Um ambicioso político populista ascende ao poder em um país da América Latina após um bem-sucedido golpe militar e se mantém no poder com base em um discurso que promete dividir o petróleo, a maior riqueza nacional, com a população faminta. No seu caminho, forças militares estrangeiras dispostas a incendiar o país para destituí-lo.
Realidade? Claro que não. Estamos falando de jogos. Ou, mais especificamente, de Mercenaries 2: World in Flames, da finada Pandemic Studios. No jogo de tiro de mundo aberto, o jogador assume o papel de um dos mercenários do título em busca de vingança em um país imaginário batizado de Venezuela.
Nesse universo ficcional, Ramon Solano trai o grupo de mercenários que o ajudou a subir ao poder, se torna o comandante supremo do país e nacionaliza as empresas petrolíferas que estavam instaladas ali, provocando a ira de interesses poderosos. Mas esse detalhe é colocado de lado diante da missão do jogador: derrubar o ditador por motivos meramente pessoais. Para isso, será necessário realizar missões de extrema destruição em um país já devastado por conflitos, jogando facção contra facção até conseguir seu objetivo final: eliminar Solano e restaurar a democracia.
Algumas vagas semelhanças com o mundo real atrapalharam os projetos da Pandemic, que foi alvo de críticas do governo de um país também chamado Venezuela. Felizmente, a empresa esclareceu o mal-entendido, explicando que "todas as pessoas, histórias e eventos são puramente fictícios e não têm relação com eventos reais. Tal como acontece com qualquer número de jogos, filmes e livros, a decisão de escolher eventos e locais interessantes é puramente concebida para contar uma história convincente, bem como fornecer uma experiência divertida e rica para o jogo".
Apesar da posição oficial cristalina, ainda assim Gunnar Gundersen, um dos fundadores da Venezuela Solidarity Network, levantou um questionamento válido na época: "você pode imaginar se uma rica empresa venezuelana de criação de jogos, ligada aos militares e financiada por um famoso artista latino-americano, inventou um jogo em que você invade os EUA para assassinar o presidente e assumir a economia?".
Vale mencionar que a Pandemic Studios já havia desenvolvido anteriormente, sob encomenda do exército dos Estados Unidos, o jogo Full Spectrum Warrior, utilizado como ferramenta de treinamento oficial de táticas militares nos quartéis. Entretanto, a desenvolvedora negou toda e qualquer possível relação entre a produção dos dois títulos.
Nada como o cheiro de libertação do povo pela manhã
Alheia à controvérsia, a produtora EA Games realizou uma campanha de caridade no dia do lançamento de Mercenaries 2 na Inglaterra. Um posto de gasolina na região norte de Londres foi alugado pela empresa e transformado em uma réplica de bunker militar. A partir do posto, foi distribuído de graça o equivalente a 20 mil libras em gasolina para quem quisesse encher o tanque do seu carro. O congestionamento formado por quem estava interessado em gasolina foi considerado um sucesso, uma réplica da atmosfera do jogo. De acordo com Louise Marchant, da produtora, as coisas são assim mesmo: "é ambientado na Venezuela, você joga como um mercenário e combustível é usado como moeda".
Por um desses acasos do destino, a fictícia nação da "Venezuela" já tinha sido palco de outro jogo no mesmo ano de 2008.
Separado por alguns meses, Conflict: Denied Ops mostrava um roteiro bastante similar: o General Ramírez, com o apoio do exército, nacionaliza refinarias em um golpe de estado e ameaça os Estados Unidos, se a nação ianque insistir em se meter em seus assuntos internos. Dois operativos da CIA são enviados a essa tal de Venezuela em uma missão secreta (as tais "operações negadas" do título) para derrubar o ditador a qualquer custo antes que ele consiga armas nucleares. O jogador controla a dupla e o foco aqui estava mais na furtividade e sutileza do que na destruição desenfreada e catártica que viria depois.
O título foi o quinto e último episódio de uma franquia militar que já havia mostrado forças de elite norte-americanas em ação na Guerra do Golfo, na Guerra do Vietnã e contra milícias colombianas e células terroristas na Ásia. Todos eventos ficcionais sem qualquer relação com fatos ou situações históricas.
Enquanto isso, na Venezuela do mundo real, entre crises e conflitos, reais e imaginários, a indústria de jogos local luta para se manter de pé, bem longe de polêmicas. E o título mais recente e conhecido de dentro de suas fronteiras é um simulador cyberpunk de bartender inspirado em animes... mas isso é assunto para um outro dia.
2 comentários:
Ainda me lembro do excelente The Saboteur, também da Pandemic. Ótimo texto!
Texto maravilhoso. Por um momento pensei estar lendo as notícias. A vida imitando a arte da maneira mais lamentável possível. Abraços, Aquino.
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