Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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12 de outubro de 2018

Jogando: Conan Exiles (Primeiras Impressões)

ConanSaiba, ó príncipe, que este escriba com que falas cultiva de longas eras um fascínio inexplicado pelo mundo selvagem do bárbaro Cimério conhecido como Conan. Um guerreiro de terras distantes, de coração frio mas sujeito a crises de melancolia, selvagem mas dotado de um rígido código de honra. Rei. Conquistador. Pirata. Ladrão. Aventureiro.

Meu primeiro contato com a maior criação de Robert E. Howard se perde nas brumas da memória. Minha lembrança mais antiga remonta a um sítio remoto, luzes de lampião e uma edição abandonada por mãos desconhecidas, encontrada entre livros antigos. Até então, evitava as aventuras do bárbaro, assombrado pelas possibilidades de violência, seu imaginário tão distante de minhas sensibilidades acostumado com histórias de super-heróis de trajes coloridos ou os horizontes infinitos da ficção-científica. Em minha concepção pré-juvenil, Conan e suas aventuras em preto e branco estavam no mesmo fosso comum dos gibis de faroeste ou fotonovelas, uma sub-literatura inadequada para um projeto de intelectual.

Estava enganado.

Naquelas tardes modorrentas ou diante das trevas que me contemplavam das janelas do casarão quase assustador, combati Pictos, humanos que cruzaram o limiar da selvageria plena para devorar o tênue tecido de civilidade que ousava se erguer em suas fronteiras. Quis Crom que aquele que talvez tenha sido meu batizado de sangue na Era Hiboriana seja até hoje uma das melhores e mais brutais histórias do Cimério, tentando deter uma invasão picta com um final trágico. Aquela "sub-literatura" sem cores e de papel de baixa qualidade era uma das narrativas mais intensas que havia vislumbrado até então.

Estava convertido.

Lenta, mas incansavelmente, comprei todas as edições de A Espada Selvagem de Conan, algumas por preços altos em lojas de colecionadores. Acompanhei suas sagas, batalhei ao seu lado, até mesmo nas histórias ruins, até mesmo nas histórias escritas com preguiça ou coloridas em formatinho. Li vários dos contos originais de Howard e, obviamente, tornei-me fã dos filmes clássicos também. O tempo, a falta de espaço e a queda abrupta de qualidade no material publicado me levaram a me desfazer da coleção, mas guardei na memória a lâmina afiada de seu universo.

Piedosa Mitra!

Conan - The Cimmerian

Lamentavelmente, nunca havia conseguido conciliar minha paixão pela Era Hiboriana com o mundo dos jogos eletrônicos. Uma tentativa frustrada de jogar o ancestral Conan - The Cimmerian aqui, uma experiência desoladora com a câmera de Conan (2004) ali e minha jornada parecia fadada ao fracasso. Uma rápida passagem pelo MMO Age of Conan também resultou em descontentamento. As impressões iniciais de diversos veículos de mídia sobre Conan Exiles desanimavam.

Estava condenado.

Impulsionado pela curiosidade, comprei um Humble Monthly que trazia o jogo de sobrevivência inspirado no mundo do bárbaro (e A Hat in Time, para meu filho, maior fator para a compra, para ser honesto). Temendo uma nova decepção, fui adiando o dia de testar Conan Exiles. E, mais uma vez, estava enganado.

Conan Exiles 01

Conan Exiles é uma segunda investida da experiente Funcom na Era Hiboriana, desta vez acompanhando a caravana dos títulos de sobrevivência mundo-cão contemporâneos. Se a tendência era permitir que os jogadores se matassem uns aos outros em selvagens demonstrações de violência, a realidade de Conan parecia o cenário perfeito. Entretanto, a desenvolvedora perdeu o momento, a indústria de jogos e boa parte de seus jogadores foram seduzidos por um novo sub-gênero e Conan Exiles ameaçava ser sacrificado em uma pira impiedosa. A praga de bugs durante o Acesso Antecipado vaticinava um destino desagradável para a empreitada.

Mas os Deuses são caprichosos. A Funcom usou da sabedoria e da experiência adquirida para injetar fartas doses de mecânicas sólidas no jogo, capazes de atrair os fãs de títulos de sobrevivência e não somente aqueles interessados em resolver suas desavenças no fio da espada. Contrariando minhas expectativas, Conan Exiles é um título cativante em seu modo solitário, trazendo um mapa habilmente construído para capturar um Explorador como eu e gráficos deslumbrantes. Pisei uma única vez em um servidor PvE, fujo como um Aquiloniano perseguido por Pictos dos servidores PvP e construo, pedra a pedra, galho a galho, cadáver a cadáver, minha pequena colônia nessa terra selvagem chamada Modo Solo.

Conan Exiles 02

Na qualidade de um exilado, de diferentes partes do continente, você foi capturado e banido por forças misteriosas mas poderosas, largado para a morte. Na cena inicial, ninguém menos que Conan, o bárbaro, o resgata da crucificação e o manda seguir sua vida, para nunca mais aparecer na história. A ligação entre o jogo e o mundo concebido por Robert E. Howard é menor do que eu desejaria, onde exploramos uma região que não pode ser situada geograficamente em nenhum canto da Hibória e, até agora, sem a aparição de nenhuma criatura ou ameaça retirada de suas páginas.

Ainda assim, a Funcom foi certeira em capturar algo muito mais difícil do que citar nomes, lugares e monstros: a atmosfera de selvageria. Aqui, as batalhas são brutais e sangrentas, a lei do mais forte impera entre os exilados, as feras atacam sem piedade, a noite é densa como poucas vezes vista em um jogo eletrônico e ruínas misteriosas evocam a sensação de horrores perdidos. Mesmo sem uma locação específica, sinto-me transportado de volta para a margem daquele mesmo rio dos anos finais da infância, com os gritos dos Pictos ecoando nas trevas, a luz do lampião dançando com as sombras e minha sobrevivência equilibrada entre a lâmina de minha espada e a minha sagacidade.

Conan Exiles 03

Conan Exiles falha em ser o jogo definitivo da Era Hiboriana por não trazer uma história central que possa ser acompanhada. Muitas vezes, me flagrei desejando missões, NPCs para conversar, conspirações, cultos profanos, cidades pulsando de lascívia e perigo, casas para furtar. Mas, relembro que essa não é a proposta da Funcom: é um jogo de sobrevivência, na tradição de Minecraft, Ark, Subnautica... o objetivo é permanecer vivo e, mais do que isso, clamar um pedaço de terra inóspita para chamar de seu e submetê-lo a sua vontade, com construções que também tornarão mais suaves as necessidades básicas. A saga, essa você monta em sua cabeça, da forma como desejar, sem limitações, criando objetivos pessoais que podem levar à morte ou ao triunfo.

Com trinta horas já acumuladas nesse pedaço selvagem da Hibória, não vejo nem de longe o final dessa jornada. A Funcom soltou essa semana uma atualização colossal que permite a criação de animais selvagens. Com um crocodilo, um rinoceronte, uma pantera negra e uma hiena se desenvolvendo em meu curral, talvez me torne um senhor das feras. Ainda há tanto nesse mapa para ser desbravado. Será uma longa caminhada, mas não podia esperar menos de algo cujos primeiros passos foram dados décadas atrás.

Conan Exiles 04
Ouvindo: Agent Orange - Wouldn't Last a Day

3 comentários:

Shadow Geisel disse...

"...criando objetivos pessoais que podem levar à morte ou ao triunfo."

Esse trecho me fez lembrar de No Man's Sky. Sobre a parte da noite, acho que poucos jogos conseguem esse feeling de trazer uma noite selvagem e claustrofóbica (no sentido de sobreviver). O último que me lembro de ter passado esse (mau) sentimento foi Dying Light.

Unknown disse...

Seila, eu gostaria de um jogo do Conan ao estilo "Shadow of Mordor" ou "The Witcher 3."

Unknown disse...

Ei cara como vc consegue escrever tão bem? Me dá umas dicas ai.

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