Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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14 de setembro de 2018

Jogando: Shadowrun Returns

Shadowrun Returns 08

Jogos de fantasia onde elfos, orcs e anões convivem lado a lado com humanos podem ser encontrados às dúzias desde que um certo inglês criou uma certa trilogia famosa entre os anos 40 e 50 do século XX. Jogos que mergulham no imaginário cyberpunk tampouco são raros, desde que William Gibson e sua trupe consumiram substâncias estranhas e vislumbraram um futuro desagradável nos anos 80 do mesmo século.

Mas um jogo que mistura os dois universos em um único conceito? Com certeza estamos falando de Shadowrun.

Um mundo distópico futurista onde não apenas a tecnologia escravizou e dividiu a sociedade mas onde  simultaneamente a magia retornou e despertou raças antes perdidas foi a grande sacada da FASA em 1989: um universo de RPG singular, um dos primeiros mashups de ideias em uma época em que o próprio termo não havia sido cunhado ainda.

Por um destes desvios do destino, nunca experimentei o jogo de RPG de mesa, embora ele tenha sido traduzido e publicado no Brasil naquela grande efervescência dos anos 90. Entretanto, só de ouvir falar em sua existência já foi o suficiente para influenciar um dos cenários de RPG que criei naquele período e, se elegantes elfos e anões truculentos conviviam com os serial killers e vampiros de minhas aventuras em um urbano cenário dos anos 80, foi por conta de Shadowrun.

Sua fantasia cyberpunk serviu de inspiração também para diversos jogos eletrônicos desde os primórdios, mas eu tampouco havia parado para testar qualquer um deles. A franquia ainda sofreu com títulos infelizes e permaneceu adormecida, como suas raças especiais, por um longo período, até ser despertada com o apropriado título de Shadowrun Returns, desenvolvido pela Harebrained Schemes, em parceria com alguns dos criadores originais da franquia de RPG. Esse alardeado retorno foi incensado por jogadores da velha e da nova guarda e deu origem a uma série de jogos eletrônicos que conquistou seu nicho com louvor.

Shadowrun Returns 02

Shadowrun Returns funciona como a introdução perfeita para esse universo. No papel de um shadowrunner, um operativo ilegal que realiza todo tipo de serviço em troca de dinheiro, você precisa investigar o assassinato de um antigo parceiro e, para isso, irá mergulhar em uma rede de intrigas em uma Seattle assombrada por um assassino serial. Personagens misteriosos mas carismáticos entram e saem de cena e muitos deles podem ser contratados temporariamente para missões de alto risco.

Mecanicamente, o jogo deixa a desejar, com uma jogabilidade engessada pelas regras do RPG original e com um combate em turnos que se arrasta por mais tempo que seu cenário aparentemente frenético pediria. Shadowrun Returns chega a exigir que você movimente seus personagens por turno no ambiente mesmo que não haja inimigo algum por perto, uma atividade enfadonha que nem o retrô Geneforge cometia. Também falta a complexidade tática de outros títulos de combate por turno. Esses problemas são um grande entrave na longa missão final, que ainda exige uma troca constante de armas para a vitória.

Shadowrun Returns 05

Não conhecer as regras corretamente e errar na construção de seu personagem é um equívoco que pode acontecer, ainda que corrigível ao longo da evolução e da distribuição de pontos. As escolhas nos diálogos não tem o peso que se espera de RPGs modernos e estão ali basicamente para adicionar uma pitada de personalidade ao seu personagem e nada mais.

Com uma jogabilidade que não agrada nem quando tenta complicar nem quando simplifica demais, qual é o grande trunfo de Shadowrun Returns, o estimulante que me manteve agarrado à tela até o final? Seu universo, sem sombra de dúvidas. A Harebrained Schemes destila aqui o mais puro texto cyberpunk, uma mistura de policial noir e gírias inventadas de um futuro surreal para nos transportar sem cinto de segurança em alta velocidade para uma realidade que pulsa ao nosso redor. Os gráficos precisos e detalhados ajudam a construir essa imersão, lado a lado com uma trilha sonora que cativa. Você continua porque você quer saber o que essa cidade esconde, seus vícios, sua luz de neon, suas balas e ameaças.

Em termos de enredo, há semelhanças com Anachronox, no sentido que temos aqui um protagonista mediano que começa a investigar algo trivial e esbarra em uma conspiração que só pode ser descrita como insana ou despropositada, mas se encaixa como uma luva na proposta de Shadowrun lá atrás. Você pode até pensar que está lidando com os clichês do gênero cyberpunk, mas o jogo esbofeteia com vontade no seu rosto que há forças místicas em andamento e o horror espreita nas esquinas. Como um pequeno ponto na estatísticas, seu personagem é arrastado para o olho do furacão sem aquela conversa fiada de "o escolhido" ou "grandes poderes vem com grandes responsabilidades". Você é um shadowrunner, um ninguém com talentos, que preferia ficar nas sombras mas esbarrou em um problema além da sua alçada.

Shadowrun Returns 01

A Harebrained Schemes também nos saúda com um desfecho magnífico. Se a batalha final transborda enfado por suas mecânicas desprovidas de imaginação, o epílogo nos oferece a oportunidade de conversar uma última vez com os principais NPCs e desejar viver um pouco mais nessa cidade maldita. Apenas para, logo em seguida, colocar um agridoce ponto final em sua mola motriz e nos lembrar que ser shadowrunner é ser #vidaloka mesmo.

Ouvindo: Misfits - Sleepwalkin'

2 comentários:

Shadow Geisel disse...

Eu joguei bastante o Shadowrun do SNES, com combates meio em tempo real, meio por turno. Era meio chato ter que ficar escavando informações em diálogos num sistema de palavras-chave que exigia apenas paciência pra clicar em menus em cascata. Mas as músicas, a ambientação e os diálogos compensavam. Nunca cheguei a terminar, pois jogar em emulador é ter todos os jogos e não jogar nenhum, ao mesmo tempo. Se o Returns levar um bom desconto na Steam, quem sabe...

Tais disse...

Espero que vc jogue shadowrun dragonfall qualquer dia, e goste como eu gostei hahahaha. Ainda mais agora tendo o returns de parâmetro. Gostei muito de presenciar as melhorias que a série teve com o segundo jogo :)

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Blog criado e mantido por C. Aquino

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