana uma tabela bastante significativa sobre as vendas de jogos eletrônicos em território norte-americano nas últimas duas décadas. É um comparativo que funciona como um prato cheio para analistas da indústria e eu vou arriscar alguns insights a respeito:

tabela

A primeira informação óbvia que podemos extrair das tabelas é a clara hegemonia da franquia Call of Duty nos últimos dez anos. Dos vinte jogos mais vendidos entre 2010 e 2019, metade deles pertence à série. Se nos concentrarmos nos dez primeiros, a relação é ainda pior:7 em 10 são títulos Call of Duty. Não que a franquia não estivesse bem posicionada na década anterior, mas é preciso lembrar que Modern Warfare, a explosão da marca, aconteceu somente em 2007.

O que isso nos diz sobre a indústria? Que a Activision tem combustível para anos a fio e seguirá despejando continuações da série anualmente, independente da opinião dos críticos, mexendo muito pouco na fórmula. É visível também que, por mais que tente, a franquia Battlefield não tem condições de vencer essa preferência. A única ameaça significativa nos últimos anos, Fortnite, não aparece na tabela por não ter "vendas" que o NPD Group possa acompanhar na tabela.

O que isso nos diz sobre o mercado? Que, nos Estados Unidos, o maior público consumidor de jogos do planeta, o militarismo segue firme e forte, se alimentando e retroalimentando uma visão de mundo que não dá sinais de mudança. Call of Duty é os Estados Unidos e os Estados Unidos são Call of Duty. É um dado preocupante, principalmente ao levarmos em conta que o último episódio da franquia tentou justificar ameaça contra civis inocentes para se obter informações, deturpou fatos históricos e, de forma geral, trafega por uma linha cinza que parece um caminho sem volta para sua política externa. Assisti a campanha pelo YouTube e confesso que me senti incomodado em vários pontos.

Interrogatório

Sobre a tabela, é possível perceber também que a Rockstar Games segue montada em uma mina de ouro: GTA V foi o grande vencedor da década e, certamente, a decisão de adicionar um elemento online para a fórmula foi fundamental para esse sucesso. Esse é o primeiro Grand Theft Auto em anos sem conteúdo adicional para a campanha, que está imutável desde 2013, mas isso não impediu o jogo de continuar sendo campeão de vendas ano após ano após ano. A estratégia de manter o hype através de GTA Online gerou dividendos e foi repetida com Red Dead Redemption II (que já aparece na tabela, apesar de ter sido lançado esse ano!).

Os jogos da Rockstar Games entraram de sola no conceito de "jogos como serviço" e não seria surpresa alguma se GTA VI pulasse etapas e descartasse por completo sua campanha, para desespero dos apreciadores do humor fino da empresa e sua sátira da cultura norte-americana. Seria irônico que uma franquia que sempre tocou na ferida do "sonho americano" acabe se tornando um caça-níqueis inconsequente, um playground sem sentido para jogadores em busca de diversão.

Minecraft, a grande surpresa da década, amarga um décimo lugar, talvez crucificado por sua própria fama, por legiões de YouTubers insuportáveis, pelo complicado esquema da Microsoft que dividiu a base de usuários e pelo preconceito de jogadores mais velhos de tentarem um jogo "feio" e "de criança". Em um mundo melhor, Minecraft estaria ocupando a primeira posição, com suas infinitas possibilidades, seu mundo participativo e colorido e suporte a mods praticamente insuperável.

minecraft-bff

A ânsia da Bethesda de colocar The Elder Scrolls: Skyrim em todas as plataformas concebíveis pelo homem rendeu frutos e uma vaga na lista de mais vendidos da década. Nintendo comparece com dois títulos, o que é um feito impressionante se pensarmos que ela detém os únicos dois exclusivos da tabela. E, para minha surpresa, Star Wars: Battlefront fecha a lista, comprovando a força da marca, apesar do título nem ser tão elogiado assim.

As ausências também dizem muito sobre essa indústria: não há um único Assassin's Creed entre os mais vendidos dos últimos vinte anos e a franquia Halo se ausentou na década que acabou. Tampouco marcam presença Gears of War, títulos de luta, jogos de corrida, jogos de qualquer esporte em geral e jogos musicais.

A década anterior, entre 2000 e 2009 parece ter sido marcada por dois fatores: menos tiros, mais diversidade. Guitar Hero foi um fenômeno inacreditável: até ver essa tabela eu sequer tinha noção do seu tamanho. Que um "jogo" de saúde tenha sido o segundo mais vendido daquela época também é uma constatação chocante. Madden também ocupou uma fatia considerável do interesse do público, com 4 títulos presentes na tabela. O que aconteceu com o público norte-americano em dez anos para perder o interesse em música, bem-estar e futebol americano? Se esses rankings são um termômetro, o que podemos deduzir?

Ouvindo: Dropkick Murphys - Gang's All Here

5 comentários:

Anônimo disse...

Bem-estar e futebol americano? KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK.

99% dos ex-jogadores da NFL têm lesões cerebrais, revela estudo
Pesquisa sobre as consequências do futebol americano agita o debate sobre sequelas a longo prazo
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/25/deportes/1501006756_294965.html

C. Aquino disse...

Eu não sei como você chegou aqui, em um blog sobre jogos eletrônicos, mas pode ser nos lugares mais improváveis que se aprende uma simples lição sobre interpretação de texto. Nesse caso em específico, é importante atentar que é possível utilizar o termo "bem estar" e o termo "futebol americano" na mesma frase sem que haja uma relação direta entre os dois. Impressionante, admito. Principalmente diante de tais estatísticas. Entretanto, falamos aqui sobre a notória preferência do público norte-americano consumidor de jogos eletrônicos na década inicial do século por títulos focados em bem-estar (como o Fit, segundo mais vendido da década) e em títulos focados em futebol americano (como Madden NFl 06, Madden NFl 07, Madden NFl 08 e Madden NFl 09). Portanto, nas condições acima apresentadas, "bem-estar" e "futebol americano" estão relacionadas não por uma ligação intrínseca, mas por um elemento externo, os jogos eletrônicos.

Anônimo disse...

Certamente só é capaz de ler a chamada.

Anônimo disse...

Vim do manualdousuário, um blog de tecnologia adepto ao movimento slow web. Muito bom, quando puder dá uma passada lá.

C. Aquino disse...

ADORO o Manual do Usuário! Conheço o Ghedin já tem um tempão e cheguei a trabalhar com ele no extinto Gemind. Ele também me deixou comendo poeira no Need For Speed, mas isso é uma outra história (https://blog.retinadesgastada.com.br/2016/02/necessidade-de-velocidade.html)...

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