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17 de junho de 2018

Taça Na Raça

Collyer Brothers

Em 1985, os irmãos Paul e Oliver Collyer eram dois rapazes ingleses de 16 e 13 anos, apaixonados por futebol como todos os rapazes ingleses, mas insatisfeitos com os jogos do esporte disponíveis nos computadores da época. Nascidos na pequena e pacata cidade rural de Shropshire, escreveriam seu nome na história do futebol, mas ainda não sabiam disso.

"Estávamos jogando os outros jogos - League Division One, Mexico '86, a versão internacional e Football Manager. Estávamos verificando todos os outros jogos da época e decidindo que não gostávamos muito deles, em nossa arrogância, decidindo que poderíamos fazer melhor"

Na pequena comunidade, nem mesmo havia um sinal de televisão limpo e os irmãos acompanhavam o futebol pelo rádio. Mas Paul ouvia cada partida e atualizava os resultados em uma planilha eletrônico, seguindo metodicamente o campeonato. Era o embrião de uma ideia.

nostalgia pic. Church Stretton. This 1991 print is from the Shropshire Star picture archive. It shows, on left, Oliver Collyer, and Paul Collyer. The date by the caption, which will be publication date, is 20.12.91, i.e. December 20, 1991. The photographer's written date, which will be when taken, is 19.12.91. The photographer was Michael Hunt, a Shropshire Star staff photographer. The accompanying story began: 'Two enterprising Shropshire brothers have proved that play can pay. Paul and Oliver Collyer, from Church Stretton, have sold a football computer game after developing it in their spare time. The former Church Stretton School students found three firms bidding against each other for the publishing rights to the game. They now stand to get substantial royalties...' Computer games. Library code: Church Stretton nostalgia 2018.Os irmãos levariam seis anos para transformar essa obsessão em realidade. Era um sonho do qual não desistiram, programando o que queriam no retorno da escola ou da faculdade, nas horas vagas. Às vezes seu gerenciador de times ficava seis meses abandonado, apenas para os Collyer retomarem o projeto com força total, às vezes ocupando as férias inteiras, trancados no sótão, desenvolvendo freneticamente. Isso quando não estavam montando a cavalo, alimentando as galinhas, carregando carrinhos de esterco para a plantação ou tentando evitar que o bode comesse peças do computador. "Felizmente, o bode não comeu o código do jogo", relembra Paul, o irmão mais velho, rindo de suas lembranças.

"Foi puramente para nós e só queríamos que fosse o melhor possível de jogar. Nós nos divertimos muito jogando com os amigos”, lembra Oliver Collyer. "Eles voltavam nas tardes de sábado e ficavam sentados por horas".

Nesse primeiro momento, apenas esse amigos mais chegados conheciam o jogo. Oliver foi para a faculdade cursar Matemática, mas desistiu depois de um ano e retornou para sua cidade natal, para dar mais um polimento no projeto que havia desenvolvido durante tanto tempo e e tentar a sorte.

Com seu jogo praticamente pronto, foram bater de porta em porta das produtoras em busca de um apoio. Encontraram muitas recusas. Faltava ação, elas disseram. Faltavam gráficos, elas disseram. Até mesmo a Electronic Arts, na época um coletivo de desenvolvedores dado a apostar em títulos e propostas ousadas, não via potencial na criação dos irmãos. Coube à modesta Domark acreditar naquele jogo e lançá-lo em 1991.

Era o primeiro Championship Manager.

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"Na época, havia muito pouco futebol na TV, a maior parte do nosso futebol estava no rádio, e acho que talvez seja de onde a falta de priorização dos gráficos veio, porque essa era a nossa cultura", conclui Paul.

Parte da crítica não entendeu a proposta. Mas o público teve seu interesse despertado e o título vendeu o suficiente para a Domark topar uma continuação: 20 mil cópias, no total. Championship Manager 93 veio com uma novidade que mudaria o cenário para sempre: nomes reais de jogadores e times. Era a fagulha que faltava para atrair a atenção dos fãs de futebol e a marca começar a ganhar seus próprios fãs.

Os irmãos Collyer fundaram a Sports Interactive, um estúdio de desenvolvimento para a produção da série. Na prática, entretanto, continuaram sendo somente eles dois como funcionários e o escritório era sua própria casa, ainda na provinciana Shropshire. Ainda assim, a próxima criação da desenvolvedora mudaria novamente o jogo.

Championship Manager 2 introduziu em 1995 uma nova e poderosa funcionalidade pioneira no gênero: dados de jogadores alimentados por uma extensa rede de olheiros no mundo real. Ao invés de confiar nas estatísticas fornecidas pelos clubes, os irmãos Collyer passaram a confiar nas informações enviadas por fãs de futebol e observadores profissionais, o mesmo tipo de entusiastas cujas opiniões e conhecimento de atletas influenciava contratações no mundo real.

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Mais do que isso, pela primeira vez na série, foram incorporadas mudanças nas regras do futebol que haviam sido introduzidas no esporte naquele ano, relacionadas a troca de clubes realizadas por jogadores. Estava traçada ali a meta que definiria todo o trabalho dos irmãos e seu estúdio: fidelidade máxima. Os fãs do futebol no mundo real encontrariam as mesmas regras, as mesmas características dentro do jogo. Miles Jacobson, que reforçaria a equipe no papel de diretor do estúdio, explica a filosofia:

"Eles estavam tentando criar um universo de futebol. Todos os outros estavam criando um jogo de futebol, e ele poderia ser redefinido no final de cada ano, então não importava, ele realmente não interagia com outras equipes, eles realmente não tinham jogadores além do mercado de transferências [básico] que viria uma vez por semana quando lhe fosse oferecido um jogador. Mas ele disse que eles não se importavam se um humano estava jogando ou o computador estava jogando - o jogo continuaria porque seria um mundo vivo, respirando. Isso é o que sempre tentamos fazer desde então".

Championship Manager 2 também  contou com um aliado especial nos bastidores: Doom. Os irmãos revelaram em entrevista para a PC Gamer que o jogo foi fundamental para aliviar a tensão no desenvolvimento. "Quando você estava trabalhando no jogo e precisava de um descanso, você apenas carregava Doom e era completamente o oposto... quase", afirma Oliver.

Entre relação inesperada se repetiria com Championship Manager 3 e Duke Nukem 3D: "Quando você fala sobre o CM3, penso no Duke Nukem", revela Oliver. "Eu visualizo um escritório escuro com todo mundo olhando em suas telas, o som saindo de seus pequenos alto-falantes e explosões tocando em todo o escritório. Era a maneira perfeita de relaxar depois de meia hora de codificação. Em seguida, seis horas de Duke Nukem, seguidas por um telefonema para explicar por que o jogo estava atrasado...", completa.

cm97-98A esta altura do campeonato, por incrível que pareça, a Sports Interactive estava mais profissional. Jacobson havia se juntado ao time e insistido na profissionalização. Então, havia um time de programadores, havia escritório, havia a consciência de que se estava desenvolvendo um produto em uma linha consagrada e havia uma legião de fãs esperando bons resultados. A pressão era maior. Até mesmo a produtora Domark era maior, tendo sido comprada pela Eidos recentemente. As estrelas estavam alinhadas e muitos consideram Championship Manager 3 o melhor da franquia nesse período.

Seu sucessor, em contrapartida, foi o exato oposto: Championship Manager 4 foi fruto de uma relação estressante com a Eidos, de uma transição não muito bem-sucedida para uma equipe maior ainda, e da ideia de se introduzir elementos gráficos na fórmula de gerenciamento que havia dado certo até então. Em muitos aspectos, o quarto título era uma mudança de paradigma para a qual a Sports Interactive não estava pronta e o peso de dez anos trabalhando comercialmente no mesmo projeto cobrou seu preço dos irmãos.

Championship Manager 4 chegou ao mercado lotado de bugs e os fãs perceberam. O crescimento desenfreado do estúdio serviu de aprendizado. Para Paul, "às vezes você tem que passar por algo difícil para poder fazer algo melhor no futuro. Acho que crescemos de maneira mais sustentável. E nós temos estrutura".

Os erros internos da desenvolvedora seriam solucionados com o tempo, mas relação com a Eidos estava insustentável. Não apenas a produtora estava pressionando além da conta, como os irmãos descobriram que já havia sido montado um estúdio rival com o objetivo de seguir com a franquia sem seu consentimento. A separação foi inevitável: os Collyer levaram toda a experiência, os contatos, o motor já programado enquanto a Eidos ficaria com o nome e, de fato, lançaria um novo Championship Manager com seu outro estúdio.

FM2005Enquanto isso, a Sports Interactive encontrou uma nova casa com a Sega e ressuscitou uma marca que estava inativa desde 1992: Football Manager. O mesmo nome de um dos jogos que os irmãos acharam que não era satisfatório lá em 1985. Vinte anos depois, não mais dois garotos, não mais sozinhos, eles lançaram Football Manager 2005, o renascimento da Sports Interactive e o início de uma franquia anual sempre aguardadíssima por seus fãs.

Football Manager 2005 deixou Championship Manager 5 no chão. Não havia como concorrer: tudo que havia de bom nos jogos anteriores da Sports Interactive havia sido melhorado, novos elementos foram adicionados e seu título de retorno se transformou no quinto jogo de PC que vendeu mais rápido em toda a história da indústria.

Hoje em dia, a desenvolvedora emprega 110 funcionários e possui uma rede de olheiros muito maior que isso, com milhares de colaboradores observando 2.200 clubes principais em 51 países, além de mais 2000 clubes em ligas menores. Desde Football Manager 2005, foram vendidas mais de 15 milhões de cópias da série.

De seu quarto, nas horas vagas, os Collyer ergueram as fundações de um jogo aclamado por fãs fervorosos e que se tornou uma ferramenta de peso nas mãos de técnicos, dirigentes e treinadores do mundo real. Paul ainda se impressiona com essa caminhada:

"O jogo atingiu os níveis de ser um ponto de referência cultural - você vê isso mencionado em lugares onde você menos espera, artigos de futebol com pessoas comentando sobre nós, todo mundo sabe disso (...) Nós nos propusemos a criar uma experiência no mundo do jogo. E nós conseguimos criar um fenômeno sem comprometer isso"

Ouvindo: Metric - Collect Call

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