Retina Desgastada
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5 de novembro de 2019

O Cheater

Apesar de Realm Royale ter queimado a placa de vídeo do meu filho (na verdade, não), nós não deixamos esse revés nos abater. O monitor foi plugado na saída de vídeo da placa mãe e, para nossa total surpresa, o jogo roda nessas condições. Não é a mais bonita das visões, nem o melhor dos framerates. Ainda assim, ver um jogo daquele nível rodando sem nenhuma GPU, para mim, que acompanhei o surgimento das "placas aceleradoras 3D", soava como feitiçaria. Meu filho pediu para reduzir mais configurações e melhorar a resposta do jogo e ele ficou jogável.

Era o que dava para fazer para salvar um final de semana que tinha começado promissor e sido atingido com problemas. Como um bom pai, cedi meu PC para ele rodar Realm Royale liso como sabão, enquanto eu encarava a experiência vodu de rodar o jogo sem GPU alguma.

A mesma empolgação de antes retornou. Se nossa partida anterior havia sido interrompida pelo falecimento da Radeon, agora seria nossa vez de brilhar. Como uma dupla de eficientes assassinos, coordenamos nossas ações, flanqueamos, surpreendemos inimigos e avançamos de forma sorrateira, sempre fugindo da tempestade mortal. Éramos uma força de elite imbatível, como havíamos sonhado. O número de oponentes só diminuía no contador.

Entramos em um castelo na zona segura e o marcador assinalava cinco jogadores. Nós dois e mais três. Outra dupla? Não sabíamos. Em uma das torres, vislumbrei movimento no andar de baixo com o canto do olho e dei o alerta. Descemos para o ataque e eliminamos um dos jogadores. O marcador passou a assinalar quatro jogadores.

O garoto assumiu a liderança, tomou a dianteira agachado e eu o segui, protegidos pela beirada de uma muralha. Ele avistou a nova presa dessa vez, um jogador passando a cavalo no horizonte. Sozinho. Alheio a nossa presença. Nos aproximamos e o eliminamos sem dó nem pena. O marcador passou a assinalar três jogadores. Não havia outra dupla ativa no jogo. A vitória era praticamente certa.

O círculo se fechou e fomos para um aposento fechado, onde ficava a Forja. Espreitávamos o perímetro, esperando nosso oponente mostrar sua presença. Nos movimentávamos cobrindo cada metro do território que diminuía gradativamente. Evitávamos nos expor e especulávamos onde o inimigo estaria. A essa altura da partida, não era mais um oponente ou um adversário, mas um inimigo mortal que nos separava da merecida vitória, a primeira vitória compartilhada de pai e filho.

O círculo diminuiu. Suas bordas estavam literalmente no limite do próprio aposento. Onde estava o inimigo? Estava ali dentro conosco?

"Ele está invisível", falou meu filho. Invisibilidade é uma das habilidades que você pode utilizar em Realm Royale, mas é um efeito temporário. Seria possível um jogador de nível elevadíssimo conseguir manter o efeito por tanto tempo? Começamos a atirar em todas as direções. Munição não é um problema no jogo. As regras da sobrevivência haviam mudado: nosso inimigo não era mais a presa fácil. Nós éramos a presa, de algo que não compreendíamos. Ele era o predador, talvez com P maiúsculo.

Atirei para o lustre, na esperança de ter decifrado onde ele estava. Nada. Nenhum efeito. Já estávamos costas com costas, em um círculo ridiculamente ínfimo. Nesse momento, lembrei de tirar uma foto. Ninguém iria acreditar sem provas.

realm-royale

Todo o mapa estava tomado pela tempestade. Estar fora do círculo significaria a morte para qualquer um. Minha mente insistia que o terceiro jogador deveria estar bugado em alguma parede, em algum lugar, incapaz de morrer, incapaz de sair.

E ouvíamos passos. Quando o círculo ficou ainda menor, começaram os tiros. Fui lançado para fora do círculo, tomei dano. Respondi atirando em todas as direções. Outro disparo me jogou de volta na tempestade fatal. Meu filho atirava. Não havia sinal de inimigo em parte alguma. Não havia mais círculo. Tentei usar uma habilidade de cura.

Em, no máximo cinco segundos, estávamos mortos.

A tela mudou, mostrando que tínhamos obtido o segundo lugar.

A câmera mostrou nosso inimigo.

No telhado.

Sem tomar dano.

Atirando através do telhado.

Era um cheater. O primeiro que vi em mais de vinte anos. Não conseguia acreditar no azar, na desfaçatez, na falta de caráter daquele jogador aleatório.

Reportamos o ocorrido na ferramenta própria de Realm Royale. Se a desenvolvedora irá tomar previdências, jamais saberemos. Em nossos corações, aquela vitória foi nossa, aquele medo foi nosso, aquela divertida tensão de enfrentar o inexplicado foi nossa.

Começamos outra partida.

Ouvindo: Lana Del Rey - Without You

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